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O túmulo e os restos mortais de S. Pedro no Vaticano, Roma - parte I



“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.” (Mt 16,18).

As divinas palavras de Jesus, concedendo o primado sobre a Igreja a S. Pedro, convidam os católicos de todos os tempos a se interessar, cheios de veneração, pela história do primeiro Papa. Do lado contrário, - como não poderia deixar de ser, - os anticatólicos tentam contestar a realidade histórica do primado do "Príncipe dos Apóstolos". Alguns chegam ao extremo do absurdo de contestar que ele tenha estado em Roma e exercido de lá o primado.

Através dos séculos, porém, foram surgindo documentos provenientes dos mais diversos pontos da cristandade primitiva, confirmando aquilo em que os católicos sempre creram. As provas mais recentes foram tão acachapantes, tão inquestionáveis, que os anticatólicos foram reduzidos ao silêncio quanto a este assunto. Até historiadores protestantes o reconhecem, como é o  caso de A. Harvach, que chegou a declarar: "No longer deserves the name of historian who put in doubt that St. Peter has exercised his Ministry in Rome".  - "Já não merece o título de historiador quem põe em dúvida que o Apóstolo Pedro tenha exercido seu ministério em Roma"1.

Mas ainda persistia uma questão: estaria o túmulo do Vigário de Cristo realmente sob o magnífico Altar-Mor da Basílica de São Pedro? Sobre este assunto específico há um silêncio quase total nos documentos dos primeiros séculos da História da Igreja.

A tradição católica, no entanto, sempre foi bem específica: S. Pedro, já idoso, foi crucificado de cabeça para baixo na colina Vaticana, no ano de 68 ou 64, após ter exercido o papado em Roma por 25 anos. Seu corpo foi sepultado perto do local do martírio, num cemitério pagão então existente na mesma colina Vaticana, em frente ao Circo de Nero. A tradição aponta, ainda, o local exato da sepultura (chamado 'Confissão de S. Pedro'), venerado desde tempos imemoriais.

Nos 250 anos que vão da morte de São Pedro até a autorização de culto, dado à Igreja por Constantino mediante o Edito de Milão (313), apenas dois documentos referem-se ao túmulo do Apóstolo. Um diz que o Papa S. Anacleto (terceiro Papa, que reinou de 79 a 90) ergueu no local um monumento fúnebre, aproximadamente vinte anos após a morte do chefe terreno da Igreja. Outro, mais importante, é uma carta do sacerdote Gaius de Roma, do ano 200, afirmando também que no local havia um monumento fúnebre (τρόπαιον no grego, sendo que a palavra portuguesa 'troféu' não corresponde exatamente ao sentido da palavra grega).

Assim que foi concedida a liberdade de culto aos cristãos, multidões de fiéis começaram a afluir de todas as partes para venerar as relíquias de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos. Por volta do ano 330, o Imperador Constantino e o Papa S. Silvestre ergueram naquele local magnífica e enorme Basílica, e consta que o próprio imperador trabalhou na obra, carregando simbolicamente doze cestos de terra em homenagem aos Apóstolos.

O local era extremamente inconveniente para a construção, pois o subsolo era mole e cheio de água, e o terreno em declive necessitava enormes aterros. Além disso, pelas leis romanas, o cemitério era inviolável, não se podendo retirar os ossos de nenhuma sepultura. Somente o fato de estar aquele lugar ligado a um ponto fixo intransferível, – o túmulo do Apóstolo Pedro, que devia tornar-se o centro da grande Basílica, – poderia ter levado Constantino a enfrentar tantas dificuldades técnicas e jurídicas, além dos gastos altíssimos que se opunham à construção em local tão impróprio.

Mais tarde, na Renascença, a atual e ainda maior Basílica de São Pedro foi construída no mesmo local, mas sem interferência nas construções anteriores, erguendo-se num plano mais elevado. Assim, sobre o túmulo primitivo ergueram-se as construções constantinianas, e acima delas as da Renascença. Em diversas épocas houve reformas em torno do túmulo, mas, – fato notável, – não consta que ele tenha sido aberto em 1600 anos de história(!).

