Muitos
pensam que espiritismo e catolicismo são compatíveis e até
complementares. A verdade, entretanto, é bem outra. Neste trecho tirado
do livro Espirismo e Fé, D. Boaventura Kloppenburg mostra claramente as
discrepâncias entre a doutrina espírita e a doutrina de Cristo.
COMO SURGIU O ESPIRITISMO
A
prática da evocação dos falecidos para deles receber conhecimentos,
chamada também “necromancia” (do grego nekrósfalecido e
manteiaadivinhação), é antiga. Mas o seu aproveitamento sistemático,
denominado “espiritismo”, vem do século passado.
Surgiu
primeiro nos Estados Unidos, em torno dos estranhos acontecimentos de
Hydesville com as irmãs Fox, a partir de 1848 (1). Mas já um ano antes,
em 1847, aparecia nos Estados Unidos uma obra mediúnica de Andrew
Jackson Davis e outra na França, de Louis Alphonse Cahagnet, do grupo
dos “magnetizadores” de Paris, que se serviam de “sonâmbulos” (assim
eram então denominados os médiuns) para receber revelações do
além-túmulo. Em 1856, o mesmo Cahagnet publicava em ParisRévélations
d´outre-tombe, com mensagens ditadas, segundo pretendia, pelos falecidos
Galileu, Hipócrates, Franklin e outros.
(1)
Certa noite, o pastor protestante John Fox, sua esposa e as duas
filhas, Margaret e Katie, estavam a conversar sobre estranhos fenômenos
de assombração. Catarina, então, produziu estalos com os dedos; notaram
todos que alguém os repetia. Por sua vez, Margarida produziu estalos e
encontrou eco. Apavorada, a sra. Fox perguntou: “É homem ou mulher que
está batendo?”, mas não obteve resposta. Insistiu então: “É espírito? Se
é espírito, bata duas vezes”. Produziram-se duas breves pancadas.
Concluiu, assim, que um espírito “desencarnado” estava em comunicação
com a família, e as “sessões” de comunicação por esse método
continuaram. Mais tarde, os adeptos das irmãs Fox encontraram em Andrew
Jackson (1826-1910) um organizador, que estruturou as clássicas sessões
com médiuns, a evocação em torno de uma mesa etc. … No entanto, em 1888
Margaret e Katie retrataram-se de maneira repetida, pública e solene,
confessando que tinham recorrido a truques e fraudes para produzir as
pancadas (veja-se New York Herald de 27.05.1888 e 10.09.1888, e The
World de 22.10.1888). As notas deste artigo não aparecem no livro
impresso (N. do E.).
Foi
neste ambiente interessado no “magnetismo animal” imaginado pelo médico
austríaco Franz Anton Mesmer (1733-1815), instalado em Paris desde
1778, que nasceu o “espiritismo”. Esta palavra foi proposta por
Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido pelo seu
pseudônimo de Allan Kardec, o codificador sistemático de um tipo
especial de espiritismo conhecido também como “kardecismo”.
Este é o espiritismo dominante no Brasil.
Allan
Kardec (isto é, Denizard Rivail) era de família católica. Com a idade
de 10 anos foi enviado a Yverdun, Suíça, ao Instituto de Educação
dirigido pelo conhecido pedagogo Pestalozzi, protestante calvinista e
liberal, que identificava religião com moralidade. Lá esteve o jovem
Rivail até 1822, quando foi a Paris, onde se dedicou então ao ensino e
publicou vários livros pedagógicos e didáticos. De boa formação geral e
cultural, era metódico, lógico e claro na exposição das suas idéias.
Conhecia também o alemão e o inglês e trabalhava como tradutor. Bom
matemático, atuou ainda como contabilista. Casou-se em 1826 com Amélie
Gabrielle Boudet, nove anos mais velha e de boa situação financeira. Não
teve filhos.
