Tádzio França - repórter
Não é difícil imaginar que o clima e as paisagens de Natal e redondezas já inspiraram algum trecho da obra do escritor baiano Jorge Amado. Houve boas oportunidades para isso. No ano em que se comemora o centenário de nascimento (dia 10 de agosto de 1912) do autor de "Gabriela", "Tieta" e outras personagens que fazem parte do imaginário popular, as passagens dele pela capital potiguar poderão ser relembradas por registros de algumas privilegiadas testemunhas.
Acervo/TNJorge
Amado encontra Newton Navarro em sua última passagem por Natal, em
1978. No alto, com Zélia Gattai, Dorian Gray, Zaíra Caldas e Franklin
Jorge, num encontro que rendeu muitas histórias publicadas no livreto
Diário Amado. Acima, com Calazans Neto.
O escritor e jornalista Franklin Jorge reeditará em setembro a coletânea de crônicas que escreveu durante a badalada passagem de Amado por Natal em 1978. As histórias das muitas amizades que o baiano deixou em Natal - entre gente como Câmara Cascudo, Newton Navarro e Dorian Gray - renderiam um belo romance de memórias.
"Jorge Amado me surpreendeu em vários momentos de sua visita, pois demonstrou saber coisas sobre Natal que eu mesmo não conhecia", diz Franklin Jorge. Ele acompanhou toda a semana do escritor baiano em Natal, a partir de 08 de janeiro de 1978. Cada dia ganhou uma crônica que ele publicou na TRIBUNA DO NORTE sob o nome "Jornal Amado". Esses textos foram reunidos num livro em março do mesmo ano, pelo livreiro Carlos Lima, da Clima Artes Gráficas. Por ocasião dos seus 60 anos, e também pelo centenário de Jorge Amado, Franklin fará uma reedição fac-similar da obra pela editora FeedBack, em impressão pela gráfica OffSet. Sairá em setembro, junto com o livro "O céu de Ceará-Mirim".
TIETA DO AGRESTE NA RIBEIRA
Jorge Amado já era um consagrado autor de best-sellers em todas as vezes que esteve em Natal. A primeira vez, em 1959, participou de um festival de folclore ao lado de José Condé e Valdemir Cavalcante, e prestigiou em Mossoró o lançamento do livro "O homem que não gostava de cães", do amigo Milton Pedrosa; por lá encontrou os amigos do Partido Comunista, visitou salinas, e conheceu Tibau. Voltou em 1961, ao lado da cronista Eneida, sendo recebido por Djalma Maranhão. Em 1978, veio a convite de amigos para lançar o sucesso "Tieta do Agreste". Veio acompanhado de Zélia Gattai, do artista plástico Calazans Neto, e Auta Rosa. Foi uma das semanas mais movimentadas que o meio cultural natalense já teve.
CRÍTICAS À PAISAGEM URBANA
O escritor não queria badalação em solo natalense, mas abriu uma exceção para falar a todos numa entrevista coletiva realizada no dia 09/01, às 11h30, na Cooperativa de Jornalistas que ficava na Rua São Tomé, Cidade Alta. Jorge Amado falou sobre Glauber Rocha, o sucesso dos seus livros e a postura da crítica, censura, a situação política do País, tropicalismo, e suas novas impressões sobre Natal. O escritor ficou impressionado com o crescimento da cidade que ele havia conhecido "infinitamente menor", e fez até algumas considerações sobre urbanismo: defendeu o crescimento inteligente de São Luís (MA), "com apenas três edifícios de apartamento no centro", e criticou as "monstruosas torres de concreto" de Salvador. Eram os anos 70...
O hoje clássico "Tieta do Agreste" era uma novidade a ser celebrada em 1978. No Teatro Alberto Maranhão foi realizada a exposição "Onze gravuras para Tieta do Agreste", pelo artista plástico, ilustrador e cenógrafo Calazans Neto. Em seguida, o houve o lançamento do livro na então novíssima Livraria Clima, no prédio que ainda existe na avenida Dr Barata, Ribeira. Na ocasião do lançamento, foi realizada no mesmo dia uma exposição coletiva com nomes como Newton Navarro, Dorian Gray, Zaíra Caldas, Fernando Gurgel, Jordão, Franklin Jorge, Nivaldete Xavier, entre outros. ""O intercâmbio entre artistas realmente ocorria em Natal, eram outros tempos", ressalta Franklin.
AMADO, CASCUDO E DORIAN GRAY
A personalidade satírica e intelectual de Jorge Amado também marcou seus momentos natalenses. Em Pirangi, o baiano - então com 65 anos - foi confundido com outro conterrâneo célebre. "Uma senhora de meia-idade, de biquíni cavado, chegou sorridente e perguntou se ele era o Dorival Caymmi. Ele respondeu que era o irmão dele", conta Franklin. A primeira pessoa que Amado pediu pra visitar, em Natal, foi o amigo Câmara Cascudo, com quem já trocava longas correspondências. "Levei ele até Cascudo numa tarde, mas não pude ficar pra conferir todo o papo. Vi quando Amado cobrou de Cascudo um livro sobre Ceará-Mirim que este estava escrevendo", lembra.
Por duas ocasiões, Franklin saiu em dupla com Jorge Amado. Na primeira, o baiano pediu que ele o levasse para comprar livros na Livraria Universitária. "Pra minha surpresa, ele comprou dez livros...dele mesmo. Perguntei por quê. Ele respondeu que nunca se deve presentear os amigos com a cota de livros que as editoras dão, pois ao comprar os próprios livros, o autor ganha 10%. Achei aquilo incrível", diverte-se.
Na segunda ocasião, Amado quis ir ao Canto do Mangue. "Ele queria ir ao Bar da Elvira, uma pessoa tímida e simples que o encantava. Por lá, comemos tapioca com peixe frito e conversamos muito", diz. Consta que o livro "Os velhos marinheiros" (1961) teria uma passagem inspirada no Canto do Mangue.
Anos mais tarde, quando Franklin estava trabalhando em Mossoró, foi surpreendido por uma ligação de Jorge Amado. "Ele me achou por lá! Conversamos bastante e ele me contou causos engraçados sobre personagens de Mossoró. Amado tinha essa cultura de conservar amizades", afirma.
Retratos de Dorian Gray
O artista plástico Dorian Gray foi um dos cativados pela simpatia do escritor baiano. Dorian acompanhou o grupo no almoço à casa da irmã Zaíra Caldas, nas exposições, lançamentos, e passeios pelo litoral.
Dorian levou Jorge Amado até seu ateliê, e o presenteou com um quadro. "Jorge escolheu um que eu nem gostava muito, uma cena de marina. Mas ele adorou justamente aquele", lembra. Dorian registrou a lápis vários momentos daquela semana, e suas gravuras se tornaram ilustrações no livro que Franklin Jorge lançou em março de 78. "Fiz desenhos bem cotidianos, pois foi uma coisa vivida, e não sonhada. Registrei os banhos de mar e na lagoa de Pium, as conversas com Zélia e Calazans, e até mesmo a despedida no avião. São registros singelos e simples, já que o Jorge Amado se mostrou também assim, todo o tempo", recorda.