** Uma obra correta e bastante interessante, intitulada "The Bones of St. Peter" ('Os Ossos de São Pedro'), de John E. Walsh, ed. Doubleday, NY, 1982 (sem tradução para o português, que pode ser adquirida neste link) narra em detalhes as pesquisas científicas realizadas no túmulo nos últimos anos. Os dados a seguir foram extraídos dessa obra.


As escavações

Em 1939 foi decidido rebaixar o subsolo dos corredores em torno do túmulo, para aumentar o pé direito deles. Aí está sepultada a maioria dos Papas. Uma equipe de competentes arqueólogos orientava os trabalhos.

Entre eles, o Profº Enrico Josi, um dos maiores especialistas em antiguidades cristãs do planeta. Dirigia a equipe o administrador da Basílica de São Pedro, Mons. L. Kaas. O Papa Pio XII não os autorizou tocar nas construções do túmulo petrino. Logo no início dos trabalhos, foram encontrados vários mausoléus adjacentes. Alguns destes estão entre os melhores exemplares já descobertos do período áureo romano.

Um ponto da tradição foi portanto confirmado: o cemitério pagão, no qual São Pedro fora sepultado, realmente existe e está no local exato, conforme se acreditava há muitos séculos. Numa determinada lápide, veio outra importantíssima confirmação: uma inscrição referia que, ao lado, estava o Circo de Nero!

Verificou-se que o cemitério era sem dúvida anterior à morte de S. Pedro. Os ricos mausoléus, porém, eram pouco posteriores a ela. Tudo havia sido soterrado intacto pelos operários constantinianos, para não violar os túmulos. Tudo confirmava a tradição. Com todos esses indícios favoráveis, Pio XII afinal autorizou que se abrisse o túmulo atribuído ao Apóstolo Pedro, o primeiro Papa da Igreja, e se procedesse o estudo científico completo de tudo.

Decidiu-se tentar penetrar pela parede de uma pequena capela do século XVI, que está embaixo do Altar-Mor atual. Foi desmontado cuidadosamente o precioso mosaico que há nessa parede, e descobriu-se que era da época do Papa S. Gregório Magno (590-604). Nela foi feita uma abertura, retirando-se tijolo por tijolo. Havia, atrás, uma grossa placa de magnífico mármore decorado com precioso pórfiro escuro. Alargada a abertura, verificou-se que era um Altar montado pelo Papa Calixto, no século XII.

Retiradas algumas peças de mármore, chegou-se à outra parede, certamente da Basílica de Constantino, do ano 330! Atrás havia ainda outra parede bem mais antiga, grossa, de tijolos e pintada de vermelho vivo. Seria parte do túmulo original? Para não danificá-la, decidiram tentar em outro local, bem mais à direita. Após passar pelas mesmas paredes, chegaram a outro Altar precioso – este havia sido o Altar-Mor erigido por S. Gregório Magno na Basílica velha de São Pedro, no século VI.

A parede vermelha, nessa local, estava recoberta de excelentes mármores, sinal de importância. Tentou-se, então, do lado oposto. Mas, ao invés de chegar à parede vermelha, encontraram uma azul; e tiveram a surpresa de verificar que era uma grossa parede de pequena extensão, colada à vermelha, em ângulo reto com ela. Ambas são da época romana, mas a vermelha, mais antiga, era maior e descia fundo. Atrás dela depararam-se com paredes mais recentes. Assim, era evidente que o túmulo estava bem mais fundo, e que acima do solo da época romana só havia essa grande parede, ornada de nichos em estilo clássico, sem nenhuma decoração cristã.

Estava confirmado o "monumento fúnebre" (τρόπαιον) referido por Gaius no ano 200. As duras perseguições religiosas durante o Império certamente forçaram esse disfarce e a ausência de símbolos cristãos.


Ossos de São Pedro numa urna no Altar da Confissão, no Vaticano

Mas as surpresas apenas começavam: o exame da parede azul revelou que ela estava coberta de inscrições cristãs de tipo grafite, feitas com lâminas, desordenadamente: eram pedidos de orações dos primeiros cristãos, que escreviam seus nomes: Ursianus, Bonifatius, Paulina, etc. O símbolo codificado de Cristo (as letras gregas Chi-Rho superpostas, como se vê no desenho abaixo) aparecia várias vezes.


