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A Presença Real de Cristo na Eucaristia – Parte 2

Eucaristia
Autor: Pe. Juan Carlos Sack
Fonte: http://www.apologetica.org
Tradução: Carlos Martins Nabeto
- “Confesso que o corpo está no céu e confesso também que está no Sacramento. Se isto é ou não contrário à natureza, não me importa, contanto que não seja contrário à Fé” (Martinho Lutero).
- “Um corpo físico ocupa espaço e, portanto, só pode estar em um só lugar em um determinado tempo” (Daniel Sapia, evangélico).
[Dando continuidade a esta Série, abordaremos hoje os testemunhos de Inácio de Antioquia, Justino de Roma e Ireneu de Lião].
INÁCIO DE ANTIOQUIA
Uma das testemunhas mais importantes da Igreja Pós-Apostólica. Nascido na Síria, por volta do ano 50, mártir em Roma entre os anos 98 e 117 (mais possivelmente por volta do ano 110, devorado pelas feras). Foi o terceiro Bispo de Antioquia, logo após o Apóstolo Pedro e Evódio. Recebeu a doutrina evangélica da boca dos sucessores imediatos dos Apóstolos, sendo que alguns afirmam que foi discípulo direto de São João Evangelista. Conservam-se várias cartas que escreveu às jovens igrejas enquanto era conduzido a Roma para ser martirizado. A ele se deve a mais antiga aplicação da palavra “Eucaristia” (em grego, “ação de graças”) à celebração da Ceia do Senhor.
Nos textos aqui citados deve-se saber que Inácio precisou enfrentar, entre outras, a heresia chamada “Docetismo”, uma forma de Gnosticismo, segundo a qual Jesus Cristo não veio realmente em carne, mas apenas em aparência. Segundo esta heresia, Seu corpo não era real como o nosso, mas seria uma espécie de ilusão. Diziam, por exemplo, que a expressão “E o Verbo se fez carne” (João 1,14) devia ser entendida de modo simbólico, pois é “o espírito” que “vivifica; a carne para nada serve” (João 6,63)[10]. Santo Inácio fala acerca deles ao escrever para os cristãos de Esmirna, dizendo-lhes:
- “Eles se mantêm distantes da Eucaristia e da oração porque não querem confessar que a Eucaristia é a carne de Nosso Salvador Jesus Cristo, carne que sofreu pelos nossos pecados e foi ressuscitada pela bondade do Pai” (Cartas aos Esminenses 7,1).
Interessado em guardar a unidade da Igreja, escreveu também aos cristãos de Filadélfia:
- “Tomai cuidado para não celebrar mais do que uma só Eucaristia, porque não há mais do que uma só carne de Nosso Senhor Jesus Cristo e não há mais do que um cálice para a reunião de Seu sangue. Há um só altar, assim como há um só Bispo com os seus Presbíteros e meus irmãos, os Diáconos” (Carta aos Filadelfos 4).
Inácio reconhece na Eucaristia a única Carne e o único Sangue do Senhor, razão pela qual não pode ser aceita nenhuma celebração “paralela”, à margem da Igreja visível[11] Seguindo a prática da Igreja Apostólica, a Igreja Católica não admite como válidas as celebrações da Ceia do Senhor que não sejam presididas pelo Bispo ou por alguém por este designado, isto é, um Presbítero validamente ordenado[12].
JUSTINO MÁRTIR
Nasceu em Nablos, Palestina, entre os anos 100 e 110, de família pagã. Na sua juventude dedicou-se à filosofia, passando por diversas escolas, até que conheceu o Cristianismo e abraçou a fé. Juntamente com outros companheiros, foi decapitado por professar a religião cristã por volta de 165. As obras que nos chegaram são de caráter apologético, em defesa do Cristianismo contra os que o impugnavam.
Justino escreveu sua 1ª Apologia por volta do ano 155, onde explica ao Imperador Antonino Pio quais eram as verdadeiras práticas dos cristãos, já que sabia que o Imperador era frequentemente informado acerca desta nova religião através de testemunhos falsos ou grosseiras tergiversações, devidas à má vontade do informante ou sua ignorância sobre o culto cristão.
