Desde o início, a Igreja sempre ensinou que aqueles que morreram na Amizade do Senhor intercedem pelos que ainda se encontram na Terra. Essa doutrina, perfeitamente bíblica e totalmente cristã, é denominada intercessão dos santos.
Diz o Catecismo da Igreja Católica: "Pelo fato de que os do Céu estão mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a toda a Igreja na santidade (...) Não deixam de interceder por nós ante o Pai. Apresentam, por meio do único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na Terra (...) Sua solicitude fraterna ajuda muito à nossa debilidade." (CIC 956)
Para a Igreja Católica, portanto, os santos intercedem por nós junto ao Pai, não por seu próprio poder, mas pelos méritos de Cristo, Nosso Senhor, único Mediador entre Deus e os homens para a nossa salvação. Os adeptos do fundamentalismo bíblico, porém, costumam apresentar objeções à este ensinamento. Tais objeções podem ser divididas em cinco categorias. Neste artigo buscaremos analisá-las e respondê-las, uma a uma:
Objeção 1: Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens
Esta é a principal das objeções à doutrina da intercessão dos santos. Fundamenta-se na passagem bíblica de 1 Timóteo 2, 5: "Pois há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens: um homem, Cristo Jesus". Para algumas pessoas, a Sagrada Escritura não deixa dúvidas de que só Jesus pode interceder pelos homens junto a Deus.
E tais pessoas estão certas, neste ponto específico. Não há nenhum santo, nem Pedro nem Paulo e nem a Virgem Maria, que possa interceder por nós junto a Deus, no sentido de salvar as nossas almas. "Só Jesus salva!", costumam bradar nossos irmãos evangélicos mais exaltados, quando falamos nos santos, e nós concordamos com isso, sem nenhuma dúvida! De todos os que pisaram esta terra, somente Jesus é Deus, e somente Ele, sendo Deus, se fez o Cordeiro Imolado para a nossa salvação: o único Sacrifício capaz de nos resgatar do pecado e da morte é Cristo. Esta é a fé e a verdadeira doutrina católica.
Então, em que sentido cremos na intercessão dos santos? Eles podem nos salvar? Bem, neste ponto do texto eu posso abrir parênteses para deixar um testemunho pessoal: há alguns anos, eu andava perdido em minha vida, desorientado e confuso, procurando Deus numa série de falsas doutrinas. Eu acreditava em necromancia, achava que todas as religiões eram iguais e que procurar conhecer a Igreja seria uma perda de tempo...
No entanto, através do testemunho e do exemplo de uma série de bons e fiéis cristãos católicos, acabei conhecendo a verdadeira Igreja Católica. E percebi que a Igreja Católica que eu imaginava era muito diferente da Igreja real, aquela que de fato existe. O que eu ouvia dizer da Igreja, nas falsas religiões que eu frequentava, era uma caricatura, uma imagem totalmente distorcida do que é a Igreja realmente. E frequentando e conhecendo a Igreja, rezando muito, estudando a vida dos santos, o catecismo, conversando com bons padres e participando com muita fé da Santa Missa, fui agraciado com o conhecimento da verdade. Minha vida se tornou cheia de luz e de graça, e hoje eu posso dizer que conheço, a cada dia um pouco mais, o verdadeiro Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, navegando neste mar muitas vezes bravio, porém seguro a bordo do grande Barco da Igreja, conduzido pelo Papa, a quem o Senhor entregou as chaves do Reino. Esta é uma longa história (leia meu testemunho de vida aqui).
Por que estou mencionando essa minha experiência agora? Por que o meu exemplo é perfeito para ilustrar a ideia que estou tentando transmitir: foi através do testemunho e do exemplo de bons católicos que eu encontrei Jesus, e, em Jesus, encontrei a salvação! Eu poderia dizer que esses bons cristãos me salvaram? Sim, embora quem tenha me salvado de fato seja Jesus, aqueles que me conduziram ao Salvador foram, num certo sentido, meus "salvadores"! Imagine que você está perdido num deserto há muitos dias, e já quase morre de sede: um viajante passa por você, conduzindo um jipe ou um camelo, e não lhe presta socorro nem lhe dá de beber, mas indica a direção que você deve seguir para se salvar. Desesperado, você segue a orientação desse viajante, e encontra um oásis, com sombra e água fresca. Você bebe, descansa e recupera suas forças. Assim, consegue completar o caminho indicado pelo viajante até a área povoada mais próxima, e assim salvar a sua vida. Pois bem: quem o salvou? O viajante não lhe deu água nem carona. Mas ele indicou o caminho.
