A CHEGADA do Advento introduz a Igreja em um novo ano litúrgico. Vivendo esse período com autêntico espírito evangélico, o cristão pode, certamente, experimentar os frutos desta escola de santidade, abrindo as portas de sua casa para "a Luz dos povos" que é Cristo.
O Advento, assim como a Quaresma, também insiste na necessidade da penitência e da oração como vias de purificação da alma. Mas de uma maneira diferente. Enquanto que na Quaresma a Igreja tem como prática principal, por assim dizer, o jejum, no Advento, os fiéis são incentivados a fazer vigílias, preparando seus corações para a chegada da criança. Animada pelas palavras do Anjo aos três reis magos - "eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor" (Cf. Lc 2, 11) -, toda a Igreja põe-se de guarda à espera d’Aquele que "dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo"02.
As primeiras semanas do Advento, no entanto, não tratam diretamente da vinda do Cristo Menino, mas da parusia; quer dizer, da Segunda Vinda de Jesus. Com efeito, o Evangelho deste domingo fala em "vigília" e "atenção", "porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá" (Cf. Mt 24, 44). Com estas palavras, a liturgia quer suscitar entre os cristãos a consciência de que o retorno do "Filho do Homem" a este tempo e a esta história deve ser não somente esperado, como também preparado, pois como "nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam (...), até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem" (Cf. Mt 24, 38).
Todavia, viver essa fé, para os dias de hoje, pode soar um tanto quanto surreal, e mesmo dentro da Igreja. Criou-se a impressão de que a espiritualidade cristã - assim como qualquer outra religião - tratar-se-ia apenas de uma fantasia, um "faz de conta" que para ser alimentado, necessita dos ensinamentos da Igreja e de suas práticas devocionais. Realista seria, por outro lado, o estilo de vida mundano que, com suas filosofias e propagandas, rende-se às seduções da carne, do mundo e do diabo.
Um olhar atento sobre a realidade dos que não creem, no entanto, permite enxergar o quão equivocada está essa ideia e, ao mesmo tempo, identificar que o verdadeiro realista é precisamente aquele que crê.
Naturalmente, todo ser humano busca a felicidade. Por conseguinte, o marido que trai sua mulher repetidas vezes também deseja ser feliz; o jovem que se entrega ao vício da pornografia; a mulher vestida à guisa de uma prostituta para provocar os rapazes; o garoto viciado em crack e tutti quanti. Ora, não é preciso muito esforço para perceber o vazio no qual se encontra a vida dessas pessoas. Elas buscam a felicidade, mas terminam tristes, pois se tornaram escravas do pecado.
As palavras de Cristo no Evangelho deste domingo vêm a calhar justamente por isso. O homem é chamado a vigiar para não cair no engodo diabólico de que a felicidade se encontra fora do redil do Senhor. Uma vez que foste criado para Deus, diz Santo Agostinho, o coração do homem "está inquieto enquanto não encontrar em Ti descanso"03. Mas para manter essa fé, o homem deve, necessariamente, lutar, combater o bom combate. E esse combate se dá por meio das normas de piedade: a frequência aos sacramentos, a recitação do rosário e demais jaculatórias, a doação de esmolas e outros atos de caridade e etc. Mas por que essas coisas são necessárias?
Antecipando o ensinamento da Igreja acerca do pecado original, Platão já havia identificado, em sua época, que o ser humano padece de uma enfermidade. O filósofo descreve essa condição do homem por meio de uma analogia: uma carruajem sendo guiada por dois cavalos. A carruajem seria a razão, e os dois cavalos, as potências da carne: as faculdades irascível e concupiscente. Se orientadas pela razão, as duas faculdades podem conduzir o passageiro desta carruajem para o bem, mas se a razão se deixar dominar por ambas, o caminho será, certamente, desastroso.
Assim também observa São Paulo na sua carta aos Romanos: "despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz" (Cf. Rm 13, 12). O apóstolo está exortando a comunidade, a fim de conduzi-la à atitude do sentinela. Sabendo que "agora a salvação está mais perto de nós do que quando abraçamos a fé", diz ao rebanho que "já é hora de despertar". É um convite a uma fé mais madura que, não por acaso, também se encontra na homilia do Cardeal Joseph Ratzinger feita na abertura do Conclave de 2005 e que, ainda hoje, vale como um alerta para o mundo e, sobretudo, para a Igreja: "Devemos amadurecer esta fé adulta, a esta fé devemos conduzir o rebanho de Cristo. E é esta fé – só a fé – que cria unidade e se realiza na caridade."04
Não obstante, esta fé mais madura só é possível se auxiliada pela graça de Deus. Os cristãos devem fugir da tentação pelagiana de querer alcançar o céu pelos próprios esforços. Como tanto tem insistido o Papa Francisco, cada batizado deve se entregar nos braços de Deus, revestindo-se - como pede São Paulo na segunda leitura - "do Senhor Jesus Cristo". Este é o único e verdadeiro caminho para a glória e a felicidade eternas.
O cristão nasceu para o combate; e o primeiro combate a ser travado é aquele contra as próprias inclinações, orando e vigiando. Ficai vigilantes, porque o Senhor está próximo.