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O casamento esfriou. E aí?




Rotina, perda do desejo, chegada dos filhos. Existem várias explicações para os casais perderem o interesse pelo sexo. Mas há como recuperá-lo

A temperatura debaixo dos lençóis varia de morno para gelado. A vida sexual de quem é casado está longe de ser esfuziante. No mais amplo retrato do comportamento dos brasileiros nesta área, uma pesquisa com oito mil pessoas entre 15 e 64 anos divulgada no mês passado pelo Ministério da Saúde, descobriuse que 11% dos casados não fazem sexo há pelo menos um ano. Isso não acontece apenas aqui. Nos Estados Unidos, dados do General Social Survey, programa da Universidade de Chicago que monitora as mudanças na sociedade americana, revelam que 15% das pessoas que vivem sob o mesmo teto estão entre seis meses e um ano sem manter relações sexuais. Mesmo quando dizem que há amor, muitos casais não transam. Por quê?
Diferentemente dos animais, os seres humanos não fazem apenas sexo - seja para reprodução, seja para obter prazer. O erotismo é exclusivo da nossa espécie, e é nesta energia, vibrante e criativa, mobilizadora dos sentidos e da imaginação, que reside o elemento-chave para uma relação prazerosa. Em geral, quando o sexo deixa o casamento, é porque o erotismo perdeu espaço. A libido foi vencida pelo dia a dia massacrante.
O desgaste promovido pela rotina costuma ser apontado como uma das principais razões para o desinteresse pela vida sexual. Estressados e atormentados pela falta de tempo, homens e mulheres fazem malabarismo para criar os filhos, pagar contas, aumentar o patrimônio da família e estar no topo do ranking dos melhores no trabalho. O sexo, que era prioridade no início da vida afetiva, perde espaço para o cotidiano.
Nesse contexto, a chegada dos filhos é um marco. Crianças pequenas demandam energia e disposição. Quando dois viram três inicia-se uma nova fase no casamento. Esta transição, um dos maiores desafios para os casais, está sendo enfrentada com dificuldade pela secretária Débora Bortolleti, 35 anos, e o consultor Marcello Mezzanotti, também 35 anos, casados desde 2004.
O nascimento da filha, há dois anos, foi o começo da crise. Segundo ela, há muita ternura e amizade na relação, mas também brigas e diferenças grandes de temperamento. "O sexo foi se tornando escasso e, agora, estamos há seis meses sem transar", diz ela. "Quanto mais o tempo passa, mais longo fica o caminho a ser retomado."
LIBIDO FEMININA
A falta de desejo, sobretudo para as mulheres, é uma das questões centrais em casamentos frios na cama. Estudo realizado pela Universidade de Hamburg-Eppendorf, da Alemanha, revela que, no início do relacionamento, 60% delas querem sexo com frequência. Depois de quatro anos de união, este índice cai para 50%. Após 20 anos, chega a 20%. Entre os homens, o desejo permanece inalterado para 70% deles. "O sexo não é uma prioridade para muitas mulheres", explica Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Segundo a pesquisa Mosaico Brasil, realizada no ano passado e coordenada por ela, o sexo está em 3º lugar no quesito qualidade de vida para os homens, atrás apenas de alimentação saudável e tempo de convivência com a família. Para as mulheres, cai para a 8º posição, perdendo - atenção, maridos - para (1) alimentação saudável, (2) tempo de convivência com a família, (3) qualidade do sono, (4) prevenção de doenças e cuidados com a saúde, (5) trabalhar no que gosta, (6) ter tempo para atividades culturais e hobbies e (7) convivência social. Outro componente para a diminuição da libido feminina é a dificuldade delas em separar o sexo do afeto. "Quando a relação não vai bem, ela pode sentir repulsa até mesmo quando tocada", diz a psicóloga Giovana Tessaro.
PARANOIA COM O CORPO
"Não existe sexo há um ano e três meses. Minha mulher ficou paranoica e começou a tomar remédios para emagrecer depois da gravidez. Eu nunca perdi o interesse nela por causa do peso. Descontrolada, me acusava de tê-la obrigado a ter filhos e que isso abalou a sua carreira. Com tantas brigas, o tesão foi morrendo e passamos a dormir em quartos separados. Percebi que ela estava com nojo de mim. O orgulho nos impede de falar sobre a falta de sexo. Mas ela terá de tomar a iniciativa"
M.C., 35 anos, vendedor
Casamentos sem sexo nem sempre indicam que as pessoas são assexuadas. Sem filhos, a administradora M.S., 43 anos, está casada faz 15 anos com o seu chefe e há seis anos não faz sexo - com ele. O vínculo sexual começou a ruir quando eles passaram a levar os problemas da empresa para casa. As conversas monotemáticas viraram rotina e a relação se desgastou. "Se o assunto não é a empresa, são os problemas de família", diz ela. Marido e mulher que trabalham juntos correm o risco de deixar o lado colegas de trabalho tomar conta da vida de casal, o que é um veneno para o erotismo.
Quando as relações sexuais se tornaram raras - e por obrigação -, M.S. e o marido pararam de comemorar o aniversário de casamento, segundo ela, um sinal claro da derrocada. Surgiram, então, as brechas para a entrada de um terceiro elemento. A administradora, porém, não cogita o divórcio. "Ficaria aliviada em me separar, mas não quero perder o padrão de vida", diz. "Preferia que ele também tivesse uma amante." De acordo com a advogada Estela Franco, especialista em direito de família e com vários anos de experiência em divórcios, esta é uma situação comum. "Muitos casais fazem sexo fora do casamento e se mantêm na relação como amigos para preservar a união", diz.