O mesmo ocorre com a intercessão dos santos. Eles mesmos não são o Caminho. O único Caminho para a salvação é Jesus. Mas os santos nos indicam o Caminho, e, diferente do exemplo dado acima, caminham conosco; eles levam nossas intenções a Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Agora veja: se você só crê naquilo em que está escrito na Bíblia, você também precisa crer na intercessão dos santos. Por quê? Porque não podemos tomar uma parte isolada da Bíblia, acreditar somente nessa parte isolada e descartar todas as outras. Se cremos na Bíblia Sagrada, precisamos crer em toda a Bíblia, meditar em tudo o que ela diz. E por acaso não ensina o Apóstolo Paulo, nas Escrituras, que os cristãos devem dirigir orações a Deus em favor de todos? Vejamos o que diz o primeiro versículo do mesmo livro de 1 Timóteo, no mesmo capítulo 2:"Acima de tudo, recomendo que se façam súplicas, pedidos e intercessões, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e honestidade" (1 Tm 2, 1).
Ora, Paulo nos pede abertamente, no versículo 1, que antes de tudo sejamos intercessores junto a Deus, uns pelos outros. E no versículo 5 ele diz que só Jesus é nosso Mediador. Se eu faço uma oração pela sua vida, estou intercedendo por você junto a Deus. Estaria então o Apóstolo se contradizendo?
Também no livro de Tiago, capítulo 5, versículo 16, está escrito o seguinte: "Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos".
E agora? Se eu creio na Bíblia, devo crer que só Jesus intercede por nós, ou que nós também podemos interceder uns pelos outros? A Bíblia ensina uma coisa numa parte e outra coisa diferente, em outra parte? Claro que não. Se a Bíblia falasse contra si mesma, não seria a Palavra de Deus para nós. Na verdade, a solução para esse dilema é muito simples: a questão é que, dentro do contexto bíblico, a natureza da intercessão tratada no versículo 1 de 1 Timóteo é diferente da mediação do versículo 5.
No Antigo Testamento, a mediação entre Deus e os homens se dava através da prática da Lei e dos muitos sacrifícios e ofertas no Templo. No Novo Testamento, isto é, na Nova e Eterna Aliança entre Deus e os seres humanos, é Cristo quem nos reconcilia com Deus através do seu Sacrifício na cruz. É neste sentido que é Ele o nosso único Mediador, pois foi somente através dele que recuperamos para sempre a Amizade com Deus: "Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um sótodos se tornarão justos" (Rom 5, 19).
Portanto, a exclusividade da medição de Cristo refere-se à justificação e à salvação dos seres humanos. Mas a intercessão dos santos é de uma outra natureza: refere-se à graça que Deus nos concede, de intercedermos em oração uns pelos outros. É dessa maneira que os santos intercedem por nós.
Objeção 2: Aqueles que já morreram, mesmo que tenham sido santos, não podem interceder por nós aqui na Terra, porque após a morte não há consciência; ficamos todos como que dormindo, esperando o Dia da Ressurreição
Os defensores desta objeção usam como fundamento as palavras do Eclesiastes: "Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida (...) Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria" (Ecl. 9, 5-10).
Ocorre que a Bíblia é um conjunto de livros, que precisa ser entendido como um todo: se quisermos entender a sua mensagem mais profunda, não podemos tomar algumas das suas partes isoladamente para elaborar uma doutrina diferente daquela que a Igreja ensina. Esta é a razão de Jesus Cristo ter dado autoridade a Pedro e aos Apóstolos para conduzir a sua Igreja, até a sua volta. É por isso, também, que o Senhor jamais nos disse que bastaria ler as Escrituras pata encontrar o Reino de Deus e receber a Salvação.
Se cremos na Bíblia, nós não podemos aceitar a doutrina da "dormição" ou da "inconsciência", que diz que os mortos estão "dormindo" aguardando o Dia do Juízo", simplesmente porque há versículos claros na Sagrada Escritura que dizem o contrário. Podemos ver, por exemplo, Is 14, 9-10; 1Pd 3,19; Mt 17,3; Ap 5,8; Ap 7,10; Ap 6,10 (leia mais sobre o assunto aqui).
A questão é que os versículos do Eclesiastes não fazem referência ao estado mental de todos os mortos, mas sim ao infortúnio espiritual em que se encontram por causa do lugar onde estão. Os mortos ali referidos são aqueles que morreram na inimizade de Deus. Vejamos o que diz o Livro dos Provérbios: "O sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos" (Prov 15,24) .
A região dos mortos ali denominada é um lugar de desgraça, para onde são encaminhados os inimigos de Deus. Por acaso os sábios não vão morrer, como todos os outros? Claro que os sábios também morrem, mas a Bíblia diz que estes não irão para a "morada dos mortos". Fica claro que a expressão "morada dos mortos" ou "região dos mortos" refere-se a um lugar de desgraça, onde os inimigos de Deus estão privados da Graça Divina.
Assim entendemos que o Livro do Eclesiastes, quando afirma que para os mortos "não há mais recompensa, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência nem sabedoria", está se referindo ao infortúnio que existe nesta "região dos mortos" para onde vão aqueles que estão mortos para Deus.
