[ARGUMENTO DOS ADVERSÁRIOS] Para atacar a autoria divina e a inerrância da Sagrada Escritura, alguns utilizam como argumento que muitas passagens bíblicas são cópias ou adaptações de mitologias e de textos pagãos mais antigos. Desse modo, entre os antigos textos profanos e os textos bíblicos não haveria diferenças, uma vez que os segundos são apenas cópias ou adaptações dos primeiros. Ora, como a cópia - ou resumo - de um texto falso também é falsa, e na Bíblia há textos que são cópias ou resumos de fontes profanas repletas de erros e fantasias, seguem-se que determinados textos escriturísticos são errôneos e fantasiosos.
[RESPOSTA] Pio XII (Humani generis, Dz 3898) disse que "se pode certamente conceder" que os autores sagrados tenham colhido algo das antigas tradições populares, mas evidencia que, quando agiram dessa forma, foram ajudados pelo sopro da divina inspiração que os tornavam imunes de todo erro ao escolher e ao julgar aqueles documentos. A inspiração divina acompanha a redação do texto, mas também a seleção do que é verdadeiro quando se utiliza uma fonte profana. Por exemplo, um texto da Sagrada Escritura que é declaradamente um resumo é o Segundo Livro dos Macabeus, onde o autor sagrado diz: "eis o que Jasão de Cirene narra em cinco livros que vamos tentar resumir em um só" (II Mac 2, 23). A inspiração divina, nesse sentido, fez com que o autor sagrado selecionasse e organizasse o que há de verdadeiro e útil para os desígnios de Deus na obra de Jasão de Cirene.
Por conseguinte, quando o autor sagrado utiliza das antigas tradições populares, seleciona o que nelas há de verdadeiro e rejeita o que é fruto da imaginação. Por isso, "[...] aquilo que foi colhido das narrações populares para se inserir na Sagrada Escritura de modo algum é comparável às mitologias e outras narrações de tal gênero, que procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros sagrados [...] a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos" (PIO XII. Humani generis. Dz 3899).
Mas, como as antigas tradições populares podiam conter alguma verdade sobre a criação do mundo por Deus e acerca da formação do primeiro homem e da primeira mulher, além da queda de ambos? Isso pode ser explicado pela Revelação Primitiva que foi transmitida de geração em geração. A Revelação Primitiva refere-se à comunicação gratuita de Deus ao primeiro homem, isto é, Adão, pois como diz Santo Tomás de Aquino (Suma Teológica, I, q. 94, a. 4. rep.): "E para o governo próprio e dos demais, não só é necessário o conhecimento natural, pois a vida humana se ordena a um fim sobrenatural, do mesmo modo que a nós, para governar nossas vidas, nos é necessário conhecer os conteúdos da fé. Por isso, o primeiro homem recebeu conhecimento do sobrenatural tanto quanto lhe era necessário para o governo da vida humana naquele estado". Depois da queda, Adão transmitiu aos seus descendentes o que tinha recebido do próprio Deus, mas, com o suceder das gerações, foram-se acrescentando novos e diferentes elementos à história original que mesclaram o verdadeiro e o falso, o real e o fantasioso. Assim, se o autor sagrado recorreu a uma dessas fontes, selecionou, por inspiração divina, aquilo que é verdadeiro e deixou o que é falso. O mesmo tratamento deve ser dado às histórias do dilúvio ou da torre de Babel, só que aqui, em vez de uma Revelação Primitiva, têm-se fatos reais que foram transmitidos por tradição em diferentes povos e, com o suceder das gerações, acabaram com várias versões em diversos povos.
Outra citação sobre o assunto
Resposta da Comissão Bíblica de 27 junho de 1906: A autoria mosaica do Pentateuco: Dz 3396: "Pergunta 3: Pode-se conceder, sem detrimento da autenticidade mosaica do Pentateuco, que Moisés, para compor sua obra, se valeu de fontes, ou seja, de documentos escritos ou de tradições orais, das quais, segundo o fim peculiar a que se propusera e sob o sopro da inspiração divina, colheu algumas coisas e as inseriu em sua obra, ora literalmente, ora resumidas ou ampliadas quanto ao sentido? Resposta: Sim."
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Referências:
DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas; Edições Loyola, 2007.
II MACABEUS. In: Bíblia Sagrada. 103. ed. São Paulo: Ave-Maria, 1996.
MERCABA. Revelación primitiva. Disponível em: http://mercaba.org/Mundi/6/revelacion_primitiva.htm Acesso em: 21 out. 2013.
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Disponível em: http://hjg.com.ar/sumat/index.html Acesso em: 21 out. 2013.
** Fonte:
Bonun Depositum