O sentimento é assim o respeito que temos, como criaturas, por nosso Pai que está no Céu e que, unicamente porque nos criou, nos olha como filhos, nos dá o pão de cada dia, a luz de seu sol, os frutos da terra, a vida, a saúde, e mil outros bens igualmente da ordem natural.
O sentimento religioso sendo natural ao homem, se encontra em todos os homens fiéis ou infiéis; pois todos têm esse fundo comum de respeito a Deus, que algumas vezes se traduz por um ato religioso fundado sobre a verdade, como entre os cristãos; outras vezes por um ato religioso manchado de erros como entre os infiéis, os idólatras, etc.
Entre os povos, há alguns cujo sentimento religioso é naturalmente muito profundo, por exemplo os árabes.
Um árabe não faltará à prece da manhã, à do meio dia e à da noite. Ao escutar o muezzin gritar do alto do minarete a fórmula sagrada: La Allah, etc., imediatamente ele se põe a rezar, esteja na companhia de quem quer que seja, no lugar que for, no meio de uma praça ou no trabalho; quando chega a hora, ele reza. Por este mesmo sentimento religioso, o árabe relaciona tudo à vontade de Deus; os acidentes da vida, a saúde, a doença, mesmo a morte, ele relaciona com Deus e em todas as circunstâncias ele repete: Deus é grande!
Eis o sentimento religioso em todo seu poder.
Mas lembre-se que nossa natureza decaiu com Adão, e uma natureza decaída só pode ter um sofrimento religioso também abatido pela decadência. A natureza não pode se elevar sozinha; o sentimento religioso puramente natural não pode, de modo algum, levar o homem a Deus nem tirá-lo do pecado.
Com toda a religiosidade natural, este mesmo árabe conservará todos os vícios que infelizmente lhe são também naturais: ele será vaidoso, mentiroso, ladrão; praticará, por exemplo, a hospitalidade, mas sabendo por onde seu hóspede vai passar, mandará alguém para o assaltar, ou irá ele mesmo fazer ao longe o que não faria estando em sua tenda. Por este traço característico a senhora poderá reconhecer o sentimento natural; este sentimento nada vê, nada quer, nada pode contra o pecado. O sentimento religioso quando permanece em estado natural, é indiferente em matéria de religião. O sentimento religioso se acomoda a tudo, se arranja com tudo, se presta a tudo e não se entrega a nada. Perdão, pode entregar-se à maçonaria, ao menos quando os maçons reconhecem o Grande Arquiteto, como ele dizem.
Tendo mostrado o primeiro quadro, chego ao segundo.
- A Fé não é um sentimento, a Fé não é da ordem natural.
- A Fé é um assentimento de nosso espírito à verdade revelada por Deus. É um bem que não deriva de nossa natureza, mas lhe é dado para curá-la.
- A Fé é essencialmente purificante. Fide purificans corda – Purificando pela Fé os corações.(At. 15,9).
- A Fé esclarece o espírito e o despoja do erro; levanta o homem caído, recoloca-o no caminho de Deus: a Fé põe as bases da obra da salvação, encaminha o homem para o bem.
- A Fé é essencialmente fortificante. Confortus fide, diz São Paulo (Rom. 4,20). E ainda, Fide stas:se estás em pé, é pela Fé (id. 11,20).
- A Fé é vivificante: o justo vive da Fé, diz São Paulo (Gal. 3,11)
- Se o sentimento religioso nos deixa frios em relação a Nosso senhor Jesus Cristo, já não é assim com a Fé; pela Fé, Nosso Senhor Jesus Cristo se torna presente, vivo em nossos corações: Christum habitare per fidem in cordibus vestris – Cristo habite pela Fé em vossos corações. (Ef. 3,17).
- A Fé é o princípio de um mundo novo, regenerado em Jesus Cristo Nosso Senhor; a Fé é a luz que anuncia os esplendores da eternidade onde veremos Deus; a Fé é a mãe da santa Esperança e da divina Caridade.
- A Fé é sobre a terra, a fonte pura de todas as verdadeiras consolações. É ainda São Paulo quem nos diz: Simul consolari per eam quae invicem est, fidem vestram atque meam - Consolemo-nos juntos na Fé que nos é comum, a vós e a mim (Rom. 1,12).
Quando se fala da Fé, São Paulo é um mestre incomparável. Dele é que tomo uma última palavra para terminar esta carta: Saluta eos qui nos amant in fide - Saudai os que nos amam na Fé.
Digamos juntos: Credo.
Cartas sobre a Fé Pe. Emmanuel-André.