Objeção 3:
Os santos não podem ouvir as orações dos que estão na Terra, porque não são oniscientes e nem onipresentes
Será que um santo pode receber as nossas orações e os nossos pedidos de intercessão, mesmo não tendo onipresença e onisciência própria? Vejamos o livro de Atos 16, 9-10:
"De noite, Paulo teve uma visão: um macedônio, em pé, diante dele, lhe rogava: Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio! Assim que teve essa visão, procuramos partir para a Macedônia, certos de que Deus nos chamava a pregar-lhes o Evangelho."
São Paulo não precisou ser onipresente e nem onisciente para receber a oração do Macedônio, que pedia auxílio. O próprio Apóstolo Paulo ensinou que a Igreja é o Corpo de Cristo. Os que estão unidos a Cristo através da Igreja são membros do Seu Corpo. - Um só Corpo. - Isso quer dizer que tanto nós, aqui na Terra, quanto os que morreram para este mundo, na Amizade do Senhor, todos somos membros da Igreja, do mesmo Corpo Místico, do qual o Senhor é a Cabeça:
"Agora alegro-me nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu Corpo, que é a Igreja" (Cl 1, 24).
Como membros do Corpo de Cristo, enquanto cristãos, estamos ligados uns aos outros: "Embora sejamos muitos, formamos um só Corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro" (Rm 12,5).
Cristo é a Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja: "Ele é a Cabeça do Corpo, a Igreja" (Cl 1,18).
Portanto, está claro que os santos, tanto os da Terra quando os que já estão no Céu, na Presença de Deus, estão ligados, enquanto membros do mesmo Corpo, que é a Igreja. Assim como a minha mão direita não pode se comunicar com a esquerda sem que esse comando tenha sido coordenado por minha cabeça, da mesma forma, no Corpo de Cristo, os membros não podem se comunicar sem que essa comunicação aconteça através da Cabeça, que é o próprio Cristo.
Desta maneira, quando nós pedimos aos santos que intercedam por nós junto a Deus, é como a comunicação de um membro com outro membro no Corpo de Cristo: isso acontece através de Cristo Jesus, que é Deus. Assim como a nossa cabeça pode coordenar movimentos simultâneos entre os vários membros de nosso corpo, Cristo, Cabeça da Igreja, que é onisciente e onipresente, possibilita a comunicação entre os membros do Seu Corpo.
Portanto, o fato de os santos não serem onipotentes e oniscientes não impede que eles conheçam ou recebam os nossos pedidos e possam interceder por nós junto a Deus.
"E da mão do anjo subiu à Presença de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos." (Ap 8,4)
Objeção 4:
Nós não podemos dirigir nossa orações aos santos pois isto caracteriza evocação dos mortos, que é proibida na Bíblia.
Esta objeção baseia-se principalmente nos seguintes versículos: "Não se ache no meio de ti quem pratique a adivinhação, o sortilégio, a magia, a necromancia, aevocação dos mortos: porque todo homem que fizer tais coisas constitui abominação para o Senhor" (Dt 18, 9-14).
"Se uma pessoa recorrer aos espíritos ou adivinhos, e andar atrás deles, voltarei minha Face contra essa pessoa e a exterminarei do meio do meu povo. (...)Qualquer mulher ou homem que evocar espíritos será punido de morte" (Lev 20, 6 - 27).
Grifamos acima os trechos que explicitam que a condenação divina se refere à invocação de mortos. Sem dúvida Deus abomina a evocação dos mortos. No entanto, há uma tremenda diferença entre evocar os mortos e pedir a intercessão dos santos. Evocar os mortos, dentro deste contexto, é pedir ao espírito do defunto que se apresente e se comunique com os vivos, por meio de necromantes (atualmente chamados 'médiuns'), como se aquela pessoa falecida ainda estivesse na terra. Como podemos perceber, trata-se da mesma prática dos espíritas de hoje. O que Allan Kardec chamou de "mediunidade" já era praticado nos tempos do Antigo Testamento, e diretamente condenado por Deus. Ao invés de confiar na Providência Divina, os que praticam a necromancia ou mediunidade preferem confiar nas instruções de espíritos, dos quais não tem como conhecer a origem, quanto ao futuro e às coisas de que necessitam ou desejam (conforme I Samuel 28).
No caso da intercessão dos santos, não estamos pedindo que o santo se apresente para conversar conosco através de algum médium ou "psicografar" uma carta, a fim obter alguma informação. Estamos, isto sim, dirigindo pedidos de oração aos santos do Senhor que já estão no Céu, o que é bem diferente de evocar mortos. Continuamos confiando na Providência Divina, e crendo que somente Deus atende às nossas preces.
Desta forma, as proibições divinas quanto à prática de espiritismo não se aplicam à doutrina da intercessão dos santos.