Mas
Alan Kardec não era particularmente versado em religião e muito menos
em teologia. Em maio de 1855, começou a interessar-se pelo fenômeno das
“mesas girantes e falantes”, nascido nos Estados Unidos, e aceitou a
teoria da presença e atuação de “espíritos” ou almas dos falecidos nos
movimentos de mesas, cestas e outros objetos usados pelos “sonâmbulos”
dos “magnetizadores”. E já dois anos depois, no dia 18 de abril de 1857,
publicou O Livro dos Espíritos. Este dia 18 de abril de 1857 é
considerado pelos espíritas como o dia da fundação do espiritismo.
O
Livro dos Espíritos é a obra fundamental da codificação da doutrina
espírita, com o seguinte subtítulo: “Princípios da doutrina espírita
sobre a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações
com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir
da Humanidade – segundo os ensinos dados por espíritos superiores com o
concurso de diversos médiuns – recebidos e coordenados por Allan
Kardec”.
Outra
obra básica de Allan Kardec para a prática do espiritismo foi publicada
em 1861: O Livro dos Médiuns, com o subtítulo “Guia dos médiuns e dos
evocadores”. Note-se aqui a palavra “evocadores”, indicando assim a
função determinante da “evocação” para o espiritismo.
Além
destes dois livros básicos, Allan Kardec ainda escreveu e publicou O
Evangelho segundo o Espiritismo (em 1864), que é a sua obra mais
difundida no Brasil, já com cerca de dois milhões de exemplares.
Publicou também O Céu e o Inferno (em 1865)e A Gênese (em 1868). Depois
da sua morte, em 1869, mais alguns textos inéditos foram publicados
como Obras Póstumas. Em 1858, Allan Kardec começou a publicar a
sua Revue Spirite (“revista espírita”), que deixou de aparecer com este
título em 1976.
O
espiritismo codificado por Allan Kardec foi introduzido no Brasil ainda
em vida do codificador, a partir de 1865. Em 1884, foi fundada a
Federação Espírita Brasileira (FEB), tendo desde então como órgão
oficial a revista Reformador, palavra que revela um programa.
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
Há
muitas coisas em comum entre catolicismo e espiritismo. Católicos e
espíritas concordam em professar que o mundo não é só matéria; que Deus
existe e é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente
justo e bom; que Deus criou o universo, que abrange todos os seres
animados e inanimados, materiais e imateriais; que os seres materiais
constituem o mundo visível ou corpóreo e os seres imateriais o mundo
invisível dos espíritos; que os valores do espírito são superiores aos
da matéria; que o ser humano não é só matéria; que temos uma alma de
natureza espiritual; que esta alma não morre quando se separa do corpo
no momento do desenlace; que depois da morte a nossa alma continua viva e
consciente; que a vida depois da morte depende do modo como
aproveitamos a vida agora no corpo (2).
(2)
O homem se comporia, de acordo com a doutrina espírita, de alma ou
espírito, perispírito e corpo. O espírito seria a sede da inteligência,
da vontade e da consciência moral. A alma se acharia encarnada num
corpo, que viria a ser “o alambique no qual o espírito tem que entrar
para se purificar”. E o perispírito seria um “envoltório” fluido, leve e
imponderável para a alma, que serviria de intermediário entre o
espírito e o corpo. É preciso comentar, a este respeito, que o corpo e a
alma formam uma unidade, e que o conceito do corpo como uma espécie de
roupagem temporária, embora difundido, é profundamente contrário ao bom
senso. A doutrina do perispírito, essencial para a interpretação
espírita dos fenômenos mediúnicos (como os “ectoplasmas”, isto é, as
representações espaciais de pessoas ou objetos ausentes; a “telecinese”,
movimentação de objetos materiais à distância; a “escotografia”,
fotografia de imagens de supostos mortos etc.), carece de confirmação
seja por parte das grandes tradições filosófica, seja da ciência
moderna, e mais vale considerá-la com certa reserva. Mesmo a
parapsicologia ainda parece estar em seus primeiros passos, e não parece
resolver satisfatoriamente essas questões (N. do E.).