FANTASIA COM O PARCEIRO
Uma das maiores dificuldades para os casais que querem superar a crise é refazer o pacto que os uniu um dia e trazer o sexo de volta para a relação conjugal. Casados há uma década, o vendedor M.C., 35 anos, e a esposa não transam há um ano e três meses. "No início, era ela que não estava a fim", conta ele. "Tomei iniciativa e dei com a cara na parede. Cansei." Os problemas surgiram depois que a mulher começou a tomar remédios para emagrecer em uma tentativa de voltar à forma física de antes da gravidez. "Ela ficou descontrolada", diz o vendedor.
As brigas e acusações transformaram o desejo em raiva. Há um mês, disposta a investir no casa mento, a esposa de M.C. parou com os medicamentos. O vendedor está na expectativa de que eles voltem a ser um casal de verdade. É este momento de resgate que a pedagoga Márcia Secco vive com o marido. Eles já ficaram três meses sem relações sexuais e há três anos ela não sente prazer. "Estava sempre indisposta", diz. "Às vezes, cedia apenas para satisfazê-lo." Com ajuda de terapia, está redescobrindo o marido. "Aos poucos, a vontade está voltando", conta.
Retoma da do desejo
"Sou casada há 15 anos e, desde o fim da segunda gravidez, há três anos, não sinto prazer. Já ficamos três meses sem sexo. Cheguei a pedir que ele procurasse outra pessoa para ser feliz. Quando percebi que não tinha mais prazer nem mesmo com o toque nas regiões mais íntimas, procurei a terapia. Foi a melhor coisa que fiz. Há algumas semanas, viajamos sozinhos. Queremos ter um tempo para nós. Aos poucos, a vontade está voltando. Quando volta o sexo, lembramos como é bom" 

