(2ª Parte, Seção 2, Tópico 24)
“A Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino em forma de Catecismo” do Pe. Tomas Pégues, O. P., é uma excelente obra para aqueles que desejam iniciar o estudo da Obra Magna de Santo Tomás. Um tanto raro aqui no Brasil, haja vista que sua última edição em português data do início da década de 40, este livro é formulado como todos os catecismos tradicionais em perguntas e respostas e é de agradável leitura.
SEGUNDA PARTE: O HOMEM PROCEDE DE DEUS E PARA DEUS DEVE VOLTAR
SEGUNDA SEÇÃO: ESTUDO CONCRETO DOS MEIOS QUE O HOMEM DEVE EMPREGAR PARA VOLTAR PARA DEUS
XXIV. PECADOS DE PALAVRA NOS ATOS ORDINÁRIOS DA VIDA: INJÚRIA, DIFAMAÇÃO (MALEDICÊNCIA E CALÚNIA), MURMURAÇÃO, IRRISÃO E MALDIÇÃO
Quais são as injustiças de palavra que na vida se cometem contra o próximo?
São as de injúria, difamação, murmuração, irrisão e maldição (LXXII - LXXVI).
Que entendeis por injúria?
Entendem-se por injúria, insulto, ultraje, e às vezes por menosprezo, censura e repreensão, as palavras que se usam para qualificar excessos ou injustiças, o fato de afrontar a alguém por palavra ou obra, agravando-o tanto na honra, como no respeito e consideração que se lhe merece (LXXII, 1).
A injúria é pecado mortal?
Quando as palavras ou fatos constituem por sua natureza ultraje grave, e existe intenção formal de ofender, sim; porém, será venial, apesar do exposto, quando a honra do ofendido não fica seriamente comprometida, ou falta no agressor intenção de injuriar (LXXII, 2).
Têm todos os homens obrigação estrita de justiça de tratar os outros, quaisquer que sejam, com a devida consideração e respeito?
Sim; visto que este respeito mútuo é de grande importância para a boa harmonia nas relações sociais (LXXII, 1-3).
Em que se funda e qual é a importância desta obrigação?
Funda-se em ser a honra um dos bens que os homens têm em maior estima, e, por consequência, há obrigação de tratar com as devidas considerações até os mais humildes e pequenos, sempre em harmonia com a sua condição; afrontá-los, deprimi-los, humilhá-los com olhares, gestos e palavras é mortificá-los naquilo que mais amam (Ibid.).
Logo, estamos obrigados a evitar em presença de outros, qualquer palavra ou fato que possa mortificá-los, humilhá-los ou entristecê-los?
Sim (Ibid.).
A ninguém é permitido afastar-se desta regra?
A ninguém, exceto os superiores com o fim exclusivo de corrigir os seus súditos, quando realmente o mereçam, ainda que, neste caso, jamais devem fazê-lo alucinados pela paixão, nem com formas e modos arrebatados ou indiscretos (LXXII, 2 ad 2).
Como devemos portar-nos com os que nos injuriam e ofendem?
A caridade e a mesma justiça podem exigir que não deixemos impunes os atentados diretos ou indiretos contra a nossa honra ou de outras pessoas que nos estão confiadas. Porém, ao reprimir a audácia do ofensor, devemos guardar a circunspecção precisa e sobretudo o modo de não devolver novo agravo ou injustiça (LXXII, 3).
Que entendeis por difamação?
No sentido estrito, consiste em atentar por meio de palavras contra a reputação e bom nome do nosso próximo, ou em fazer-lhe perder, total ou parcialmente, e sem razão nem motivo justificado, a estima e consideração dos outros (LXXIII, 1).
É a difamação um pecado muito grave?
Sim; porque arrebata ao próximo bens mais estimáveis que a riqueza, objeto do pecado do roubo (LXXIII, 2, 3).
Quantas classes há de difamação?
Quatro diretas: imputar ao próximo culpa ou delito que não cometeu; exagerar os seus defeitos, divulgar segredos que lhes sejam desfavoráveis, e atribuir-lhe intenções e propósitos torcidos, ou, ao menos, suspeitos, nas suas melhores ações (LXXIII, 1. ad 3).
Existe alguma outra maneira de difamar o próximo?
Há outra, indireta, que consiste em negar-lhe as suas boas qualidades ou silenciá-las com malícia ou diminuí-las dissimuladamente (Ibid.).
Que entendeis por murmurar, ou semear cizânia?
O pecado do que diretamente se propõe, por meio de frases ambíguas e pérfidas insinuações, introduzir a discórdia entre os que se acham unidos com laços de amizade e mútua confiança (LXXIV, 1).
É pecado muito grave?
É o mais grave, odioso e digno de reprovação perante Deus e os homens, de quantos de palavra se cometem contra o próximo (LXXXIV, 2).
Que entendeis por irrisão?
A irrisão, zombaria ou chacota injuriosa é um pecado de palavra contra a justiça, e consiste em ridicularizar o próximo em sua presença, encontrando nele defeitos e torpezas que lhe façam perder o domínio de si mesmo, nas relações com os outros (LXXV, 1).
É um pecado grave?
Sim; porque envolve desprezo da pessoa, e o desestimar e ter em pouco a outrem, é ato detestável e digno de reprovação (LXXV, 2).
Confunde-se a ironia com o pecado de irrisão, e tem a mesma gravidade?
Pode a ironia ser falta venial, quando, com ela, a modo de diversão, se criticam defeitos leves, sem desdenhar, nem ofender as pessoas. Pode acontecer que não seja falta quando não passa de travessura e passatempo inocente e nem haja perigo de mortificar, nem contrariar a quem dela é alvo. De qualquer modo, é um sistema de diversão muito delicado e melindroso e convém usá-lo com extrema prudência (LXXV, 1 ad 1).
Pode ser a ironia, em alguma ocasião, ato de virtude?
Manejada com habilidade e delicadeza, é um meio de que pode utilizar-se o superior para admoestar e repreender os súditos, e também pode empregar-se entre iguais, a modo de caritativa correção fraterna.
Que precauções devem tomar-se nestes casos?
Antes de tudo, deve usar-se com grande tacto e discrição, porque, se bem que às vezes pode ser útil abater, até limites justos, a vã opinião que de si mesmo têm os propensos à jactância, é preciso também não destruir a segurança e confiança legítima que cada um deve ter em si mesmo, sem a qual se paralisa toda iniciativa e espontaneidade, convertendo a vítima da ironia em um ser tímido e irresoluto, degradado e envilecido aos seus próprios olhos.
Que relações têm a injúria, a difamação, a murmuração e a irrisão com o hábito vicioso de mal dizer?
Tem de comum estes vícios o serem pecados de palavra contra o próximo e diferenciam-se em que, os quatro primeiros consistem em proposição ou enunciados com que se imputam males ou se negam bens, e a maldição em invocar o mal para que caia sobre os nossos semelhantes.
É a maldição ou praga ato essencialmente mau?
Sim; porque é desejar o mal por mal; por consequência, é sempre, e por sua natureza, falta grave (LXXVI, 3).