Objeção 5:
Não há referência bíblica quanto à intercessão dos santos
Esta é uma objeção falsa já em sua afirmação. Há diversos versículos bíblicos mostrando que os santos elevam orações na Presença de Deus. Vejamos:
"Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do Altar as almas dos homens imolados por causa da Palavra de Deus, e por causa do testemunho de que eram depositários. E clamavam em alta voz, dizendo: 'Até quando Tu, que és o Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra?' Foi então dada a cada um deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam com eles para ser mortos"(Apocalipse 6, 9-11).
Os santos, no Céu, clamam a Deus por Justiça.
"Os quatro viventes e os vinte e quatro anciões se prostraram diante do Cordeiro. Tinha cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos" (Ap 5,8). "A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus" (Ap 8,4). - Os santos oram para Deus. Por que estariam orando, já que estão salvos e gozando da Presença do Senhor? Oram em nosso favor, para que os que estão na terra também possam um dia estar com eles na Presença do Senhor.
No Livro do Profeta Jeremias lemos: "Disse-me, então, o Senhor: 'Mesmo que Moisés e Samuel se apresentassem diante de mim, meu coração não se voltaria para esse povo'" (Jr 15,1). - No tempo de Jeremias, quando o texto foi escrito, Moisés e Samuel já estavam mortos. No entanto, o Senhor diz que ambos poderiam se colocar diante dEle para pedir pelo povo de Israel. Aí está a intercessão dos santos, literalmente, no texto da Bíblia Sagrada.
O testemunho dos primeiros cristãos
Vejamos agora o que professavam os cristãos da Igreja primitiva, nos primeiros séculos, quando não havia divisão na Cristandade e a Igreja de Jesus era uma só:
"O Pontífice [o Papa] não é o único a se unir aos orantes. Os anjos e as almas dos juntos também se unem a eles na oração." - Orígenes (185-254 d.C. - Da Oração)
"Se um de nós partir primeiro deste mundo, não cessem as nossas orações pelos irmãos." - Cipriano de Cartago (200-258 d.C. - Epístola 57)
"Aos que fizeram tudo o que tiveram ao seu alcance para permanecer fiéis, não lhes faltará, nem a guarda dos anjos nem a proteção dos santos". - Santo Hilário de Poitiers (310-367 d.C)
"Comemoramos os que adormeceram no Senhor antes de nós: patriarcas, profetas, Apóstolos e mártires, para que Deus, por suas intercessões e orações, se digne receber as nossas." - São Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C. - Catequeses Mistagógicas).
"Em seguida (na Oração Eucarística), mencionamos os que já partiram: primeiro os patricarcas, profetas, apóstolos e mártires, para que Deus, em virtude de suas preces e intercessões, receba nossa oração." - São Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C. - Catequeses Mistagógicas)
"Se os Apóstolos e mártires, enquanto estavam em sua carne mortal, e ainda necessitados de cuidar de si, ainda podiam orar pelos outros, muito mais agora que já receberam a Coroa de suas vitórias e triunfos. Moisés, um só homem, alcançou de Deus o perdão para 600 mil homens armados; e Estevão, para seus perseguidores. Serão menos poderosos agora que reinam com Cristo? São Paulo diz que com suas orações salvara a vida de 276 homens, que seguiam com ele no navio [naufrágio na ilha de Malta]. E depois de sua morte, cessará sua boca e não pronunciará uma só palavra em favor daqueles que no mundo, por seu intermédio, creram no Evangelho?" - São Jerônimo (340-420 d.C. - Adv. Vigil. 6)
"Portanto, como bem sabem os fiéis, a disciplina eclesiástica prescreve que, quando se mencionam os mártires nesse lugar durante a celebração eucarística, não se reza por eles, mas pelos outros defuntos que também aí se comemoram. Não é conveniente orar por um mátir, pois somos nós que devemos encomendar suas orações." - Santo Agostinho (391-430 d.C. - Sermão 159, 1)
"Não deixemos parecer para nós pouca coisa; que sejamos membros do mesmo corpo que elas (Santa Perpétua e Santa Felicidade) (...) Nós nos maravilhamos com elas, elas sentem compaixão de nós. Nós nos alegramos por elas, elas oram por nós (...) Contudo, nós todos servimos um só Senhor, seguimos um só Mestre, atendemos um só Rei. Estamos unidos a uma Cabeça; nos dirigimos a uma Jerusalém; seguimos após um amor, envolvendo uma unidade." - Santo Agostinho (391-430 d.C. - Sermão 280, 6)
"Por vezes, é a intercessão dos santos que alcança o perdão das nossas faltas [1Jo 5,16; Tg 5,14-15] ou ainda a misericórdia e a fé." - São João Cassiano (360-435 d.C. - Conferência 20)
Conclusão
Diz o Catecismo da Igreja Católica: "Pelo fato de que os do Céu estão mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a toda a Igreja na santidade (...) Não deixam de interceder por nós ante o Pai. Apresentam, por meio do único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na Terra (...) Sua solicitude fraterna ajuda muito à nossa debilidade." (CIC 956)
Para a Igreja Católica, portanto, os santos intercedem por nós junto ao Pai, não por seu próprio poder, mas pelos méritos de Cristo, Nosso Senhor, único Mediador entre Deus e os homens para a nossa salvação. Os adeptos do fundamentalismo bíblico, porém, costumam apresentar objeções à este ensinamento. Tais objeções podem ser divididas em cinco categorias. Neste artigo buscaremos analisá-las e respondê-las, uma a uma:
Objeção 1: Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens
Esta é a principal das objeções à doutrina da intercessão dos santos. Fundamenta-se na passagem bíblica de 1 Timóteo 2, 5: "Pois há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens: um homem, Cristo Jesus". Para algumas pessoas, a Sagrada Escritura não deixa dúvidas de que só Jesus pode interceder pelos homens junto a Deus.
