Para dar continuidade ao nosso estudo da história da Igreja, vamos analisar um testemunho histórico fundamental: a história da conversão de São Paulo Apóstolo. Essa história nós já apreciamos na quarta parte desta nossa série (veja aqui).
Saulo de Tarso, isto é, Paulo, foi educado na cultura helenística, e como era filho de pais judeus devotos, foi levado a Jerusalém para estudar na escola de Gamaliel. Esse homem culto e devoto percebeu que havia um fenômeno importante e estranhíssimo ocorrendo no judaísmo de sua época: este fenômeno não era um movimento nem uma doutrina. Era uma pessoa. Alguém a quem chamavam Jesus de Nazaré.
As transformações em curso não estavam somente no que este homem dizia ou mesmo no que Ele fazia, nem sequer na beleza do que Ele pregava, pois haviam muitos candidatos a Messias com belas palavras e propondo doutrinas revolucionárias nessa época. O fenômeno estava na Pessoa, no Homem em si.
Uma questão de simples coerência
De forma geral, qualquer pessoa que fala em Jesus o faz com respeito. Mesmo os não cristãos, e até aqueles que não têm fé alguma, em sua grande maioria, ao se referirem ao personagem Jesus o retratam pelo menos como um grande sábio, como um iluminado, um dos maiores pensadores da História. Acontece, porém, que se formos analisar a questão um pouco mais a fundo, somente aqueles que têm fé em Jesus como o Cristo, isto é, como o Filho de Deus e Salvador do mundo, é que podem considera-lo um sábio. Ora, para os que não têm essa fé, não há como considerar Jesus um “sábio”. Por quê? Porque Jesus, em todo seu discurso, apresentou-se e proclamou-se como Filho de Deus. Este é o ponto central de toda a sua mensagem, desde o começo até o final.
Sim. Aquilo que encontramos nos Evangelhos é algo de escandaloso. Ao observarmos o Sermão da Montanha, que é também apreciado enquanto obra literária até por aqueles que não têm fé, Jesus insistentemente diz: “Ouvistes o que foi dito (por Deus a Moisés); eu, porém, vos digo...” (Mt 5,21-22). Jesus afirma, simplesmente, que o que Ele diz tem a mesma autoridade do que aquilo que Deus disse a Moisés no Antigo Testamento! Ele está reformulando a Lei, está acrescentando “vírgulas”, esclarecendo a Palavra de Deus com autoridade divina. Jesus diz de si mesmo, literalmente: “Eu sou a Verdade”. Não diz apenas que diz a Verdade, que sua doutrina é verdadeira, que aponta para a Verdade. Ele diz, categoricamente: “Eu sou a Verdade!”.
Sendo assim, você precisa escolher, de duas, uma: ou você crê no que Jesus diz, que Ele é Deus, aceitando-o como Deus que se fez homem, ou então você precisa, - necessariamente, considerá-lo como uma louco varrido, alguém que não merece o menor respeito. Não há outra alternativa.
E aqui precisamos entrar numa questão bem específica. Ocorre que alguns chegam a dizer que Jesus nunca se declarou Deus. – uma afirmação completamente absurda, desprovida de qualquer sentido, que só pode partir de quem nunca leu os Evangelhos. - Por essa razão, apresentamos abaixo um breve estudo sobre a divindade de Jesus, segundo as Escrituras.
Jesus declarou-se Deus?
É possível crer nas Sagradas Escrituras e nos Evangelhos e não crer na divindade de Jesus, como fazem, por exemplo, os espíritas? Vejamos...
• O Evangelho segundo S. João já se inicia com a afirmação, - logo nos seus primeiros versículos, - de que Jesus é o Verbo de Deus, e que “o Verbo é Deus que se fez carne” (Jo 1, 1-5) . Encontramos ali a afirmação direta e textual que Jesus é Deus feito carne.
• Jesus diz de si mesmo: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30), - e a reação dos judeus foi, imediatamente, a de apedrejá-lo: “’Não te apedrejamos por alguma boa obra, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (Jo 10,33).
• Ainda no Evangelho segundo S. João (8,58), vemos: “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade, vos digo: antes que Abraão existisse, Eu Sou”. - O “Eu Sou” (אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה - Ehyeh-Asher-Ehyeh, contraído no Português ‘Eu Sou’) é um dos Nomes atribuídos a Deus pelos judeus, que mais uma vez tomaram pedras para apedrejar Jesus (Jo 8,59), por se declarar Deus.