- “Este alimento chama-se entre nós ‘Eucaristia’, do qual ninguém mais é lícito participar senão aquele que crê que a nossa doutrina é verdadeira e que foi purificado com o batismo para o perdão dos pecados e regeneração, além de viver como Cristo ensinou. Porque estas coisas (=o pão e o vinho durante a celebração da Eucaristia) não as recebemos como se fossem pão comum e bebida comum, mas do mesmo modo que Jesus Cristo nosso Salvador se fez carne pela Palavra de Deus e tomou carne e sangue para nos salvar, assim também nos foi ensinado que o alimento convertido em Eucaristia pelas palavras de uma oração procedente Dele (=de Jesus) – alimento com que são alimentados nosso sangue e nossa carne através de uma transmutação – é a carne e o sangue daquele Jesus que Se encarnou por nós. Pois os Apóstolos, nos Comentários por eles redigidos, chamados ‘Evangelhos’, nos transmitiram que assim lhes foi ordenado: que Jesus, tendo tomado o pão e dado graças, disse: ‘Fazei isto em memória de Mim; isto é Meu corpo’ [Lucas 22,19; 1Coríntios 11,24]; e tendo tomado do mesmo modo o cálice, e dado graças, disse: ‘Isto é Meu sangue’ [Mateus 26,28]. E somente eles (=os Apóstolos) foram feitos participantes [dessa Eucaristia]. No que diz respeito aos mistérios (=a refeição) de Mitra, quem ensinou tais coisas foram os malvados demônios, pois sabeis, ou podereis saber, que quando alguém é iniciado neles, oferece-se-lhe pão e um cálice de água, acrescentando certos versos” (1ª Apologia 66).
Justino estabelece um paralelo entre a consagração da Eucaristia e o mistério da Encarnação. Como resultado, o que se tem na Eucaristia é o que se tem na Encarnação: é o corpo e o sangue de Jesus Cristo. E transmite isto com toda simplicidade, como algo aceito por toda a Igreja.
Há uma circunstância em que o texto citado recebe uma força particular: Justino está explicando ao imperador pagão em que consiste uma celebração dominical cristã; entre outras coisas, explica a doutrina que certamente ninguém poderia compreender sem possuir fé, pois pareceria loucura. Apesar disto, Justino, homem prudente e inteligente, diz ao imperador que o alimento eucarístico é a carne e o sangue de Jesus, aquela mesma que foi assumida pelo Verbo de Deus para a nossa salvação. Se a Igreja Pós-Apostólica tivesse acreditado na interpretação simbólica das palavras de Jesus – ao modo “evangélico” moderno – sem dúvida alguma este seria o momento para explicar ao imperador pagão que não era necessário se preocupar com qualquer forma de “canibalismo”, pois o pão e o vinho consumidos nas celebrações cristãs [apenas] simbolizariam o corpo e o sangue de Jesus. No entanto, Justino afirma, sem recuar um passo da doutrina, que o pão e o vinho eucarísticos “é a carne e o sangue daquele Jesus que se encarnou por nós”.
IRENEU DE LIÃO
Segundo Bispo de Lião, na França, sucedeu a São Fotino. Nascido na Ásia Menor por volta de 140, morreu em torno de 202 em Lião, possivelmente martirizado. Em sua juventude foi discípulo do Bispo de Esmirna, Policarpo, que, por sua vez, fora discípulo de São João Evangelista. Sua principal – e importantíssima – obra é “Exposição e Refutação da Falsa Gnose”, melhor conhecida como “Adversus Haereses” (“Contra as Heresias”), que escreveu em grego e a completou por volta do ano 200. É o teólogo mais importante do século II, testemunha universalmente reconhecida da Fé Apostólica.
