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Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [Crítica do conceito de “provável”

Santo Agostinho de Hipona (4)

Pax et Bonum!
Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, continuar lendo o livro III.
Crítica do conceito de “provável”
33 – Mas talvez quereis que eu abandone este terreno. Não se deve facilmente abandonar argumentos tão seguros pois tratamos com homens muito astutos. Contudo cederei ao vosso desejo. Mas aqui, o que direi? O quê? É preciso retomar o velho argumento em relação ao qual também eles têm algo a dizer. O que farei, expulso por vós do meu acampamento? Implorarei o auxílio dos doutos, com os quais, se não conseguir vencer, a derrota talvez me envergonhará menos? Lançarei, pois, com todas as minhas forças aquele dardo já enegrecido de fumaça e todo enferrujado, é certo, mas, se não me engano, extremamente eficaz: quem nada aprova, nada faz. Que candura! E onde fica o provável? Onde o verossímil? É isso o que queríeis. Ouvis ressoar os escudos gregos? O dardo extremamente forte, sem dúvida, atingiu o seu alvo. Mas também com que mão o arremessamos! Os que estão comigo não me sugerem nada mais potente. Todavia, como vejo, não causamos o menor ferimento. Considerarei, pois, os argumentos que a fazenda e o campo me fornecem. O que está acima disso é mais um fardo que uma ajuda para mim.
34 – No lazer deste campo durante longo tempo eu me interrogava como esse provável ou verossímil pode garantir nossas ações contra o erro. Inicialmente quando eu vendia estas ideias, pareceu-me, como é natural, que era um refúgio admiravelmente coberto e defendido. Mas, depois que examinei tudo com mais cautela, pareceu-me ver uma abertura por onde o erro pode investir contra os que se sentem seguros. Pois acho que não erra somente aquele que segue o caminho errado, mas também aquele que não segue a via verdadeira. Suponhamos dois viajantes que se dirigem para um mesmo lugar. Um deles decidiu não acreditar em ninguém e o outro é excessivamente crédulo. Chegam a uma bifurcação. O crédulo pergunta a um pastor que ali se encontra ou a um camponês qualquer:
                – Bom dia, meu caro senhor, qual é o caminho que leva a tal lugar?
                Ele respondeu:
                – Vá por este caminho que não errará.
                O primeiro diz então ao companheiro:
                – Ele diz a verdade, vamos por aqui.
                O viajante, desconfiado, põe-se a rir, zomba desse assentimento tão apressado e, enquanto o outro parte, permanece plantado na bifurcação. Depois de algum tempo lhe pareceu absurdo ficar parado, quando de repente pelo outro caminho surge um homem garbosamente montado em seu cavalo, vindo em sua direção. Feliz, saúda o cavaleiro, fala-lhe do seu destino e pergunta-lhe sobre o caminho. Explica-lhe também por que está ali parado a fim de torna-lo mais benevolente por ser preferido ao pastor. Por acaso o cavaleiro era um daqueles vagabundos que vulgarmente se chamam “samardacos”. Sendo homem mau, o cavaleiro agiu segundo o seu costume, mesmo sem ter nenhum interesse na questão e disse-lhe:
                – Segue por ali, é dali que eu venho.
                Com estas palavras enganou-o e foi embora. Mas quando teria sido ele enganado? Falando consigo mesmo, diz: “Não aprovo esta informação como verdadeira, mas como é verossímil e não é honesto nem útil ficar ocioso, tomarei este caminho”.
                Entrementes, aquele que errou por te dado tão prontamente o seu assentimento às palavras do pastor, já estava descansando no lugar do seu destino. O outro que não erra, pois que segue o provável, anda vagando pelas florestas e não encontra sequer uma pessoa que conheça o lugar ao qual se dirige. Confesso-vos que não pude conter o riso ao refletir que, não sei como, segundo as palavras dos Acadêmicos, acontece que aquele que segue o caminho verdadeiro, ainda que por acaso, erra, enquanto, não parece errar o que seguindo a probabilidade vagueia por montanhas intransitáveis, sem encontrar a região procurada. Se for preciso condenar o assentimento temerário, direi que mais facilmente erram ambos, que dizer que não erra o último. A partir daí comecei a ser mais cauteloso com essas afirmações dos Acadêmicos e considerar mais atentamente os fatos e costumes dos homens. Então me ocorreram tantos e tão graves argumentos contra os Acadêmicos que já não tinha vontade de rir, mas ora me indignava, ora me afligia que homens tão doutos e sutis fossem levados a opiniões tão criminosas e depravadas.
