“Tunc accedens Petrus ad eum dixit Domine quotiens peccabit in me frater meus et dimittam ei usque septies? Dicit illi Iesus non dico tibi usque septies sed usque septuagies septies” Evangelium secundum Matthaeum, 18,21-22
Quando sofremos algum ataque, seja físico ou pelo sentimento, nosso sistema se prepara para reagir. O que fazer com toda essa carga energética que foi gerada dentro de nós? Entregar a Deus e pedir que Ele perdoe quem nos feriu? Seria o rancor como uma predisposição para cometer atos de vinganças? O rancor consistiria em todos os comportamentos que denunciam no indivíduo uma considerável probabilidade dele executar um ato de retaliação? Nunca saberemos, pois as definições de dicionário são prolixas, para dizer o mínimo.
Para exemplificar um caso de pedido de perdão e a reação da pessoa magoada, ilustro com uma cena da novela Vale Tudo em que o personagem Afonso tenta se desculpar por um erro cometido no passado, solicito que assistem dos 24:57 até os 31:51 para compreensão do artigo, que será trabalhado nesse trecho da ficção:
O perdão é mandamento divino! É a base para toda a vida da caridade. Lembre-se que Cristo disse: Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. (Mt 5,43s). Ou seja, Cristo aqui está claramente dando uma nova dimensão à Lei, não apenas propondo algo acessório.
Ainda: Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete (Mt 18, 21s). Estaria Nosso Senhor sendo tão enfático se a necessidade dessa virtude não fosse capital?
Essa ordem divina nos parece muito pesada, e de fato o ser humano não é capaz, com suas próprias forças, de vivenciá-la, pois somos débeis. Segundo Chesterton, as três virtudes cardeais são virtudes sobrenaturais porque necessitamos da graça divina para exercê-las; elas não estão ao nosso alcance imediato. Exercer a caridade é, em muitos casos, conseguir perdoar o que é humanamente imperdoável -- e aí reside a beleza e magníficência deste dom.
Isso, longe de nos desanimar, deveria nos encher de esperança, pois sabemos que com Deus o impossível se torna possível. Se tivermos a humildade de reconhecer que dependemos de Deus para viver a vida que Ele espera de nós, não será difícil aceitar o perdão às mais cruéis pessoas e aos nossos maiores malfeitores.
Temos ainda que ter em conta que perdoar, além de ser um ato de fé, de humildade e de confiança (em Deus, na justiça divina, que não é igual à nossa), não significa tratar o inimigo como nosso melhor amigo. “Simpatia” e “boa convivência” não tem nada a ver com perdão. Muito pelo contrário, muitas vezes temos que abrir mão dessas conveniências para com o outro, para prestar-lhe um bem maior. É quando exortamos alguém a deixar o erro, ou a se envergonhar dos próprios atos, ou mesmo a pagar com compunção pelos seus crimes. Perdoar não é abrir mão do senso de justiça, mas um constante lembrar-se de que também somos pecadores e não temos direito algum de exigir ou de arbitrar pela justiça perfeita, que só cabe a Deus. E que não somos meritórios de nada, para arbitrar também sobre os méritos e deméritos dos outros.
Aquele que te fez mal, talvez tenha perdido o bom convívio contigo, a tua confiança, mas não pode perder o seu amor e o seu perdão, mesmo que esse amor se resuma a reconhecer o que foi dito acima, e de orar pela sua conversão (para Deus nada é impossível, lembram-se?). Não é nem mesmo necessário que você esqueça o mal que essa pessoa te causou, (embora às vezes isso seja recomendável para o teu próprio bem), mas apenas que não faça dessa lembrança uma causa de auto-piedade mórbida e orgulhosa, como se fizéssemos algo de bom para não ter merecido aquele mal.
Pe. Paulo Ricardo costuma dizer que mesmo o menor dos pecados veniais nos torna merecedores do Inferno. Se é assim, o que dizer dos males físicos e transitórios que possamos vir a passar nessa vida passageira? Ao invés de nos apegarmos a esse mal, façamos dele uma mortificação, para nos lembramos que sempre precisamos nos empenhar mais na vida da santidade. Lembrem-se: De sua parte, Deus lhe cobrará suas boas obras, não os sofrimentos pelos quais você possa ter passado.