Ireneu teve que enfrentar a primeira e mais importante heresia do início da Igreja, o Gnosticismo, que encerrava uma grande variedade de formas e erros, mas que segundo a qual havia um grupo de pessoas que, por iniciação secreta, pôde obter o autêntico conhecimento da Divindade e da Salvação. Entre outras coisas, os gnósticos desprezavam a Criação. Ireneu adverte que, agindo assim, desprezavam também o Senhor que tomou para Si mesmo carne e sangue e que, além disso, não seria possível crer na realidade de Eucaristia já que:
- “…o pão sobre o qual é feita a ação de graças é o corpo do Senhor; e o cálice é o Seu sangue” (Contra as Heresias 4,18,4).
E, na mesma obra, escreve de diversas maneiras sobre o mesmo fato:
- “São completamente loucos aqueles que rejeitam toda a economia de Deus ao negar a salvação da carne e desprezar seu novo nascimento, pois dizem que ela não é capaz de ser incorruptível. Pois se esta [carne, nosso corpo] não se salva, então nem o Senhor nos redimiu com Seu sangue, nem o cálice da Eucaristia é comunhão com Seu sangue, e nem o pão que partimos é comunhão com Seu corpo [1Coríntios 10,16]; pois o sangue não pode provir senão das veias e da carne, e de tudo que compõe a substância do homem, pela qual, tendo sido verdadeiramente assumida pelo Verbo de Deus, nos redimiu com Seu sangue (…) Pois Ele mesmo confessou que o cálice, que é uma criatura, é Seu sangue [Lucas 22,20; 1Coríntios 11,25], com o qual faz crescer o nosso sangue; e o pão, que também é uma criatura, declarou que é Seu próprio corpo [Lucas 22,19; 1Coríntios 11,24], com o qual faz crescer os nossos corpos” (Contra as Heresias 5,2,2).
Com efeito, a interpretação “simbólica” da celebração eucarística está em perfeita harmonia com a heresia gnóstica… E se essa tivesse sido a fé da Igreja do século II, todo o discurso de Ireneu não teria sentido nenhum. Pelo contrário, seu argumento está baseado na afirmação de duas realidades intimamente unidas: a realidade do corpo do Senhor na Encarnação e a realidade do corpo do Senhor na Eucaristia. Os gnósticos – concluiu Ireneu – devem forçosamente negar uma e outra se quiserem ser lógicos. Vejamos outros textos no mesmo sentido:
- “Consequentemente, se o cálice misturado (=vinho+água) e o pão fabricado [pelo homem] recebem a Palavra de Deus [em grego, 'epiklesis'] para converterem-se na Eucaristia do sangue e do corpo de Cristo, e através destes cresce e se desenvolve a carne de nosso ser, como podem eles negar que a carne é capaz de receber o dom de Deus, que é a vida eterna, já que foi nutrida com o sangue e o corpo de Cristo, e foi convertida em membro Seu? Quando o Apóstolo escreve em sua Carta aos Efésios: ‘Somos membros de Seu corpo’ [Efésios 5,30], de Sua carne e de Seus ossos, não fala sobre algum homem espiritual e invisível – pois ‘um espírito não tem carne nem ossos’ [Lucas 24,39] – mas sim daquele ser que é verdadeiro homem, que é formado de carne, ossos e nervos, o qual se nutre do sangue do Senhor e se desenvolve com o pão de Seu corpo” (Contra as Heresias 5,2,3).
- “Como dizem que se corrompe e não pode participar da Vida a carne [de nossos corpos], alimentada com o corpo e o sangue do Senhor? Mudem, pois, de opinião ou deixem de oferecer estas coisas (=a ‘eucaristia’ celebrada pelos gnósticos). Pelo contrário, concordem com o que cremos e, quanto a Eucaristia, [concordem] com a firme Eucaristia em que cremos. Oferecemos o que Lhe pertence e proclamamos, de modo concorde, a união e a comum unidade entre a carne e o espírito, porque assim como o pão brota da terra, uma vez pronunciada sobre ele a invocação (=’epiklesin’) de Deus, já não é pão comum, mas a Eucaristia formada por dois elementos: o terrestre e o celestre; de modo semelhante, também os nossos corpos, ao participarem da Eucaristia, já não são corruptíveis, mas têm a esperança de ressuscitarem para sempre” (Contra as Heresias 4,18,5).