E tais pessoas estão certas, neste ponto específico. Não há nenhum santo, nem Pedro nem Paulo e nem a Virgem Maria, que possa interceder por nós junto a Deus, no sentido de salvar as nossas almas. "Só Jesus salva!", costumam bradar nossos irmãos evangélicos mais exaltados, quando falamos nos santos, e nós concordamos com isso, sem nenhuma dúvida! De todos os que pisaram esta terra, somente Jesus é Deus, e somente Ele, sendo Deus, se fez o Cordeiro Imolado para a nossa salvação: o único Sacrifício capaz de nos resgatar do pecado e da morte é Cristo. Esta é a fé e a verdadeira doutrina católica.
Então, em que sentido cremos na intercessão dos santos? Eles podem nos salvar? Bem, neste ponto do texto eu posso abrir parênteses para deixar um testemunho pessoal: há alguns anos, eu andava perdido em minha vida, desorientado e confuso, procurando Deus numa série de falsas doutrinas. Eu acreditava em necromancia, achava que todas as religiões eram iguais e que procurar conhecer a Igreja seria uma perda de tempo...
No entanto, através do testemunho e do exemplo de uma série de bons e fiéis cristãos católicos, acabei conhecendo a verdadeira Igreja Católica. E percebi que a Igreja Católica que eu imaginava era muito diferente da Igreja real, aquela que de fato existe. O que eu ouvia dizer da Igreja, nas falsas religiões que eu frequentava, era uma caricatura, uma imagem totalmente distorcida do que é a Igreja realmente. E frequentando e conhecendo a Igreja, rezando muito, estudando a vida dos santos, o catecismo, conversando com bons padres e participando com muita fé da Santa Missa, fui agraciado com o conhecimento da verdade. Minha vida se tornou cheia de luz e de graça, e hoje eu posso dizer que conheço, a cada dia um pouco mais, o verdadeiro Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, navegando neste mar muitas vezes bravio, porém seguro a bordo do grande Barco da Igreja, conduzido pelo Papa, a quem o Senhor entregou as chaves do Reino. Esta é uma longa história (leia meu testemunho de vida aqui).
Por que estou mencionando essa minha experiência agora? Por que o meu exemplo é perfeito para ilustrar a ideia que estou tentando transmitir: foi através do testemunho e do exemplo de bons católicos que eu encontrei Jesus, e, em Jesus, encontrei a salvação! Eu poderia dizer que esses bons cristãos me salvaram? Sim, embora quem tenha me salvado de fato seja Jesus, aqueles que me conduziram ao Salvador foram, num certo sentido, meus "salvadores"! Imagine que você está perdido num deserto há muitos dias, e já quase morre de sede: um viajante passa por você, conduzindo um jipe ou um camelo, e não lhe presta socorro nem lhe dá de beber, mas indica a direção que você deve seguir para se salvar. Desesperado, você segue a orientação desse viajante, e encontra um oásis, com sombra e água fresca. Você bebe, descansa e recupera suas forças. Assim, consegue completar o caminho indicado pelo viajante até a área povoada mais próxima, e assim salvar a sua vida. Pois bem: quem o salvou? O viajante não lhe deu água nem carona. Mas ele indicou o caminho.
O mesmo ocorre com a intercessão dos santos. Eles mesmos não são o Caminho. O único Caminho para a salvação é Jesus. Mas os santos nos indicam o Caminho, e, diferente do exemplo dado acima, caminham conosco; eles levam nossas intenções a Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Agora veja: se você só crê naquilo em que está escrito na Bíblia, você também precisa crer na intercessão dos santos. Por quê? Porque não podemos tomar uma parte isolada da Bíblia, acreditar somente nessa parte isolada e descartar todas as outras. Se cremos na Bíblia Sagrada, precisamos crer em toda a Bíblia, meditar em tudo o que ela diz. E por acaso não ensina o Apóstolo Paulo, nas Escrituras, que os cristãos devem dirigir orações a Deus em favor de todos? Vejamos o que diz o primeiro versículo do mesmo livro de 1 Timóteo, no mesmo capítulo 2:"Acima de tudo, recomendo que se façam súplicas, pedidos e intercessões, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e honestidade" (1 Tm 2, 1).
