Autor: Cleber Nunes Kraus
Biólogo e Mestrando em Ecologia – UnB / Membro da Oficina de Valores
Nas redes sociais, tem feito sucesso um vídeo bastante engraçado do grande escritor Ariano Suassuna, em que ele se diz totalmente descrente em relação à teoria da evolução das espécies. De modo simples, ele toca em pontos fundamentais, que incentivam a nossa reflexão.
O tema “Criação X evolução” é, sem dúvida, um dos mais debatidos entre grupos religiosos (que acreditam na Bíblia) e a galera que não acredita na Bíblia. Bem, a principal discussão se dá por contraposição, como se criação e evolução fossem antagônicas e pudessem ser opostas, só porque tratam do mesmo assunto. Desculpa decepcionar os que assim pensam, mas essa comparação é impossível! Criação e Evolução são noções que estão em âmbitos distintos do conhecimento; contrapô-las é uma “armadilha” na qual infelizmente caem muitas pessoas sérias, religiosas ou não.
“Criação“ é um termo filosófico e teológico que quer dizer: dar o ser ao que não o tinha totalmente, sem uma causa material pré-existente. Já “Evolução” é um termo da biologia que supõe que os seres existentes sofrem mutações, se transformam, ganham características que não possuíam anteriormente. Esse vídeo da “Evolução do Homer” ilustra muito bem a teoria:
Partindo da definição do que é cada coisa, já percebemos que é perfeitamente possível CONCILIAR esses dois pontos de vista. Então, de cara, já fica respondida uma questão: um cristão pode acreditar na evolução? Sim, pode! A criação nos diz que tudo que existe foi criado por Deus e a evolução nos diz como os organismos que existem evoluíram até as formas que temos hoje.
A confusão para muitos cristãos começa quando se toma o livro do Gênesis de forma literal. Porém, a essência do livro é que tudo que existe foi criado por Deus; essa é uma verdade de fé da Igreja Católica e a professamos em nosso credo: “Creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da terra”.
É importante ressaltar que a Bíblia não é um livro de ciências e não pode ser lido como tal. A Bíblia é um livro de fé e serve a teologia e a filosofia e é delas que vem a noção de criação. Deus não quis inspirar os autores bíblicos quanto a noções de ciência, afinal, o objetivo não era produzir uma obra de referência científica; os autores do Gênesis foram, sim, inspirados quanto às verdades de fé e de moral. Então, vale lembrar que cada livro bíblico foi escrito com sua linguagem própria e cada autor imprimiu em seu texto as influências do contexto cultural e científico específico de sua época.
O Gênesis diz que o mundo foi criado em seis dias. E o que devemos concluir dessa informação? É simples: a criação divina foi um processo e não um instante. Esses dias podem significar anos, séculos, milênios… não importa. O fato é que tudo foi um processo criador e não instantâneo. Portanto, a própria Escritura nos fala de certo processo evolutivo na criação. E todas as criaturas são meios para se conhecer a Deus, acessíveis a todos os homens (leiam Sab. 13, Sl 8 e Rom 1).
Se, por um lado, é um vacilo interpretar o Gênesis de modo literal, por outro lado, é um erro muito comum acreditar que a evolução é a explicação de tudo que existe. A teoria da evolução proposta por Darwin explica somente a diversidade de espécies que existem; portanto, não serve para explicar a criação do planeta. Para isso usamos outra teoria: a do Big Bang (que, aliás, foi concebida por um padre católico, Lemaître). Para que vocês entendam melhor essa questão, sugiro muito a leitura deste outro texto (clique aqui), do blog “Oficina de Valores”.
Para que haja uma conciliação entre a crença judaico-cristã da criação e a teoria da evolução, é preciso levar em consideração os três pontos a seguir.
1) A origem de todo o processo de surgimento do universo não pode ser explicada como uma simples mudança. O início de tudo tem que ser um ato criador de um ser supremo (Deus que tem uma potência infinita); as ciências não podem afirmar o que está fora do seu objeto de estudo, não podem afirmar a Deus com certeza científica, mas podem e devem postular o tal princípio de tudo.
De fato, saindo da evolução e entrando na teoria do Big Bang, todo o universo criado (com os planetas, galáxias e tudo mais que existe de matéria) estava concentrado em um único lugar e isso explodiu. Porém, a ciência não explica de onde veio toda essa matéria. Para alguns ateus famosos, tudo que existe veio do nada absoluto. Ora, como TUDO pode vir do NADA absoluto? Tudo era só possibilidade que colapsou e criou tudo. Não pregamos um Deus de lacunas, não é isso; mas a origem de tudo tem que vir de uma causa não causada, como diz São Tomás de Aquino. Algo que existe antes de tudo e que possibilita que tudo possa existir.
2) Deve-se aceitar uma nova intervenção de uma causa superior (de Deus) no momento da passagem do estado inorgânico para o orgânico, pois os efeitos são aqui superiores às causas. A origem dos organismos não é fruto do acaso, mas sim parte da obra criadora de Deus dentro daqueles “seis dias”.
3) Deve-se aceitar uma outra intervenção divina no momento da criação do homem, que é infinitamente superior a tudo o que foi criado. Ali a criação recebe algo novo, que não estava previsto no processo evolutivo: o homem recebe uma alma racional e imortal. Em termos de evolução, podemos dizer que essa intervenção está no desenvolvimento da capacidade cerebral do homem, que é sem precedentes na história evolutiva de qualquer espécie. Nunca se viu uma evolução tão rápida e tão perfeita de uma característica tão complexa quanto o desenvolvimento da capacidade cerebral!
Dessa forma, a noção de “criação” explica a origem de todas as coisas e a noção de “evolução” se propõe a explicar o desenvolvimento orgânico do criado. Por isso, o Papa Pio XII disse que “o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo” (Humani Generis), desde que nós católicos tenhamos a devida prudência para nos manter fiéis às verdades reveladas pela Tradição da Igreja sobre a origem do gênero humano.