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Mitos litúrgicos - Sobre a Adoração Eucarística

CONTINUAMOS NOSSA série de postagens baseadas no estudo de Francisco Dockhorn com revisão teológica de Dom Antonio Carlos Rossi Keller, Bispo da Diocese de Frederico Westphalen - RS. As abordagens tem grande potencial para esclarecer muitas dúvidas comuns dos católicos de nossos tempos. Que seja útil.




Infelizmente, temos visto que muitos escritos sobre Liturgia editados no Brasil, assim como muitos cursos de Liturgia ao nosso redor tem se tornado uma “hora do conto”, em que se ensinam mitos que não correspondem à verdade da doutrina e da disciplina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Não nos referimos, evidentemente, à má intenção de quem promove ou ministra tais cursos, pois isso não nos cabe julgar. Nossa avaliação é puramente em nível de conteúdo. Com este estudo pretendemos demonstrar a flagrante contradição entre o que anda sendo ensinado sobre catolicismo "por aí" e o que prescreve, de fato, a autêntica doutrina católica.

[Veja todas as postagens que integram esta série sobre mitos litúrgicos]


Mito 2: “A Eucaristia é para ser consumida e não para ser adorada”

É para ser consumida e também adorada, sim senhor.

A Hóstia Consagrada é a Presença Real e substancial de Nosso Senhor, e por isso a Santa Igreja lhe dedica adoração. O Santo Padre, o Papa Emérito Bento XVI, resumiu e esclareceu magistralmente esta questão, - com tal clareza e precisão que tornou a sua solução extremamente simples:

"…Aconteceu às vezes de não se perceber com suficiente clareza a relação intrínseca entre a Santa Missa e a adoração do Santíssimo Sacramento; uma objeção então em voga, por exemplo, partia da ideia de que o Pão Eucarístico nos fora dado não para ser contemplado, mas (apenas) comido. Ora, tal contraposição, vista à luz da experiência de oração da Igreja, aparece realmente destituída de qualquer fundamento; já Santo Agostinho dissera: «Nemo autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit (…)peccemus non adorandoNinguém come desta Carne sem antes a adorar (…) pecaríamos se não a adorássemos». De fato, na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se conosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da Celebração Eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos.” (ExortaçãoSacramentum Caritatis, n.66, de 2006)

Dizer que a Eucaristia não é para ser adorada implica negar que a Hóstia Consagrada é o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou dizer que Jesus não é Deus, ou, ainda, que Deus não é digno de adoração.



Como visto no início deste breve estudo, temos hoje certos "professores de Teologia" (que também escrevem e publicam artigos) que nos levam a crer que sejam mais admiradores do fictício Forrest Gump, o famoso "contador de histórias" vivido por Tom Hanks no cinema, do que pesquisadores realmente interessados; dentre estes, alguns chegam a sustentar que teria ocorrido um suposto desvirtuamento da fé eucarística no segundo milênio da era cristã, que fez com que a Hóstia e o Vinho consagrados fossem guardados longe do "povo", em armários trancados chamados Sacrários. Na realidade, os receptáculos usados para armazenar a Sagrada Eucaristia, que hoje chamamos de Sacrário ou Tabernáculo, mudaram de forma, material e local no correr dos tempos, mas sempre tiveram o mesmo propósito: o de guardar a Santíssima Eucaristia em local seguro e digno.1

O zelo pela Eucaristia era o motivo pelo qual os primeiros cristãos ocultavam suas celebrações não só dos pagãos como também dos catecúmenos (ou catequizandos, isto é, os aprendizes do Evangelho, aos quais era permitido assistirem, da Missa, somente a Liturgia da Palavra): evitar que o conhecimento do Mistério Eucarístico pelos inimigos da Igreja causasse profanações e sacrilégios contra o Santíssimo Dom do Corpo e Sangue do Cristo.

As Espécies Eucarísticas eram objeto de adoração direta já nos primeiros séculos da Igreja
, e a esse respeto temos fartos testemunhos, como o das disposições de um bispo de Corinto, escritas antes da Pax Constantiniana (313) e recolhidas nos estudos litúrgicos do Cardeal De Bona, que permitem a Comunhão em casa (haja vista ser difícil pelas circunstâncias de perseguições que os fiéis conseguissem tomar parte nas Celebrações Eucarísticas). O mencionado texto dispõe que o fiel deposite a Eucaristia em um Altar (ou mesa com toalha, caso não houvesse oratório em casa), queime incenso, cante o Trisagion('Santo Deus, Santo Poderoso, Santo Imortal, tende piedade de nós'), recite o Credo, ajoelhe e, somente depois de todos estes gestos de clara adoração, poderia então comungar do Corpo de Cristo.2