Márcia Secco, 39 anos, pedagoga

Não faltam manuais recheados de obviedades que prometem uma revolução sexual em dez passos ou 20 lições. Neste mercado, o livro "Sexo no Cativeiro", da terapeuta de família Esther Perel, traz uma contribuição rara entre as obras do gênero. Ela propõe o resgate do universo lúdico, perdido entre os casais. Mas como recuperá-lo quando falta desejo? O sexo erótico pressupõe imaginação e é preciso comprometimento para investir nele.
Entre as sugestões dos especialistas está a inclusão do parceiro no universo das fantasias sexuais. No livro "O Sexo e a Psique", lançado na semana passada no Brasil, o pesquisador Brett Kahr, do Centro de Saúde Mental de Londres, revela que 21% dos ingleses incluem com frequência o cônjuge nas suas fantasias eróticas. "À medida que envelhecem, fantasiam com o parceiro com uma frequência menor", afirma Brett. Dos casais entre 18 e 29 anos, 14% incluem o companheiro na imaginação erótica. Ao chegar aos 51 anos, o índice é de apenas 6%. Não é difícil entender por que sem imaginação não há ação.
ENGRENAGEM DO OUTRO
Esther Perel questiona a febre pela medição em planilhas e gráficos - pessoas mais preocupadas com o tamanho do pênis, dos seios, dos quadris, a frequência do sexo, as posições mais incomuns do que em entender a complexa engrenagem do outro. Mas estar com a autoestima elevada e fazer-se atraente para o parceiro podem ser um combustível eficiente para esquentar os lençóis. "Os homens ficam obcecados com o orgasmo da mulher para atestar a sua virilidade", afirma Silvia Mazano, diretora do Instituto Brasileiro de Sexologia. "Não é o homem que dá o orgasmo. É a mulher que o tem. E, se não tiver, não significa que ela não sentiu prazer", diz.
Outro mito desconstruído pelo livro é a eficácia do diálogo aberto, um mantra para a maioria dos psicólogos. Esther defende que a linguagem do corpo é mais importante do que as palavras para o bom entendimento sexual. "O excesso de intimidade pode comprometer o desejo, que exige distância, dúvidas e surpresas", afirma. "Ninguém procura o que já está lá." O livro também questiona o conceito de democracia na cama. Para a terapeuta, o erótico estaria ligado ao jogo de poder e a alternância entre domínio e submissão, de difícil aceitação para quem prega a diplomacia no sexo.
Rotina e filho, os vilões
"O nosso problema é a rotina. Há dois anos, com o nascimento da nossa filha, a frequência do sexo caiu e, há seis meses, nada acontece. No casamento, o amor segura por um tempo, o sexo segura pela vida toda. Representa a identidade do casal na relação. A esposa não pode ser apenas mãe e dona de casa, tem que ser mulher. Não acredito que o problema seja comigo ou com ele. O problema é a estrutura do casamento"
Débora Bortolleti, 35 anos, secretária, com o marido, Marcello Mezzanotti
SEXO NA AGENDA
Para garantir a comunhão sexual, é preciso compromisso. Mas não é algo a ser encarado como obrigação. Obrigação é trabalhar, levar os filhos ao médico, pagar contas. Compromisso é mobilizar energia, de bom grado e de forma consciente, para buscar o frisson. "A partir de dois anos da união, o casal deixa de fazer investimentos na relação", afirma Gerson Lopes, diretor da Associação Saúde, Amor, Bem-Estar e Responsabilidade. "O sexo precisa de dedicação, assim como a carreira e as finanças", diz ele. Se existem filhos, é necessário também planejamento. Pode parecer antinatural, mas programar implica intenção e, por consequência, confere valor ao ato. "Quando planeja transar, o casal reafirma o vínculo erótico", defende a terapeuta Esther.
A mulher virou mãe
"Decidimos nos separar há alguns meses, depois de nove anos juntos. Já não tínhamos relações sexuais havia um ano e meio. O sexo estava péssimo, eu tinha nojo. Perdi a admiração por ele, que virou um filho egoísta. Eu só existia para lhe dar prazer e sustentá-lo. Não há como sentir tesão numa relação assim. Eu devia ter me separado quando o sexo deixou de ser prazeroso e ficou só a exploração. Ele me transformou na mãe que não teve na infância" 

 J.N., 30 anos, bancária

Foi colocando o sexo na agenda que a jornalista L.M., 36 anos, recuperou o desejo pelo marido. Depois do primeiro filho, eles ficaram quase um ano sem manter relações sexuais. "Minha terapeuta me disse que eu teria que escolher um dia da semana para transar, mesmo que por obrigação", conta. O dia D era um martírio para ela. "Acordava de mau humor, me arrumava a contragosto, mas ia até o fim", diz. Mas, no final, a sensação foi positiva. "Como pude ficar tanto tempo sem aquilo?", perguntava- se a jornalista, que teve outras duas crianças, sem bloqueios sexuais após as gestações.
Encontrar o equilíbrio entre a vida doméstica e o erotismo, tão necessário para fazer pulsar o casamento, é o grande desafio dos casais de hoje. Ninguém mantém o desejo aceso 365 dias por ano. Há fases em que ele fica adormecido, em que cada um está voltado para seus próprios projetos, em que os filhos exigem mais atenção. O essencial é o casal saber resgatar o frisson. O erotismo em casa exige envolvimento, em um delicado balanço entre conhecimento e mistério, segurança e desconhecido, intimidade e privacidade.
Carina Rabelo

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