" Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus [Mat. 5,9]. A perfeição reside na paz, em que não há resistência nenhuma. Por isto são pacíficos os filhos de Deus, porque em Deus nada resiste, e os filhos devem ser semelhantes ao pai. São pacíficos com sigo mesmos os que, ordenando todos os movimentos da alma e submetendo-os à razão, isto é, à mente e ao espírito, e tendo domadas as concupiscências da carne, se transformam em reino de Deus, onde tudo está ordenado de modo que o que é o principal e excelente no homem seja o que domine, sem oposição de tudo quanto temos em comum com os animais, e onde isto mesmo que prevalece no homem, a saber, a mente e a razão, está por seu turno submetido ao que lhe é superior, que é a própria verdade, o Filho unigênito de Deus.
Pois não pode mandar nos inferiores aquele que não se submete ao superior. E é esta a paz que se dá na terra aos homens de boa vontade [Luc. 2,14]; esta, a vida do sábio perfeito e consumado. De tão ordenado e pacífico reino foi lançado fora o príncipe deste século, que domina os perversos e desordenados. Composta interiormente e afirmada aquela paz, por mais perseguições que trame de fora o que fora foi lançado, não fará senão aumentar a glória que é conforme a Deus, sem derrubar nada daquele edifício nem conseguir, ao malograr nas suas maquinações, nada mais que patentear a grandíssima firmeza que há lá dentro. Donde se segue que são bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus [Mat. 5,10]."
Trecho do livro "Sobre o Sermão do Senhor na Montanha" - Santo Agostinho.