Católicos
e espíritas estão de acordo também em afirmar que os falecidos não
rompem seus laços com os que ainda vivem nesta terra; que no mundo do
além nem todos são iguais; que há espíritos perfeitos que vivem com
Deus; que estes espíritos nos podem socorrer e ajudar; que há espíritos
imperfeitos e até maus que assim se fizeram por próprio arbítrio; que
estes nos podem perturbar e prejudicar.
Católicos
e espíritas proclamam e reconhecem a extraordinária figura de Jesus
Cristo (3); que Jesus nos ensinou o caminho do bem e da salvação; que as
leis morais do Evangelho são excelentes; que Jesus insistiu
principalmente na caridade; que fora da caridade não há salvação; que
devemos fazer o bem e fugir do mal; que há pecados e vícios que devem
ser evitados; que os pecados devem ser expiados; que a virtude será
premiada depois da morte.
(3)
Para Kardec, porém, Jesus Cristo não passaria de um espírito muito
evoluído através das suas sucessivas reencarnações (ver abaixo). Deus
teria enviado o espírito de Jesus à terra não já para purificar-se, mas
para ensinar aos homens deste planeta pouco evoluído o caminho do bem e
do amor. Jesus teria sido “o maior dos enviados de Deus”, e somente
nesse sentido poderia ser chamado Deus. Ter-se-ia tornado pela sua
missão o “governador espiritual deste planeta”. Os espíritas não podem
ser chamados de cristãos, uma vez que não reconhecem a divindade de
Cristo (N. do E.).
Católicos
e espíritas aceitam outrossim que os espíritos do além podem
manifestar-se ou comunicar-se perceptivelmente conosco. Ambos admitem
dois tipos de manifestação dos espíritos: as espontâneas e as
provocadas. Por manifestações espontâneas entendem as que têm a sua
origem ou iniciativa no além, como foi, por exemplo, o caso que nos é
narrado pelo Evangelho de São Lucas (1, 26-38): o anjo Gabriel foi
enviado por Deus a Maria de Nazaré para comunicar-lhe que ela seria a
mãe de Jesus. Por manifestações provocadas entendem as que têm a sua
iniciativa no aquém, como foi, por exemplo, o caso que nos é relatado
pelo primeiro livro de Samuel (28, 3-25): a pedido do rei Saul, a
necromante de Endor evoca a alma do falecido Samuel, que então comunica
ao rei os castigos divinos.
Mas
é neste ponto que começa uma primeira divergência fundamental entre
católicos e espíritas: os católicos admitem de bom grado as
manifestações espontâneas que nos são oferecidas por iniciativa da
bondade de Deus, mas consideram divinamente proibidas as manifestações
provocadas pelo homem mediante o processo da evocação; e os espíritas
transformam precisamente esta evocação dos falecidos em meio principal
para as suas novas revelações do além.
O
espiritismo se especifica, caracteriza e define por sua prática das
manifestações provocadas das almas ou espíritos dos falecidos, para
deles receber mensagens ou algum tipo de ajuda. A evocação dos falecidos
constitui a essência do espiritismo. Sem a evocação não há espiritismo.
E a evocação é a fonte principal de seus conhecimentos específicos ou
da sua doutrina.
Há
ainda uma segunda discordância fundamental entre católicos e espíritas:
a questão da reencarnação. Os católicos crêem na unicidade da vida
terrestre; e os espíritas anunciam a pluralidade das reencarnações. Este
desacordo tem em si tantas conseqüências lógicas, sobretudo no modo de
conceber a salvação eterna, que conduz de fato a dois corpos
doutrinários frontalmente discrepantes e opostos entre si de modo
irreconciliável.
Em
resumo: apesar das numerosas convergências entre católicos e espíritas,
há duas palavras que marcam a separação e caracterizam o espiritismo:
evocação e reencarnação.
