Parte, Seção 2, Tópico 8)
“A Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino em forma de Catecismo” do Pe. Tomas Pégues, O. P., é uma excelente obra para aqueles que desejam iniciar o estudo da Obra Magna de Santo Tomás. Um tanto raro aqui no Brasil, haja vista que sua última edição em português data do início da década de 40, este livro é formulado como todos os catecismos tradicionais em perguntas e respostas e é de agradável leitura.
SEGUNDA PARTE: O HOMEM PROCEDE DE DEUS E PARA DEUS DEVE VOLTAR
SEGUNDA SEÇÃO: ESTUDO CONCRETO DOS MEIOS QUE O HOMEM DEVE EMPREGAR PARA VOLTAR PARA DEUS
VIII. DA NATUREZA DA CARIDADE – ATO PRINCIPAL DA CARIDADE E SUA FÓRMULA
Que coisa é a caridade?
Uma virtude que nos proporciona comunicação e amizade íntima com Deus, fundada na participação do mesmo Deus como o objeto que é da sua bem-aventurança e da nossa (XXIII, 1).
O que pressupõe a amizade íntima com Deus?
Primeiramente, requer em nós uma participação da natureza de Deus, capaz de divinizar a nossa, de elevar-nos acima de tudo o que é criado, seja homem ou anjo, até equipara-nos em nobreza com Deus, de fazer-nos seus filhos, verdadeiros deuses; em segundo lugar, requer faculdades operativas proporcionadas à dignidade de deuses e filhos de Deus, para conhecê-Lo como Ele se conhece, amá-Lo como Ele se ama, e, como Ele, desfrutar da sua própria bem-aventurança (XXIII, 2).
Estes dois grupos de bens necessariamente acompanham a caridade?
Sim, já que a caridade não é mais que seu complemento.
Portanto, aquele que possui a caridade tem necessariamente a graça santificante, virtudes, e dons?
Sim (XXIII, 7).
É caridade a rainha das virtudes?
Sim (XXIII, 6).
Por quê?
Porque, só sob seu império, executam as virtudes atos meritórios de vida eterna (ibid.).
De que maneira a caridade nos une com Deus?
Por meio do amor (XXVII).
Em que consiste o ato de amor, mediante o qual a Caridade nos une com Deus?
Consiste em amá-Lo por ser quem é, Bem Infinito, e em quer unir-se a Ele para participar de sua eterna felicidade (XXV, XXVII).
Em que se diferenciam estes dois amores?
Em que o primeiro é um amor de complacência em Deus por ser o que é em si mesmo,
E o segundo se compraz em que o acúmulo de perfeições divinas esteja destinado a fazer o homem feliz.
Estes dois amores podem separar-se na virtude da caridade?
Não.
Por quê?
Porque, se Deus não fosse o objeto de nossa bem-aventurança, não haveria motivo suficiente para amá-Lo, e se não estivessem Nele a fonte e primeira origem de toda felicidade com que nos brinda, não O amaríamos como O amamos (XXV, 4).
Cada um destes amores é um ato de amor puro e perfeito?
Sim.
Cada um é ato de caridade?
Sim.
Existe alguma subordinação entre eles, e, em caso afirmativo, qual obtém a preferência?
Eles mantêm subordinação entre si, e ocupa o primeiro lugar o ato de complacência em Deus, por ser Bem Infinito.
Por que ocupa o primeiro lugar?
Porque Deus é maior e mais excelso em si mesmo, do que enquanto se comunica à alma no céu. Isso não quer dizer que Deus, objeto de felicidade, seja distinto de Deus em si mesmo, mas que as suas perfeições estão Nele de modo infinito e à alma se comunicam de modo finito e limitado.
Este amor estende-se a algum outro ser, fora de Deus?
Sim; a todos os que O gozam, ou estão em um estado de desfrutá-Lo algum dia (XXV,
6-10).
Quem são os que já desfrutam de Deus?
Os anjos e os justos que estão no céu.
Quem são os que se acham em estado de possui-Lo?
As almas do Purgatório e quantos homens vivem na terra.
Então, nós devemos amar a todos os homens com o amor de caridade?
Sim.
Estamos obrigados a guardar alguma ordem e preferência no amor de caridade que devemos a Deus, ao próximo e a nós mesmos?
Sim. Depois de Deus, primeiramente devemos amar-nos a nós mesmos; depois aos outros e entre eles, com preferência aos que estão mais próximos de Deus na ordem sobrenatural, e aos que estão mais ligados a nós, seja por laços de sangue ou de amizade, comunidade de vida, etc. (XXVI).
Qual é o sentido das palavras "depois de Deus, primeira e principalmente devemos amar-nos a nós mesmos"?
Isso significa que, depois de Deus, a quem amamos como fonte do bem para onde se encaminha a caridade, devemos querer possui-lo, com preferência a todos os homens.
Logo, em virtude da caridade, somente devemos querer a posse de Deus, o mesmo para nós que para os nossos próximos?
Podemos e devemos querer também tudo o que se ordene para consegui-la.
Há alguma coisa expressamente destinada para alcançá-la?
Sim, os atos das virtudes sobrenaturais (XXV, 2).
Logo, depois da posse de Deus, e como meio para obtê-la, devemos querer a prática das virtudes sobrenaturais?
Sim.
Podemos, em virtude da caridade, querer bens temporais para nós e para o nosso próximo?
Nós podemos, e, em determinadas ocasiões, devemos querê-los.
Quando devemos querê-los?
Quando sejam indispensáveis para viver e praticar a virtude.
Quando podemos?
Quando, sem serem indispensáveis, são úteis e convenientes.
Se fossem um obstáculo para o exercício das virtudes, poderíamos deseja-los sem faltar à caridade?
Não.
Poderíeis ensinar-me uma fórmula breve e exata para exercitar-me na virtude da caridade?
Eis aqui uma: “Deus e Senhor meu; amo-vos sobre todas as coisas; não quero outra recompensa mais do que a Vós mesmo, e amo-a, primeiramente, porque vós com ela sois ditoso, e depois por ser a bem-aventurança de todos os que vos possuem e dos chamados a possuir-vos algum dia”.