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A montanha de cristal



Meus amigos e amigas, eu ia editar esta estória para não ficar tão longa, mas a sua beleza é tal que resolvi publica-la por inteiro, pedindo desculpas e paciencia para a leitura.

De todos os lugares banhados pela luz do dia, nunca houvera algum que fosse mais belo que aquelas montanhas. O sol, batendo em suas bases, fazia brilhar o negror dos rochedos que se elevam, abruptos e altaneiros do meio dos campos, até que, no alto, bem lá no alto, a dureza e o negror das pedras era substituída pela maciez e pela alvura da neve. Lá em cima a luz parecia ainda mais pura, dando à montanha tons de ouro ao entardecer.

E havia algo ainda mais belo: no meio das montanhas mais altas, e mais alto que todas elas, erguia-se um píncaro tão agudo e tão magnífico que dir-se-ia que as neves eternas eram boas apenas para sua base. Era uma montanha legendária e inacessível, toda ela feita de um único e imenso bloco do mais puro cristal. Seria preciso vê-la para se acreditar em semelhante maravilha. Aliás, sua beleza era tão estonteante que, se algum homem chegasse a vê-la, não acreditaria em seus olhos, e ao descer daquelas alturas não contaria nada a ninguém, com receio de ser tomado por um visionário. Mas a verdade é que esse homem, que certamente seria tido por um insensato, ainda teria visto muito pouco. Por que essas belezas não eram nada se fossem comparadas com as que a montanha possuía em seu interior. Com efeito, num ponto altíssimo, o imenso bloco de cristal possuía uma abertura. E quem, por essa abertura, penetrasse, logo se encontraria dentro de uma gruta, comparada com a qual todas as catedrais do mundo pareceriam, ao mesmo tempo, minúsculas e sombrias. Que edifício construído por mãos humanas poderia ter sequer um décimo do tamanho daquela gruta? E que vitral, que conjunto de luzes, que pedras preciosas poderiam se comparar com a girândola de cores que o sol filtrava por aquelas paredes? Não, homem algum conseguiria descrever aquilo. Homem algum seria capaz de subir até aquele lugar. Lá apenas chegavam as águias. Porque haviam as águias. Águias. enormes e majestosas, de plumas brancas e cabeça dourada, os únicos habitantes daquele local. Tão altaneiras, tão elevadas, que nunca baixavam de lá, nem mesmo para buscar alimento: a luz, a magnífica luz do interior da caverna as alimentava. A luz dourava suas penas, a luz dava-lhes força. Elas viviam da luz e somente dela e que tinham avidez.

A base da caverna de cristal era o imenso rochedo da montanha. Dentro desse rochedo havia uma outra caverna, cuja porta ou não existia ou estava eternamente sepultada pela neve. Lá dentro, tudo era asqueroso, úmido e escuro, não de uma escuridão qualquer, mas de negror absoluto. Era horrível. E para aumentar o horror, as paredes da caverna eram todas cobertas por um muco, por uma gosma infecta e malcheirosa. Dir-se-ia que nada poderia viver em semelhante ambiente. Nenhum animal suportaria semelhante horror. A não ser as aranhas. Essas sim havia aranhas, e aos milhões. Aranhas enormes, negras, asquerosas, que formavam um tapete movediço sobre as paredes, o chão e o teto da caverna. Que se alimentavam do muco nojento; que gostavam do mau cheiro, que só se sentiam bem na escuridão, que não conheciam, nem queriam conhecer outra coisa. E esses dois mundos, essas duas cavernas eram separadas apenas por uma laje de rochedos, e viviam sem que tivessem conhecimento um do outro.

O DESASTRE...

Um dia, não se sabe porque motivo, essa laje se rachou. Talvez um ligeiro tremor de terra, talvez a deslocação acidental de alguma rocha, tenha sido a causa. O fato é que, na base da caverna de cristal, e no teto da caverna das aranhas, surgiu uma pequena rachadura imperceptível. As águias habituadas a viver nas alturas nem notaram tal fissura. Mas não sucedeu o mesmo com as aranhas. Com a rachadura, entrou na caverna fímbria, um raio de luz, essa luz que elas odiavam acima de tudo, que acima de tudo as fazia fugir. Apavoradas, enfurecidas, elas se amontoaram no canto mais escuro de sua caverna, até que aquele fio de luz foi enfraquecendo, foi se diluindo, foi se esmaecendo, aos poucos, até finalmente se extinguir. A noite havia chegado. Na gruta de cristal, as águias dormiam.

Aos milhões, as aranhas saíram da rachadura, e penetraram no interior da gruta. Movidas pelo ódio, elas arrastaram uma enorme pedra, bloqueando a entrada da gruta. Depois, subiram em todas as paredes, e as cobriram com suas teias e com sua baba asquerosa e negra. Elas podiam simplesmente ter fechado a rachadura, porém seu ódio não era apenas da luz, mas também de todos os seres que gostavam da luz.

Elas odiavam tudo o que é belo, e o Ódio dava-lhes força no trabalho. Durante toda a noite espalhavam o negrume, a sujeira, o horror. Lá fora, chegou o alvorecer. O sol foi verdejando os campos e branquejando a neve. Tudo brilhava, tudo sorria. Mas no interior da gruta de cristal, os raios do sol não conseguiam mais entrar. O interior da gruta de cristal foi tomada pela escuridão. As águias despertaram. Onde estava o sol? 