A PROIBIÇÃO DIVINA DA EVOCAÇÃO
Vimos
que a evocação ou a manifestação provocada das almas dos falecidos, que
são os “espíritos” do espiritismo, especifica, caracteriza e define o
movimento suscitado por Allan Kardec. Sem evocação não há espiritismo. A
evocação é a base da doutrina codificada por Allan Kardec.
Entretanto,
a evocação não foi inventada por Allan Kardec. A sua prática já era
conhecida nos tempos do Antigo Testamento. As gentes no meio das quais
vivia o povo judeu a conheciam e praticavam abundamentemente. Mas o
próprio Deus proibiu então severamente a evocação. Os textos são
abundantes. Basta ler Êxodo 22, 17; Levítico 19, 31; Levítico 20, 6;
Levítico 20, 27; Deuteronômio 18, 10-14; 2 Reis 17, 17; 2 Reis 21, 6;
Isaías 8, 19-20 e, de maneira particular, 1 Samuel 28, 3-25.
Vejamos
Deuteronômio 18, 10-14: Que em teu meio não se encontre alguém que faça
presságios, oráculos, adivinhações ou magia, ou que pratique
encantamentos, interrogue espíritos ou adivinhos, ou evoque os mortos;
pois quem pratica essas coisas é abominável a Iahweh, e é por causa
dessas abominações que Iahweh teu Deus os desalojará em teu favor. Tu
serás íntegro para com lahweh teu Deus. Eis que as nações que vais
conquistar ouvem os oráculos e adivinhos. Quanto a ti, isso não te é
permitido por Iahweh teu Deus.
A proibição divina é clara, repetida, enérgica e severíssima.
Este
mandamento divino não foi revogado na Nova Aliança. Basta ler Atos dos
Apóstolos 13, 612; 16, 16-18; 19, 11-20. Neste último texto, descreve-se
a atividade e a pregação de Paulo em Éfeso, com um resultado
surpreendente: Muitos daqueles que haviam crido vinham-se confessar e
revelar as suas práticas. Grande número dos que se haviam dado à magia
amontoavam os seus livros e os queimavam na presença de todos. E
estimaram o valor deles em cinqüenta mil peças de prata. Deviam ser
muitos os livros de magia! O fato de eles terem queimado esses livros só
se explica se admitirmos que o Apóstolo falou fortemente contra tais
práticas.
Na
carta aos Gálatas (5, 20-21), declara o mesmo Apóstolo que os que se
entregam à magia não herdarão o Reino de Deus. E São João, no
Apocalipse, revela que a parte dos magos se encontra no lago de fogo e
enxofre (21, 8); e que, na hora do julgamento, eles ficarão de fora da
Cidade Eterna (22, 15).
Posteriormente,
a Igreja sempre se manteve fiel a esta rigorosa interdição divina de
evocar os falecidos. No último Concílio, o Vaticano II, na
Constituição Lumen Gentium (1964), temendo que a doutrina sobre a nossa
comunicação espiritual com os falecidos pudesse dar azo a interpretações
do tipo espiritista, acrescentou ao texto a nota no. 2 “contra qualquer
forma de evocação dos espíritos”, coisa que, segundo esclareceu a
Comissão teológica responsável pela redação do texto, nada tem a ver com
a “sobrenatural comunhão dos santos”.
A
Comissão definia então mais claramente o que se proíbe: “A evocação
pela qual se pretende provocar, por meios humanos, uma comunicação
perceptível com os espíritos ou almas separadas, com o fim de obter
mensagens ou outros tipos de auxílio”.
É exatamente isso o que o espiritismo pretende fazer.
O
Concílio Vaticano II remete-nos então a vários documentos anteriores da
Santa Sé, principalmente à declaração de 4 de setembro de 1856 e à
resposta de 24 de abril de 1917. Na declaração de 4 de agosto de 1856,
precisamente quando o católico Allan Kardec se iniciava na arte da
evocação, era repetida a interdição de “evocar as almas dos mortos e
pretender receber as suas respostas”.
