São Clemente de Roma |
A Escritura e os antigos Padres não nos informam nada sobre este ponto. Os autores se dividem em dois campos. Uns pensam que, durante os três dias da Paixão, os Apóstolos, tristes pela morte de seu mestre e dispersos como ovelhas sem pastor, se abstiveram de celebrar o santo sacrifício; mas que, a alegria de sua ressurreição tendo feito desaparecer sua tristeza, nada se opôs mais à que eles celebrassem imediatamente o sacrifício, a fim de prestar a Deus esta suprema homenagem, seja em ações de graças pela gloriosa ressurreição, seja para sua própria consolação e a dos fiéis.
O que parece persuadir que as coisas se passaram assim, é o fervor de seu zelo, o ardor de seu amor e outras razões convincentes apontadas por Raynaud[1]. Outros pretendem que os Apóstolos não ousaram desempenhar tão augusto mistério antes de estarem preparados à isso pela plenitude da graça divina, que eles deveriam receber com a vinda do Espírito Santo. Este último sentimento me parece mais provável, e penso que a melhor prova que se possa dar disso é que, segundo a opinião dos teólogos mais acreditados, a nova lei não estando ainda suficientemente promulgada, a antiga permaneceria em vigor até o dia de Pentecostes, e que não era conveniente que o sacrifício novo fosse ofertado antes que o antigo sacerdócio tivesse cessado.
Os Atos dos Apóstolos favorecem este sentimento; lemos aí, no capítulo II, "que os Apóstolos, tendo recebido o Espírito Santo, exortavam o povo à penitência", e imediatamente após vemos: "que eles preservavam na comunhão da fração do pão e na oração". São Lucas, relatando as mesmas palavras no capítulo Iº, antes de ter narrado a descida do Espírito Santo, não faz nenhuma menção da fração do pão: "Eles perseveravam, diz ele, juntos na oração", sem dúvida porque antes do dia de Pentecostes, o sacrifício e a comunhão não estavam ainda em uso. Hésichius apóia esta opinião, quando ele diz[2] que o sacrifício de Jesus Cristo foi conhecido e manifestado, "quando o Espírito Santo, por sua vinda, reuniu no cenáculo dos Apóstolos, os partos, os medos e as primícias de todas as nações". Pascasio, em seu livro do corpo e do sangue do Salvador[3], fala no mesmo sentido: "A partir do momento, diz ele, em que os Apóstolos foram regenerados pela vinda do Espírito Santo e embriagados pelo vinho da caridade, neste mesmo instante o cálice começou a ser consagrado na Igreja, pois este Espírito de verdade, que tinha feito deles homens-novos, lhes tinha instruído sobre toda a verdade e os tinha confirmado na plenitude da doutrina divina". Este sacrifício da Igreja cristã foi, portanto, ofertado pela primeira vez em Jerusalém, no próprio Cenáculo onde os Apóstolos tinham recebido o Espírito Santo, não por São Tiago, como afirma Génébrard[4], mas por São Pedro, o príncipe dos Apóstolos, como ensina Democare[5]. Não se pode, com efeito, atribuir este privilégio a ninguém mais conveniente do que São Pedro, que, por, servindo-me das palavras de São Leão, o Grande[6]: "Foi colocado por Jesus Cristo na liderança dos Apóstolos e de todos os Padres da Igreja, com o qual Deus, em sua bondade, quis partilhar seu poder". Astério Amasenus, em sua homilia sobre o Príncipe dos Apóstolos, diz com razão: "Assim como Pedro, como bispo e pastor de todos, anunciou por primeiro a doutrina de Jesus Cristo aos judeus e aos gentios, assim temos de crer que ele foi o primeiro que ofertou o santo sacrifício".
[1] Liv. de prim. c. 2.
[2] In cap. 9, Levit.
[3] Cap. 21.
[4] De Liturg. apost.
[5] De Miss., tom 2. cap. 3.
[6] Serm. 3, in sua Assumpt.
Cardinal Bona. De la Liturgie. 2ª éd. Tome Ie, Louis Vivès, Paris, 1874.