Ora, Paulo nos pede abertamente, no versículo 1, que antes de tudo sejamos intercessores junto a Deus, uns pelos outros. E no versículo 5 ele diz que só Jesus é nosso Mediador. Se eu faço uma oração pela sua vida, estou intercedendo por você junto a Deus. Estaria então o Apóstolo se contradizendo?
Também no livro de Tiago, capítulo 5, versículo 16, está escrito o seguinte: "Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos".
E agora? Se eu creio na Bíblia, devo crer que só Jesus intercede por nós, ou que nós também podemos interceder uns pelos outros? A Bíblia ensina uma coisa numa parte e outra coisa diferente, em outra parte? Claro que não. Se a Bíblia falasse contra si mesma, não seria a Palavra de Deus para nós. Na verdade, a solução para esse dilema é muito simples: a questão é que, dentro do contexto bíblico, a natureza da intercessão tratada no versículo 1 de 1 Timóteo é diferente da mediação do versículo 5.
No Antigo Testamento, a mediação entre Deus e os homens se dava através da prática da Lei e dos muitos sacrifícios e ofertas no Templo. No Novo Testamento, isto é, na Nova e Eterna Aliança entre Deus e os seres humanos, é Cristo quem nos reconcilia com Deus através do seu Sacrifício na cruz. É neste sentido que é Ele o nosso único Mediador, pois foi somente através dele que recuperamos para sempre a Amizade com Deus: "Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um sótodos se tornarão justos" (Rom 5, 19).
Portanto, a exclusividade da medição de Cristo refere-se à justificação e à salvação dos seres humanos. Mas a intercessão dos santos é de uma outra natureza: refere-se à graça que Deus nos concede, de intercedermos em oração uns pelos outros. É dessa maneira que os santos intercedem por nós.
Objeção 2: Aqueles que já morreram, mesmo que tenham sido santos, não podem interceder por nós aqui na Terra, porque após a morte não há consciência; ficamos todos como que dormindo, esperando o Dia da Ressurreição
Os defensores desta objeção usam como fundamento as palavras do Eclesiastes: "Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida (...) Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria" (Ecl. 9, 5-10).
Ocorre que a Bíblia é um conjunto de livros, que precisa ser entendido como um todo: se quisermos entender a sua mensagem mais profunda, não podemos tomar algumas das suas partes isoladamente para elaborar uma doutrina diferente daquela que a Igreja ensina. Esta é a razão de Jesus Cristo ter dado autoridade a Pedro e aos Apóstolos para conduzir a sua Igreja, até a sua volta. É por isso, também, que o Senhor jamais nos disse que bastaria ler as Escrituras pata encontrar o Reino de Deus e receber a Salvação.
Se cremos na Bíblia, nós não podemos aceitar a doutrina da "dormição" ou da "inconsciência", que diz que os mortos estão "dormindo" aguardando o Dia do Juízo", simplesmente porque há versículos claros na Sagrada Escritura que dizem o contrário. Podemos ver, por exemplo, Is 14, 9-10; 1Pd 3,19; Mt 17,3; Ap 5,8; Ap 7,10; Ap 6,10 (leia mais sobre o assunto aqui).
A questão é que os versículos do Eclesiastes não fazem referência ao estado mental de todos os mortos, mas sim ao infortúnio espiritual em que se encontram por causa do lugar onde estão. Os mortos ali referidos são aqueles que morreram na inimizade de Deus. Vejamos o que diz o Livro dos Provérbios: "O sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos" (Prov 15,24) .
A região dos mortos ali denominada é um lugar de desgraça, para onde são encaminhados os inimigos de Deus. Por acaso os sábios não vão morrer, como todos os outros? Claro que os sábios também morrem, mas a Bíblia diz que estes não irão para a "morada dos mortos". Fica claro que a expressão "morada dos mortos" ou "região dos mortos" refere-se a um lugar de desgraça, onde os inimigos de Deus estão privados da Graça Divina.
Assim entendemos que o Livro do Eclesiastes, quando afirma que para os mortos "não há mais recompensa, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência nem sabedoria", está se referindo ao infortúnio que existe nesta "região dos mortos" para onde vão aqueles que estão mortos para Deus.
Objeção 3:
Os santos não podem ouvir as orações dos que estão na Terra, porque não são oniscientes e nem onipresentes
Será que um santo pode receber as nossas orações e os nossos pedidos de intercessão, mesmo não tendo onipresença e onisciência própria? Vejamos o livro de Atos 16, 9-10:
"De noite, Paulo teve uma visão: um macedônio, em pé, diante dele, lhe rogava: Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio! Assim que teve essa visão, procuramos partir para a Macedônia, certos de que Deus nos chamava a pregar-lhes o Evangelho."