No
documento de 24 de abril de 1917 também se declarava ilícito “assistir a
sessões ou manifestações espiritistas, sejam elas realizadas ou não com
o auxílio de um médium, com ou sem hipnotismo, sejam quais forem estas
sessões ou manifestações, mesmo que aparentemente simulem honestidade ou
piedade; quer interrogando almas ou espíritos, ou ouvindo-lhes as
respostas, quer assistindo a elas com o protesto tácito ou expresso de
não querer ter qualquer relação com espíritos malignos”.
Esta é a orientação da Igreja.
Mas
a Igreja, por seu magistério oficial, nunca se pronunciou nem sobre a
verdade histórica ou autenticidade, nem sobre a natureza, nem sobre a
causa dos fenômenos mediúnicos ou próprios do espiritismo. Por isso:
a)
nenhuma das várias interpretações propostas sobre a natureza ou a causa
dos fenômenos mediúnicos – nem mesmo a interpretação espírita – foi
censurada, rejeitada ou condenada oficialmente pela Igreja;
b)
não corresponde à verdade dizer que a Igreja endossa oficialmente a
interpretação que vê nos fenômenos mediúnicos uma intervenção
preternatural do diabo;
c)
jamais a Igreja proibiu o estudo ou a investigação científica dos
fenômenos mediúnicos. O católico não está absolutamente proibido de
estudar a metapsíquica ou a parapsicologia.
O
que a Igreja faz, fez e continuará a fazer, por ser esta a sua missão
específica, é recordar o mandamento divino que proíbe evocar os
falecidos ou outros espíritos quaisquer. Esta proibição vem de Deus, não
da Igreja, que não tem nem autoridade nem competência para modificar ou
revogar uma lei, determinação ou proibição divina
Para
resolver a questão moral da prática do Espiritismo, pouco importa saber
se os espíritas de fato conseguem ou não evocar espíritos em suas
sessões; pois se o conseguem, não há dúvida a respeito da evocação e,
por conseguinte, da desobediência; se não o conseguem, é certo que eles
têm ao menos a intenção, o propósito ou a vontade deliberada de evocar
e, portanto, de transgredir um mandamento divino. E isto basta para um
pecado formal.
É
necessário observar também a diferença fundamental entre invocação e
evocação: esta última sempre pretende uma comunicação perceptível
provocada por iniciativa do homem; aquela é apenas uma forma de prece ou
súplica. E é evidente que a invocação é um ato bom e cristão, expressão
da comunhão dos santos.
A HERESIA DA REENCARNAÇÃO
A
suposição da reencarnação ou da pluralidade das existências, chamada
também palingenesia, é certamente o ponto central de toda a doutrina
espírita. Allan Kardec chega a dizer que é um “dogma” (O Livro dos
Espíritos, 171 e 222).
Todo
o seu pensamento gira em torno das vidas sucessivas . O progresso
contínuo através da reencarnação, da “metensomatose”, como diria Platão,
é o seu postulado básico. Se riscarmos de suas obras a reencarnação,
sobrarão apenas cacos sem valor. Depois da sua morte, em 1870, seus
amigos fizeram gravar no monumental dólmen do cemitério Père-Lachaise,
em Paris, o apotema que resume a sua doutrina: “Nascer, morrer, renascer
de novo e progredir sem cessar: esta é a lei”.
A
palavra “reencarnação”, composta do prefixo re (designativo de
repetição) e do verbo encarnar (tomar corpo), significa
etimologicamente: tornar a tomar corpo. Designa a ação do ser espiritual
(espírito ou alma) que, tendo já animado um corpo no passado, foi
posteriormente dele separado pela morte e agora torna a informar ou
vivificar um corpo novo.