• Jesus usou vinte e três vezes a expressão “EU SOU” nos Evangelhos.
• Dentro deste contexto, provavelmente não exista declaração mais importante do que aquela que Jesus fez aos judeus, no Evangelho segundo S. João 8,24: “Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados; porque se não crerdes que Eu Sou, morrereis em vossos pecados”.
• O Livro de Atos diz: “Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que Ele resgatou com seu próprio Sangue.” – A Escritura mais uma vez afirma, sem nenhum rodeia, que foi Deus Quem comprou a igreja com Seu próprio Sangue, isto é, Jesus, que é Deus.
• S. Tomé, o discípulo, declara a Jesus ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28), e Jesus não o corrige, ao contrário, o estimula a perseverar na fé.
• O Apóstolo S. Paulo, em sua carta a Tito, encoraja: “Na expectativa da nossa esperança feliz, a aparição gloriosa de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo“ (2,13).
• A segunda carta de São Pedro começa assim: “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, àqueles que, pela justiça do nosso Deus e do Salvador Jesus Cristo, alcançaram por partilha uma fé tão preciosa como a nossa...”.
• A carta aos Hebreus afirma que o próprio Deus Pai declara ao Filho, Jesus Cristo: “Ó Deus, o teu Trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de equidade é o cetro do teu Reino!” (1,8).
• Jesus declarou ainda: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna” (Jo 6,47), e diversas outras afirmações semelhantes (Jo 6,35; 11,25 e outros). Nenhum profeta declarou tais consequências para quem não acreditasse nEle, diretamente. Ao contrário, todo profeta na Bíblia fala em Nome de Deus, e não em seu próprio nome, como fez o Cristo.
• "Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a Luz da vida!” (Jo 8,12) / “Eu sou a Porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens!” (Jo 10,9) - Mais uma vez, em toda a Bíblia, somente Jesus pode dizer coisas como essas desta maneira, na primeira pessoa.
• “Disse-lhe Jesus: Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”. (Jo 11,25). – Observe-se que Ele não diz: “Sou aquele que conduz à ressurreição e à vida” ou “vou ensinar como alcançar a ressurreição e a vida”. Jesus afirma categoricamente que ÉEle próprio a Ressurreição e a Vida.
• Jesus diz de si mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida!” (Jo 14,6) – Mais uma vez, ele não diz que aponta o Caminho ou leva ao Caminho, nem que conduz à Verdade e à Vida. Afirma que É Ele mesmo o Caminho, a Verdade e a vida.
Demonstrado está que não se pode, ao mesmo tempo, crer nas Sagradas Escrituras e não crer na divindade de Jesus. Se eu não creio que Jesus é Deus, nego a Escritura. Simples assim.
Assim, retomando a nossa linha de raciocínio inicial, somos forçados a compreender e aceitar que um sujeito que se declara Deus ou diz a verdade, e é Deus de fato. ou mente e é um completo maluco, que só merece a nossa piedade. Se esse homem diz a verdade, então sim, é um sábio e muito mais do que isso, - pois só Deus é de fato plenamente Sábio. É por isso que não é legítimo admirar Jesus apenas como um sábio, um grande homem, um pensador importante.
É preciso compreender, então, que a figura de Jesus de Nazaré é completamente polêmica. Com Ele, não há meios termos, não há como acreditar numa parte do que Ele diz e descartar outras partes. E também não há como não crer nEle e mesmo assim considera-lo um grande homem, sábio, filósofo ou o que quer que seja. Se não admito que Ele era Deus, então só posso vê-lo como louco.
Saulo de Tarso sofreu com essa polêmica. Foi movido por ela. Achava que inadmissível que aquele sujeito estranho, de estranhas palavras, que foi humilhado pelos homens e morreu crucificado, de modo ultrajante, fosse Deus! E precisamos reconhecer que Paulo não estava sendo imprudente, ao contrário: ele estava sendo até bastante coerente e sensato!
Assim, como judeu zeloso, bem formado, respeitado e influente, ele resolveu tentar tudo o que podia para conter o que ele via, - baseado na mais elementar lógica humana, - como uma terrível e absurda heresia.
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Fontes e referência:LENZENWEGER, Josef et. al. História da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006.
"Continuidade Histórica da Encarnação de Cristo". Aula do curso de História da Igreja do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr., disponível em
[http://padrepauloricardo.org/aulas/igreja-continuidade-historica-da-encarnacao-de-cristo]
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