São Paulo não precisou ser onipresente e nem onisciente para receber a oração do Macedônio, que pedia auxílio. O próprio Apóstolo Paulo ensinou que a Igreja é o Corpo de Cristo. Os que estão unidos a Cristo através da Igreja são membros do Seu Corpo. - Um só Corpo. - Isso quer dizer que tanto nós, aqui na Terra, quanto os que morreram para este mundo, na Amizade do Senhor, todos somos membros da Igreja, do mesmo Corpo Místico, do qual o Senhor é a Cabeça:
"Agora alegro-me nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu Corpo, que é a Igreja" (Cl 1, 24).
Como membros do Corpo de Cristo, enquanto cristãos, estamos ligados uns aos outros: "Embora sejamos muitos, formamos um só Corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro" (Rm 12,5).
Cristo é a Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja: "Ele é a Cabeça do Corpo, a Igreja" (Cl 1,18).
Portanto, está claro que os santos, tanto os da Terra quando os que já estão no Céu, na Presença de Deus, estão ligados, enquanto membros do mesmo Corpo, que é a Igreja. Assim como a minha mão direita não pode se comunicar com a esquerda sem que esse comando tenha sido coordenado por minha cabeça, da mesma forma, no Corpo de Cristo, os membros não podem se comunicar sem que essa comunicação aconteça através da Cabeça, que é o próprio Cristo.
Desta maneira, quando nós pedimos aos santos que intercedam por nós junto a Deus, é como a comunicação de um membro com outro membro no Corpo de Cristo: isso acontece através de Cristo Jesus, que é Deus. Assim como a nossa cabeça pode coordenar movimentos simultâneos entre os vários membros de nosso corpo, Cristo, Cabeça da Igreja, que é onisciente e onipresente, possibilita a comunicação entre os membros do Seu Corpo.
Portanto, o fato de os santos não serem onipotentes e oniscientes não impede que eles conheçam ou recebam os nossos pedidos e possam interceder por nós junto a Deus.
"E da mão do anjo subiu à Presença de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos." (Ap 8,4)
Objeção 4:
Nós não podemos dirigir nossa orações aos santos pois isto caracteriza evocação dos mortos, que é proibida na Bíblia.
Esta objeção baseia-se principalmente nos seguintes versículos: "Não se ache no meio de ti quem pratique a adivinhação, o sortilégio, a magia, a necromancia, aevocação dos mortos: porque todo homem que fizer tais coisas constitui abominação para o Senhor" (Dt 18, 9-14).
"Se uma pessoa recorrer aos espíritos ou adivinhos, e andar atrás deles, voltarei minha Face contra essa pessoa e a exterminarei do meio do meu povo. (...)Qualquer mulher ou homem que evocar espíritos será punido de morte" (Lev 20, 6 - 27).
Grifamos acima os trechos que explicitam que a condenação divina se refere à invocação de mortos. Sem dúvida Deus abomina a evocação dos mortos. No entanto, há uma tremenda diferença entre evocar os mortos e pedir a intercessão dos santos. Evocar os mortos, dentro deste contexto, é pedir ao espírito do defunto que se apresente e se comunique com os vivos, por meio de necromantes (atualmente chamados 'médiuns'), como se aquela pessoa falecida ainda estivesse na terra. Como podemos perceber, trata-se da mesma prática dos espíritas de hoje. O que Allan Kardec chamou de "mediunidade" já era praticado nos tempos do Antigo Testamento, e diretamente condenado por Deus. Ao invés de confiar na Providência Divina, os que praticam a necromancia ou mediunidade preferem confiar nas instruções de espíritos, dos quais não tem como conhecer a origem, quanto ao futuro e às coisas de que necessitam ou desejam (conforme I Samuel 28).
No caso da intercessão dos santos, não estamos pedindo que o santo se apresente para conversar conosco através de algum médium ou "psicografar" uma carta, a fim obter alguma informação. Estamos, isto sim, dirigindo pedidos de oração aos santos do Senhor que já estão no Céu, o que é bem diferente de evocar mortos. Continuamos confiando na Providência Divina, e crendo que somente Deus atende às nossas preces.
Desta forma, as proibições divinas quanto à prática de espiritismo não se aplicam à doutrina da intercessão dos santos.
Objeção 5:
Não há referência bíblica quanto à intercessão dos santos
Esta é uma objeção falsa já em sua afirmação. Há diversos versículos bíblicos mostrando que os santos elevam orações na Presença de Deus. Vejamos:
"Quando abriu o quinto selo, vi debaixo do Altar as almas dos homens imolados por causa da Palavra de Deus, e por causa do testemunho de que eram depositários. E clamavam em alta voz, dizendo: 'Até quando Tu, que és o Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra?' Foi então dada a cada um deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam com eles para ser mortos"(Apocalipse 6, 9-11).