Escreve
Allan Kardec que “o princípio da reencarnação ressalta de muitas
passagens das Escrituras, achando-se especialmente formulado, de modo
explícito, no Evangelho” (O Livro dos Espíritos, n. 222). Opina mesmo
que “sem o princípio da pré-existência da alma e da pluralidade das
existências, são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do
Evangelho” (O Evangelho segundo o Espiritismo, 39ª ed., p. 72). Contudo,
o vocábulo “reencarnação” não ocorre nos Evangelhos.
A doutrina de Kardec acerca da reencarnação, que pode ser compendiada nestas quatro proposições
1ª)
Pluralidade das existências: a nossa vida atual não é a primeira nem
será a última existência corporal; já vivemos e ainda teremos que viver
inúmeras vezes em corpos materiais sempre novos.
2ª)
Progresso contínuo para a perfeição: a lei do progresso impele a alma
para sempre novas vidas e não permite não só nenhum regresso, mas nem
mesmo um estacionamento definitivo a meio caminho, e muito menos
comporta um estado definitivo de condenação sem fim (inferno): mais
século, menos século, todos chegarão à perfeição final de espírito puro.
3ª) Conquista
da meta final por méritos próprios: em cada nova existência, a alma
avança e progride na proporção dos seus esforços; todo o mal cometido
será reparado com expiações pessoais, sofridas pelo próprio espírito em
novas e difíceis encarnações (lei do carma).
4ª)
Definitiva independência do corpo: na proporção em que avança na
incessante conquista para a perfeição final, a alma, em suas novas
encarnações, assumirá um corpo sempre menos material, até chegar ao
estado definitivo, em que viverá; para sempre, livre do corpo e
independente da matéria (4).
(4)
A salvação decorreria, portanto, não da graça de Deus nem dos méritos
obtidos por Cristo, mas do esforço pessoal de cada indivíduo que procure
purificar-se do “pecado original”, ou seja, dos pecados cometidos em
encarnações anteriores. Uma vez livre das reencarnações, o espírito do
indivíduo passará a gozar de felicidade no Reino dos Céus. Os espíritas
rejeitam peremptoriamente o conceito bíblico de inferno. (N. do E.).
Sem
estes quatro princípios, não há reencarnação. Quem proclama a
reencarnação também afirma a pluralidade das existências terrestres,
sustenta o progresso contínuo para a perfeição, garante a conquista da
meta final por méritos próprios e defende uma vida definitiva
independente da matéria.
Mas
quem nega estes pontos, quem contesta as vidas sucessivas do homem
sobre a terra, a marcha irreprimível e certa para o fim supremo, a
necessidade de adquirir a perfeição final só por esforços pessoais e a
definitiva independência da matéria, recusará também a idéia da
reencarnação (5).
(5)
A teoria da reencarnação contraria o senso comum, uma vez que não
experimentamos o corpo como algo que “temos”, mas algo que “somos”; não
conservamos o menor vestígio de lembrança quer da preexistência no mundo
dos espíritos, quer das vidas passadas. Ninguém pode dizer que pecados
cometeu numa encarnação anterior, e muito menos que deve expiá-los na
vida presente; portanto, estaríamos pagando por faltas que ignoramos, o
que não é pedagógico. Histórica e logicamente, a teoria da transmigração
das almas nasce de uma visão excessivamente materialista e imaginativa
do que seja o espírito; e sobretudo é um recurso que permite eludir, ao
menos aparentemente, a dura verdade de um castigo eterno para quem se
empenha em contrariar a sua consciência. O inferno parece, assim,
confortavelmente suprimido por decreto. Mas, sobretudo, o
reencarnacionismo contraria a Revelação: todo o Evangelho presume que só
há uma vida, e que receberemos o prêmio ou o castigo eternos, na alma e
no corpo, pelo que tivermos feito nesta vida. E a Epístola aos Hebreus o
afirma expressamente: Está estabelecido que os homens morrem uma só
vez, e depois disso vem o juízo (9, 27).