Não quero encerrar as citações de Ireneu sem antes recordar um belo testemunho seu sobre a Eucaristia como Sacrifício:
- “Aconselhando Seus discípulos a oferecer as primícias de Suas criaturas a Deus – não porque Este as necessitasse, mas para que não fossem infrutuosos e ingratos – tomou a criatura pão e, dando graças, disse: ‘Isto é Meu corpo’ [Mateus 26,26]. E, do mesmo modo, o cálice, também tomado entre as criaturas como nós, confessou ser Seu sangue; e ensinou que [este] era o Sacrifício do Novo Testamento. A Igreja, recebendo isto dos Apóstolos, em todo o mundo oferece a Deus, que nos dá o alimento, as primícias de Seus dons no Novo Testamento. Com estas palavras, um dos Doze Profetas, prenunciou: ‘Não me comprazo em vós – diz o Senhor onipotente – e não receberei o sacrifício de vossas mãos, porque desde o Oriente até o Ocidente Meu nome é glorificado nas nações e em todas as partes se oferece ao Meu nome incenso e um sacrifício puro: porque grande é Meu nome nas nações – diz o Senhor onipotente’ [Malaquias 1,10-11]. Com estas palavras, apontou claramente que o antigo povo deixaria de oferecer a Deus e que em todo lugar Lhe seria oferecido o Sacrifício Puro (=a Eucaristia); e Seu nome é glorificado nos povos” (Contra as Heresias 4,17,5)[13].
NOTAS:
[10] Este mesmo raciocínio dos primeiros inimigos do Cristianismo nascente, visando negar a realidade da encarnação, se repete literalmente hoje em dia na exegese “evangélica” simbólica do discurso do Pão da Vida (João 6,25ss), visando agora negar a realidade da presença real de Cristo na Eucaristia. Isto merece a mais séria atenção (…).
[11] Sobre isso, escreve na carta aos esmirnenses: “Que ninguém faça nada de importante para a Igreja sem o consentimento do Bispo. A Eucaristia válida é aquela celebrada pelo Bispo ou por quem ele designar (…) Nem lhe seja permitido, sem o consentimento do Bispo, batizar ou celebrar o ágape. Quem for aprovado pelo Bispo é agradável a Deus, de modo que o que fizer será seguro e válido” (8,1-2). Compare-se com o que ocorre hoje: enquanto nas igrejas católicas se continua celebrando o único Sacrifício eucarístico em torno do Bispo “ou de quem foi por ele designado” (=os sacerdotes), numerosas denominações “evangélicas” se reúnem por iniciativa própria à margem do Bispo e o que celebram não é, com certeza, a Eucaristia, ainda que muitas vezes a parodiem, repartindo – estes sim – pão e vinhos comuns.
[12] Por outro lado, a Igreja reconhece a validade das ordenações episcopais das igrejas ortodoxas, razão pela qual a Eucaristia ali é validamente celebrada.
[13] Neste artigo, não abordamos diretamente a Eucaristia como Sacrifício. Em todo caso, é bom lembrar que, assim como a presença real de Jesus nas celebrações eucarísticas válidas é uma verdade de Fé virtualmente testemunhada por todos os mais importantes Padres da Igreja, assim também podemos encontrar uma grande quantidade de textos patrísticos que testemunham a Fé da Igreja primitiva na realidade sacrificial da Eucaristia, sem que encontremos neles qualquer dificuldade em admitir a unicidade do sacrifício expiatório de Cristo na Cruz e sua celebração sacramental na Eucaristia até o fim dos tempos. Falam disto como sacrifício: Justino, Didaqué, Cipriano, Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, Ambrósio, Agostinho, entre outros. Nenhum deles inventou nada, apenas transmitiram a Fé Apostólica. Será que estes homens não sabiam que Cristo Se ofereceu de uma vez por todos, como ensina Hebreus 7,27?

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