A Liturgia da Igreja, com o passar dos tempos, sempre procurou aumentar os gestos, palavras e elementos externos que pudessem colocar em evidência a Presença real de Jesus no Pão e no Vinho consagrados, pelo simples fato de que essa consciência é fundamental. E foi com esse propósito que foi instituída a Solenidade deCorpus Christi, no século XIII.3



"De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito Carne por força do Verbo de Deus, teve Carne e Sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças; Alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne, é a Carne e o Sangue daquele mesmo Jesus encarnado. Foi isso que os Apóstolos, nas Memórias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que assim foi mandado a eles, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: ‘Fazei isto em memória de mim, este é o meu Corpo’. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: ‘Este é o meu Sangue’.” (São Justino de Roma, I Apologia, 66)

O registro histórico acima, de São Justino de Roma, mártir, nascido aprox. no ano 100 dC, está entre os abundantes testemunhos da fé da Igreja Primitiva na Presença Real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.Desde os primeiros séculos da Igreja, porém, os escritores sacros buscavam realçar a identidade do Corpo Eucarístico com o Corpo do Senhor Jesus4, que pela nossa salvação padeceu a pavorosa morte de cruz: Cristo está inteiramente Presente nas Espécies Eucarísticas, inclusive com seu Corpo e Sangue, que assumiu ao tomar natureza humana e que foi glorificado em Sua Ressurreição. O mesmo Jesus que nasceu em Belém, sob o reinado de Herodes, que viveu e pregou na Palestina, que padeceu e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, que ressuscitou dos mortos, que subiu aos Céus com Seu Corpo Glorioso e está assentado à Direita de Deus Pai Todo-Poderoso, espera por cada um de nós e entra em Comunhão (comum união) conosco a cada Santa Missa. Infinitamente mais do que uma mera refeição de pacto entre irmãos, a Eucaristia é o Banquete Sacrifical no qual pão e vinho são transformados no próprio Cristo, o Cordeiro de Deus imolado, que substituiu todo sacrifício imperfeito da Antiga Aliança.




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Notas de Referência:

1. Para mais informações sobre a História do Sacrário, vide: DIEHL, Rafael de Mesquita. A História e o sentido do Sacrário na Liturgia. Em:http://salvemaliturgia.com/2010/07/historia-e-sentido-do-sacrario-na.html 


2. “O cardeal Bona, em seu Rerum Liturgicarum (nº 17), cita o texto das disposições emitidas por um bispo de Corinto, que permitem conhecer o rito de uma comunhão doméstica, nos seguintes termos: “Se vossa casa for dotada de um oratório, depositareis sobre o Altar o vaso que contém a Eucaristia. Se faltar o oratório, sobre uma mesa decente. Estendereis um pequeno véu sobre a mesa e lá depositareis as Sagradas Partículas; queimareis alguns grãos de incenso e cantareis o Trisagion [o nosso Sanctus, ndr.] e o Símbolo; então, depois de terdes feito as genuflexões, em sinal de adoração, absorvereis religiosamente o Corpo de Jesus Cristo”. PIACENZA, Mauro. O Receptáculo da Eucaristia. In: Revista 30 Dias. Junho de 2005. In:http://30giorni.it/articoli_id_9093_l6.htm?id=9093 


3. "Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião é justo que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória. Com efeito, as outras coisas que comemoramos, compreendemo-las com o espírito e com a mente, mas não por isso alcançamos a sua Presença Real. Ao contrário, nesta comemoração sacramental de Cristo, ainda que seja de outra forma, Jesus Cristo está presente no meio de nós na sua própria Substância. Com efeito, quando estava prestes a subir ao Céu, Ele disse: 'Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo' (Mt 28, 20)". URBANO IV, Papa. BulaTransiturus de hoc mundo. 11 de agosto de 1264. Citado em: http://pt.josemariaescriva.info/artigo/porquea-a-festa-do-corpo-de-deus3f 


4. Um texto esclarecedor de Pe. Wagner Luís Galvão, SDB, recolhe diversas citações de várias épocas sobre a Eucaristia como Presença Real de Cristo:http://pewagner.blogspot.com.br/2010/04/eucaristia-pao-da-vida-em-deus.html 


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Fontes:

• Artigo "Mitos litúrgicos", do Website "Presbíteros", Associação Presbíteros, disponível em:
http://presbiteros.com.br/site/mitos-liturgicos/
Acesso 21/3/014


• Artigo "A Adoração Eucarística é uma invenção medieval?", de Rafael de Mesquita Diehl, do website "Salvem a Liturgia", disponível em: 
http://www.salvemaliturgia.com/2012/06/adoracao-eucaristica-e-uma-invencao.html
Acesso 26/3/014
ofielcatolico.com.br

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