Pular para o conteúdo principal

O que os políticos católicos podem fazer pela democracia


Apesar das contradições enfrentadas por este ideal, a fé cristã, longe de ver a vida e a ação política como um peso, ou pelo menos um mal necessário, entende que o espaço da vida comunitária organizada politicamente é um cenário propício para o desenvolvimento livre da vocação humana.
 
Um cristão não concebe as relações com a autoridade política como relações problemáticas ou conflituosas. A ação não pode ser, portanto, uma ação destrutiva, mas construtiva. A moral política não pode ser moral de oposição, mas busca e cumprimento do bem. Esta é, segundo Bento XVI, a moral política da Bíblia, de Jeremias a Pedro e Paulo.
 
Esta maneira de conceber as instituições políticas, as relações políticas e o exercício da função política contribui para desmistificar a política e dotá-la de racionalidade e, portanto, de moralidade. A boa política é impossível sem referência ao bem.
 
"Só onde o bem se realiza e se reconhece como bem pode prosperar igualmente uma boa convivência entre os homens" (Bento XVI, "Cristianismo e política", 1995). Por isso, a moral política, longe de ser uma questão privada, como pretendem as teorias do poder inocente, é uma questão pública.
 
O católico que exerce funções políticas deve agir de acordo com esta visão. Algo assim é possível. A DSI (Doutrina Social da Igreja), consciente da fragilidade dos propósitos e realizações humanas, acredita que a fé cristã é historicamente operativa e que, em definitiva, a ordem humana depende de atitudes profundas capazes de materializar-se (Sollicitudo Rei Socialis, 1987).
 
Sem dúvida, a manifestação pública destas atitudes e sua tradução em comportamentos políticos capazes de recuperar a dimensão moral da democracia e fortalecer as relações de confiança entre cidadãos e governantes dependem, em primeiro lugar, da conduta política dos cargos eleitos.
 
E isso acontece, de maneira urgente, por superar a mentalidade tecnicista que reduz a democracia a uma simples estrutura de poder, mediante uns critérios práticos que, caminhando ao lado da DSI, poderíamos sintetizar assim:
 
- A democracia exige instituições confiáveis e autorizadas, que não estejam orientadas à simples gestão de poder, mas que sejam capazes de promover a participação popular no respeito às tradições de cada nação;
 
- A democracia não pode favorecer a formação de grupos dirigentes restritos que, seja por interesse de parte ou particulares, seja por motivos ideológicos, usurpem o poder do Estado;
 
- A democracia exige, independentemente do sentido do voto nas diversas consultas eleitorais, que todos os cidadãos cooperem de maneia ativa na promoção do bem comum. O comumente compartilhado é o que deve facilitar este exercício de cooperação, à margem dos programas dos partidos políticos.
 
- A democracia não é um regime de adesão e o poder político não é um objeto de uso restrito;
 
- A representação política, diferente da representação jurídica ou sociológica, nem converte os cidadãos em órgãos do Estado, nem permite estabelecer uma identificação absoluta entre opções eleitorais e adesão às decisões de governo. A representação tem uma dimensão moral que consiste no compromisso de compartilhar o destino do povo e em buscar soluções aos problemas sociais.
 
- A democracia requer um exercício responsável da autoridade, o que significa uma autoridade exercida mediante o recurso às virtudes que favorecem a prática do poder como serviço;
 
- A democracia deve evitar a conversão do Estado em uma burocracia caracterizada pela impessoalidade, a não-intervenção ou o simples "encolher os ombros";
 
-A democracia deve favorecer e incentivar o pluralismo social, bem como garantir a "subjetividade da sociedade";
 
- A democracia deve comprometer-se na promoção da justiça social;
 
- A democracia, por si só, não tem capacidade de estabelecer os fundamentos morais da convivência cidadã;
 
- As regras e procedimentos democráticos de tomada de decisões não são o fundamento moral das deliberações políticas;
 
- A democracia deve proteger a inviolabilidade da consciência, a liberdade religiosa e o direito à vida.
 