35 – Certamente nem todo homem que erra peca, mas de todo o que peca se diz que erra ou algo pior. Suponhamos que um adolescente ouve os Acadêmicos dizerem: “É vergonhoso errar e por isso não se deve dar assentimento a nada. Mas quando alguém faz o que parece provável, não peca e não erra; lembre-se apenas de não aprovar como verdadeiro tudo o que se apresenta ao espírito ou aos sentidos”. Ouvindo isso, o nosso jovem atenta contra o pudor da mulher alheia. É a ti que apelo, Marco Túlio. Estamos tratando da vida e dos costumes dos jovens, a cuja educação e formação foram endereçados todos os teus livros. O que dirás, senão que para ti não há nenhuma probabilidade que justifique a conduta do jovem? Mas para ele esta probabilidade existe. Pois se devemos viver segundo o que parece provável a outros, não deverias ter governado o Estado, porque Epicuro achava que não se devia fazê-lo. Seduzirá, pois aquele jovem a esposa do seu próximo. Se for pego em flagrante, onde te encontrará para defendê-lo? E mesmo que te encontre, o que dirás? Claro que negarás o fato. Mas se o caso for tão claro que seria inútil negá-lo? Sem dúvida te empenharás em persuadir, como no ginásio de Cumas ou de Nápoles, que ele não cometeu nenhuma falta, mais que isso, que nem sequer errou. Pois ele não se convenceu como de coisa certa que devia cometer o adultério. Apresentou-se a ele uma probabilidade e ele a seguiu, a executou. Ou talvez não a executou. Mas o tolo do marido arma um escarcéu com processos em defesa da castidade da esposa, com a qual talvez durma sem saber da realidade. Se os juízes se ocuparem do caso, ou desprezarão os Acadêmicos e o punirão como crime perfeitamente real, ou, seguindo os Acadêmicos, condenarão o jovem por verossimilhança e probabilidade, de modo que o advogado já não sabe o que fazer. Pois não terá quem atacar, visto que todos dirão que não erraram, tendo feito, sem dar o seu assentimento, aquilo que lhes pareceu provável. Abandonará então o papel de advogado e assumirá o de filósofo consolador. Assim persuadirá facilmente o jovem, que já fez tantos progressos na Academia, que se considere condenado em sonho! Pensais que estou gracejando? Posso jurar com toda certeza por tudo o que é divino que não sei como este jovem pecou, se quem faz o que lhe parece provável não peca. A menos que digam que pecar é completamente diferente de errar e que com seus preceitos se esforçaram para que não erremos, dizendo ainda que o pecado não é coisa grave.
36 – Nada direi dos homicídios, dos parricídios, dos sacrilégios e de todas as ignomínias e crimes que se podem cometer ou pensar, e que se justificam com poucas palavras, e o que é mais grave, perante juízes sapientíssimos: não dei meu assentimento e portanto não errei. Como não fazer o que me pareceu provável? Os que pensam que não se pode persuadir tais crimes em nome da probabilidade, leiam o discursos de Catilina no qual aconselham o parricídio da pátria, crime que resume todos os crimes. Quem poderá conter o riso diante de tal sistema? Os Acadêmicos dizem que, na prática, só seguem o provável e com todo o afinco procuraram a verdade, quando é provável que não poderão encontra-la. Que maravilhoso absurdo!
                Mas deixemos de lado este ponto, que nos toca menos, interessa menos à ordem da nossa vida, representa menos perigo para a nossa sorte. O que é vital, o que é espantoso, o que é de assustar todas as pessoas honestas é que, se o raciocínio dos Acadêmicos é provável, que se poderá cometer qualquer abominação, sem que se julgue dever seguir  o provável, desde que não se dê assentimento a nada como verdadeiro. O que diremos? Será que esses filósofos não viram isso? Claro que sim e isso com uma sagacidade e penetração extraordinária. Não tenho absolutamente a pretensão de comparar-me a Marco Túlio em habilidade, prudência, talento e doutrina. Todavia, quando ele afirma que o homem não pode saber nada, se lhe fosse replicado apenas isso: “Sei que isso me parece assim”, ele não teria o que responder.

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