Os santos, no Céu, clamam a Deus por Justiça.
"Os quatro viventes e os vinte e quatro anciões se prostraram diante do Cordeiro. Tinha cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos" (Ap 5,8). "A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus" (Ap 8,4). - Os santos oram para Deus. Por que estariam orando, já que estão salvos e gozando da Presença do Senhor? Oram em nosso favor, para que os que estão na terra também possam um dia estar com eles na Presença do Senhor.
No Livro do Profeta Jeremias lemos: "Disse-me, então, o Senhor: 'Mesmo que Moisés e Samuel se apresentassem diante de mim, meu coração não se voltaria para esse povo'" (Jr 15,1). - No tempo de Jeremias, quando o texto foi escrito, Moisés e Samuel já estavam mortos. No entanto, o Senhor diz que ambos poderiam se colocar diante dEle para pedir pelo povo de Israel. Aí está a intercessão dos santos, literalmente, no texto da Bíblia Sagrada.
O testemunho dos primeiros cristãos
Vejamos agora o que professavam os cristãos da Igreja primitiva, nos primeiros séculos, quando não havia divisão na Cristandade e a Igreja de Jesus era uma só:
"O Pontífice [o Papa] não é o único a se unir aos orantes. Os anjos e as almas dos juntos também se unem a eles na oração." - Orígenes (185-254 d.C. - Da Oração)
"Se um de nós partir primeiro deste mundo, não cessem as nossas orações pelos irmãos." - Cipriano de Cartago (200-258 d.C. - Epístola 57)
"Aos que fizeram tudo o que tiveram ao seu alcance para permanecer fiéis, não lhes faltará, nem a guarda dos anjos nem a proteção dos santos". - Santo Hilário de Poitiers (310-367 d.C)
"Comemoramos os que adormeceram no Senhor antes de nós: patriarcas, profetas, Apóstolos e mártires, para que Deus, por suas intercessões e orações, se digne receber as nossas." - São Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C. - Catequeses Mistagógicas).
"Em seguida (na Oração Eucarística), mencionamos os que já partiram: primeiro os patricarcas, profetas, apóstolos e mártires, para que Deus, em virtude de suas preces e intercessões, receba nossa oração." - São Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C. - Catequeses Mistagógicas)
"Se os Apóstolos e mártires, enquanto estavam em sua carne mortal, e ainda necessitados de cuidar de si, ainda podiam orar pelos outros, muito mais agora que já receberam a Coroa de suas vitórias e triunfos. Moisés, um só homem, alcançou de Deus o perdão para 600 mil homens armados; e Estevão, para seus perseguidores. Serão menos poderosos agora que reinam com Cristo? São Paulo diz que com suas orações salvara a vida de 276 homens, que seguiam com ele no navio [naufrágio na ilha de Malta]. E depois de sua morte, cessará sua boca e não pronunciará uma só palavra em favor daqueles que no mundo, por seu intermédio, creram no Evangelho?" - São Jerônimo (340-420 d.C. - Adv. Vigil. 6)
"Portanto, como bem sabem os fiéis, a disciplina eclesiástica prescreve que, quando se mencionam os mártires nesse lugar durante a celebração eucarística, não se reza por eles, mas pelos outros defuntos que também aí se comemoram. Não é conveniente orar por um mátir, pois somos nós que devemos encomendar suas orações." - Santo Agostinho (391-430 d.C. - Sermão 159, 1)
"Não deixemos parecer para nós pouca coisa; que sejamos membros do mesmo corpo que elas (Santa Perpétua e Santa Felicidade) (...) Nós nos maravilhamos com elas, elas sentem compaixão de nós. Nós nos alegramos por elas, elas oram por nós (...) Contudo, nós todos servimos um só Senhor, seguimos um só Mestre, atendemos um só Rei. Estamos unidos a uma Cabeça; nos dirigimos a uma Jerusalém; seguimos após um amor, envolvendo uma unidade." - Santo Agostinho (391-430 d.C. - Sermão 280, 6)
"Por vezes, é a intercessão dos santos que alcança o perdão das nossas faltas [1Jo 5,16; Tg 5,14-15] ou ainda a misericórdia e a fé." - São João Cassiano (360-435 d.C. - Conferência 20)
Conclusão
Como pudemos ver, a doutrina da intercessão dos santos não é invenção do catolicismo, como pensam alguns, mas sim, uma legítima doutrina cristã, embasada tanto nas Sagradas Escrituras quanto na Tradição Apostólica. Os primeiros cristãos jamais tiverem dúvidas quanto a ela (este tema jamais foi centro de disputas conciliares). Esta doutrina só confirma o Amor de Deus para conosco e o Seu plano de que sejamos uns para outros instrumentos deste Amor.
* Este artigo é baseado num texto de Alessandro Lima, do website Veritatis Splendor