Aos políticos católicos corresponde levar à vida política normas objetivas que incentivem um comportamento político justo, sendo conscientes, no entanto, de que não é a religião que deve oferecer estas normas objetivas ao debate político.
 
O papel da religião, já dizia Bento XVI, é ajudar a purificar e iluminar a aplicação da razão à descoberta de princípios morais objetivos. E isso porque a religião não é um problema que os legisladores devem solucionar, mas uma contribuição vital para o debate nacional
 
A consecução deste objetivo exige que o poder político reconheça que existem domínios reservados da consciência e que estes, no Ocidente, foram estabelecidos pelo cristianismo, pela lei natural e por uma ética dos direitos humanos. É uma aberração que o poder político queira penetrar os puros da consciência, bem como sustentar que os juízos religiosos e morais não cabem no espaço público.
 
Cabe lembrar da figura de Tomás Moro, padroeiro dos governantes e políticos. Sua história mostra uma verdade fundamental da moral política: a defesa da liberdade da Igreja frente às ingerências indevidas do Estado é, ao mesmo tempo, defesa da liberdade da pessoa frente ao poder político.
 
Nisso reside o princípio fundamental de toda ordem autenticamente humana e, por isso, construída a favor do ser humano, e não contra ele. Não é esta a primeira e principal responsabilidade e desafio ao qual deve responder o católico com vocação política?

Maria Teresa Comte
Professora de Doutrina Social da Igreja
 Pontifícia Universidade de Salamanca
 Espanha

Postagens mais visitadas deste blog

Pai Nosso explicado

Pai Nosso - Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou a seus discípulos”. È em resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental, o  Pai-Nosso. Pai Nosso que estais no céu... - Se rezamos verdadeiramente ao  "Nosso Pai" , saímos do individualismo, pois o Amor que acolhemos nos liberta  (do individualismo).  O  "nosso"  do início da Oração do Senhor, como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em verdade, nossas divisões e oposições devem ser superadas. É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver morar em si aquele que ele invoca. Os sete pedidos - Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo...

O EXÍLIO BABILÔNICO

Introdução O exílio marcou profundamente o povo de Israel, embora sua duração fosse relativamente pequena. De 587 a 538 a E.C., Israel não conhecerá mais independência. O reino do Norte já havia desaparecido em 722 a.E.C. com a destruição da capital, Samaria. E a maior parte da população dispersou-se entre outros povos dominados pela Assíria, o reino do Sul também terminará tragicamente em 587 a.E.C. com a destruição da capital Jerusalém, e parte da população será deportada para a Babilônia. Tanto os que permaneceram em Judá como os que partirem para o exílio carregaram a imagem de uma cidade destruída e das instituições desfeitas: o Templo, o Culto, a Monarquia, a Classe Sacerdotal. Uns e outros, de forma diversa, viveram a experiência da dor, da saudade, da indignação, e a consciência de culpa pela catástrofe que se abateu sobre o reino de Judá. Os escritos que surgiram em Judá no período do exílio revelam a intensidade do sofrimento e da desolação que o povo viveu. ...

Nossa Senhora da Conceição Aparecida

NOSSA SENHORA da Santa Conceição Aparecida é o título completo que a Igreja dedicou à esta especial devoção brasileira à Santíssima Vigem Maria. Sua festa é celebrada em 12 de outubro. “Nossa Senhora Aparecida” é a diletíssima Padroeira do Brasil. Por que “Aparecida”? Tanto no Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida quanto no Arquivo Romano da Companhia de Jesus constam os registros históricos da origem da imagem de Nossa Senhora, cunhada "Aparecida". A história foi registrada pelo Pe. José Alves Vilela em 1743, e confirmada pelo Pe. João de Morais e Aguiar em 1757. A história se inicia em meados de 1717, por ocasião da passagem do Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida e Portugal, governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, pela povoação de Guaratinguetá, a caminho de Vila Rica (atual Ouro Preto, MG). Os pescadores Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves foram convocados a providenciar um bom pescado para recepcionar o Conde, e partiram a l...