Grafite com o Chi-Rho (XP), símbolo de Cristo

Mas o nome que se procurava não era encontrado: Petrus. Nenhuma invocação a ele naquela floresta de nomes. Permanecia o indecifrável silêncio sobre o Apóstolo S. Pedro, o primeiro Papa. Até que num ponto dessa parede foi encontrado um pequeno buraco, formado pela queda da argamassa. Inserindo luz pela abertura, verificou-se que a parte de baixo da parede azul era oca e revestida internamente de preciosos mármores. No chão dessa cavidade havia muito pó. Parecia ter sido algum túmulo engenhosamente escondido ali. Seria impossível investigar melhor aquilo sem abrir mais o pequeno buraco, o que destruiria as inscrições.

Com isso, as atenções se voltaram para o túmulo de S. Pedro propriamente dito. Decidiu-se escavar mais, bem junto à parede vermelha, para se chegar à câmara mortuária. Logo foram encontradas algumas sepulturas cristãs simples, quase amontoadas junto à parede. Eram dos primeiros séculos. Tratava-se de um tocante indício: todos os corpos estavam voltados para a parede. Eram cristãos enterrados bem junto a S. Pedro!

Ao retirar uma pedra, depararam-se com uma cavidade vazia: afinal, o túmulo! Emocionados, os arqueólogos avisaram o Venerável Papa Pio XII, que em dez minutos chegou ao local. Era uma câmara pequena, mas alta, simples, com paredes de tijolos nus e piso de terra. E estava vazia! Havia sinais evidentes de violência: um nicho e uma trave golpeados violentamente, uma coluneta partida.

No chão encontraram-se muitas moedas romanas e medievais, confirmando uma crônica que se refere a uma pequena abertura no túmulo, por onde se podia introduzir a mão. As moedas provinham de todo o Império, atestando a devoção generalizada ao Apóstolo. O exame minucioso do local revelou na base do nicho uma pequena abertura em forma de "Λ", entupida de terra. Revolvendo o interior dessa abertura, encontrou-se enorme quantidade de fragmentos de ossos antiquíssimos. Eram mais de 250. Seriam os do Apóstolo?

Em caso afirmativo, por que estavam eles em posição tão secundária e escondidos? O médico de Pio XII, Dr. Galeazi-Lizi, examinou-os e concluiu que eram de um homem idoso e de físico robusto, o que correspondia à descrição de S. Pedro. Daí ter-se propagado, na ocasião, a versão de que os ossos eram dele.

Mas essa localização estranha exigia maiores pesquisas. As escavações continuaram, revelando que a parede vermelha era a peça chave de um complexo de construções. Tratava-se de uma edícula comemorativa, no centro da qual havia duas colunetas sustentando uma laje de travertino, parecendo um altar. Em frente situava-se um pátio fechado por altos muros. Era obviamente uma construção ideal para celebrações clandestinas dos primeiros cristãos, pois como o cemitério era pagão e aberto, ao contrário das catacumbas, as precauções tinham que ser maiores: daí a ausência do nome de Pedro e de símbolos cristãos nessa área (é aí que está a parede azul com os grafites). É esta também a razão do silêncio sobre a localização do túmulo, na literatura cristã da época. Mas ainda não se podia afirmar definitivamente que ali jaziam os restos mortais de Pedro Apóstolo, o primeiro Papa da Igreja.

Continua...

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Fonte:
1. WALSH, John E. The Bones of St. Peter. New York: Doubleday, 1982.


Bibliografia:
WALSH, John E. The Bones of St. Peter
. New York: Doubleday, 1982.
WILLIAM, O'Connor, Daniel. Peter in Rome: The literary, liturgical, and archeological evidence. New York: Columbia University Press, 1969.
Website Eternnaly CatholicsWebsite Ciência Confirma a Igreja
Autor: Juan Miguel Montes
vozdaigreja.blogspot.com

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