Onde estava a luz que lhes dava vida e douravam suas penas? Elas não sabiam. Aos poucos compreenderam que a porta da gruta estava fechada, mas não se sentiram com forças, nem com ânimo, para desobstruir. Sem luz, elas mal conseguiam se arrastar pelo chão. Quando chegou o meio-dia, e lá fora o sol dardejava seus raios em todo o seu esplendor, dentro da gruta era uma densa penumbra. Na hora de maior luz, tudo era pardo e confuso. As águias, cabeça baixa e asas arrastando pelo solo, andavam em círculos desanimadas, percebendo que aquela obscuridade tinha apenas o suficiente de luz para permitir que elas sobrevivessem ou vegetassem.

Se elas pudessem enxergar algo, notariam com horror que suas penas, suas lindas penas brancas e douradas, começavam a escurecer. Exteriormente a montanha de cristal continuava a mesma, e, sua glória diante do sol, permanecia inalterada. Mas, que enorme diferença em seu interior! Passou-se o tempo. As aranhas, completamente senhoras da situação, andavam por toda a gruta, espalhando sempre sua baba asquerosa e nauseante. As águias, as altaneiras águias de plumas brancas e cabeça dourada, eram agora uns animais sujos, de penas negras e opacas, que mal tinham forças para se arrastar. Viviam no chão coberto de imundícies, que a fome às vezes as obrigava a comer. Haviam se acostumado com o mau cheiro das aranhas, e o que é pior, haviam se esquecido de como eram antes. Se alguém lhes viesse falar da luz e da beleza de voar, elas não ouviriam. Diriam que tudo isso era sonho, e que a vida consistia naquilo, em ter as penas negras, em se arrastar na lama e em viver na imundície. Aquilo sim era a realidade, e nada mais existia. As águias haviam se esquecido do que eram e do que deveriam ser. As águias viviam como morcegos, esperando apenas a morte, sem se lembrarem da luz. Foi então, quando parecia tudo perdido, foi então que na gruta de cristal surgiu o vaga-lume.

A RESSUREIÇÃO...

Na verdade, ela não surgiu, mas apenas se transformou. Sempre houvera, no tempo da luz, na gruta de cristal um pequeno inseto dourado que fazia música com suas asas, e que, ziguezagueando incansavelmente, enchia a gruta de harmonia. Também ele vivia da luz, e sua música era como que a luz do sol condensada em som. Se algum homem o ouvisse poderia perceber, em suas notas, ora alegria do alvorecer, ora o feérico do meio-dia, ora a solenidade do pôr-do-sol. O pequeno inseto era, na gruta de cristal, o complemento harmônico e sonoro da luz. Quando aconteceu a grande tragédia, também o pequeno inseto foi afetado. Também ele enfraqueceu, e foi aos poucos perdendo a sua cor. Também ele acabou caindo de fraqueza a um canto daquela gruta, antes tão bonita, e agora tão hedionda. Mas, ao contrário das águias, o pequeno inseto não se esqueceu. As vezes, no meio da escuridão, ele sentia forças para bater um pouco as asas, e então, muito baixinho, soavam algumas notas que falavam de cores, de auroras, de belezas, de luz. E o pequeno inseto pensava: "a vida não pode ser só essa escuridão! É impossível que aquela beleza tenha desaparecido! Não há razão para se viver se a luz não existe mais".

E então ele reunia toda a sua força e se punha a.andar, se punha a investigar as paredes da gruta, recordando-se que delas é que vinha a luz. Até que um dia ... Um dia, depois de muito investigar, o pequeno inseto descobriu, embaixo da enorme pedra que tapava a entrada da gruta, um orifício, uma senda minúscula, que as aranhas haviam esquecido de tampar. Metendo-se por ela, arrastando-se esfolando as asas, o pequeno inseto avançou, cavando removendo e empurrando, até num último e supremo esforço, conseguiu atravessar para o outro lado da montanha de cristal. Lá fora era meio-dia, e o sol brilhava em todo o seu esplendor.

O pequeno inseto quase enlouqueceu de alegria. Era verdade! Ele estava certo! o sol existia, e continuava a brilhar! Comovido, ele viu suas asas e seu corpo novamente se dourando, e sentiu que todas as músicas e todas as harmonias estavam de novo dentro dele. Levantou vôo, girou, cantou e depois tomou uma resolução. Reuniu toda a luz que conseguia, acumulando todas as forças do sol, o pequeno inseto voltou para o buraco, e penetrou na gruta escura, ziguezagueando, como um raio de luz, de cor e de som.


As águias, negras e cabisbaixas, ergueram um pouco a cabeça. O que era aquilo? Aquela luz, aquele som, era algo que lhes trazia recordações, que lhes penetrava no intimo do ser... Então havia algo que não era escuridão e mau cheiro? Então o mundo não era somente o horror e o negrume?
E o inseto. voando a toda velocidade e para todos os lados, brilhava com todas as luzes, e tocava 
todos os sons. E as águias foram se recordando ... Até que uma delas achou em algum lugar um ânimo para dar um vôo desajeitado, mas que a levou até a parede de cristal, onde suas asas removeram um pouco da sujeira e do lodo que as cobria. Claro, brilhante, sublime, eterno, um raio de sol entrou novamente na gruta, iluminando tudo com seu esplendor. As aranhas corriam espavoridas para todos os lados. As águias, reanimando-se, levantaram vôo e em instantes arrasaram a camada de sujeira que recobria o cristal. A pedra foi removida e jogada para o abismo, juntamente com as aranhas que. não suportando a luz, morreram em pouco tempo. As plumas das águias novamente se douraram. O pequeno vaga-lume cantava.

Estória extraída do site de O Desbravador
http://www.odesbravador.org.br/odesbravador_2006_321_322.pdf

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