A parte da oração do Pai-Nosso, ensinada pelo próprio Senhor nosso Jesus Cristo, na qual pedimos para que Deus perdoe os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Penso que não rezamos assim por mero automatismo, antes, por medida lógica. Como perdoar aquele que não perdoa? Por quê quereria receber o perdão alguém que não o concede?
Se queremos, de fato, ser perdoados por Deus, é por este perdão que tanto ansiamos receber que perdoamos aos outros. É por amor a Deus que buscamos, de todo o coração, não guadar sentimentos rancorosos, mesmo que muito difícil.
São Josemaria Escrivá de Balaguer diz:
“Doem-te as faltas de caridade do próximo para contigo. Quanto não hão de doer a Deus as tuas faltas de caridade - de Amor - para com Ele?” (Caminho, ponto 441).
Não se caracteriza, por acaso, falta de caridade para com Deus não perdoar aos outros? Quanto não dói, então, em Deus? Uma vez mais, é por amor a Deus, por cuidado até mesmo de não Lhe causar dor, que perdoamos aos outros. Isto exige luta; não é fácil, mas não é impossível.
“Esforça-te, se é preciso, por perdoar sempre aos que te ofendem, desde o primeiro instante, já que, por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti.” (Ibid. ponto 452).
Fixe teu olhar em Nosso Senhor, só Ele não muda, só Ele não decepciona. Tire seu olhar das pessoas:
“Soltaram-se as línguas e sofreste desfeitas que te feriram mais porque não as esperavas. A tua reação sobrenatural deve ser a de perdoar - e mesmo pedir perdão - e aproveitar a experiência para desapegar-te das criaturas.” (Ibd. ponto 689).
Transcrição de um trecho do “A Fé Explicada”:
“A seguir, vem a parte mais dura do Pai-Nosso: Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos custa pedir a Deus que perdoe os nossos pecados, mas fazer depender esse perdão da generosidade com que perdoamos aos que têm nos ofendido é às vezes muito duro: especialmente quando sofremos uma injúria verdadeira às mãos de outro, se aquele que pensávamos ser nosso amigo nos trai, se o colega em quem confiávamos espalha difamações sobre nós, prejudicando a nossa reputação, se somos tratados injustamente pelo nosso chefe.
Temos que perdoar se esperamos ser perdoados. Porque, se vós perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai Celeste vos perdoará. Mas se não perdoardes aos homens, tampouco o vosso Pai perdoará os vossos pecados (Mt 6,14s). Estamos tocando o centro nevrálgico da vida e da prática cristãs quando somos capazes de amar o pecador e, ao mesmo tempo, detestar o pecado. Cristo disse noutro lugar: Eu, porém, vos digo: Amais os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e perseguem. Desse modo sereis filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos. (Mt 5,44s). Este é o sinal de que pertencemos a Cristo. Isto é o que na vida interior distingue os homens das crianças.”
A Fé Explicada: Padre Leo John Trese. pág 466.
Perdoar é ato humano, não sentimento. Do contrário, não seria passível de moralidade.
Perdoar não significa esquecer. Não perdemos a memória quando perdoamos.
Não há oração que não seja atendida por Deus e Santa Tereza nos disse: “se quiseres de fato fazer algo para Deus, Ele te ajudará a faze-lo”
O perdão é possível, em Deus. A questão é: É difícil perdoar 100%? Nunca saberemos, espero que sim para que possa mos viver melhor na vida que lhe resta e para poder passar isso aos filhos.
Mas que é terrível, é.
Há de fato casos terríveis. Mas duas coisas a meu ver, devem ser levadas em consideração: nossa vontade, por amor à Deus, de perdoar e a graça santíssima do Senhor que nos ajuda a faze-lo.
Perdoamos, não olhando a agressor, mas à Deus que nos pede isso. Ele nos amou e nos perdoou em sua misericórdia infinita e pede o mesmo a nós, que somos seus filhos e como Ele deve viver e amar. A prova do amor e do perdão de Deus a nós, foi a morte sangrenta de Cristo. Ele poderia te-lo feito diferente, mas quis assim, para demonstrar com atos este amor.
Ele não nos pede o impossível, mas sabe que se de fato tivermos este desejo, repito, por amor a Ele, não negará Sua ajuda.
Logicamente não passei pelo exemplo da ficção passou, mas passei por algo terrível e posso dizer que perdoei as pessoas, com a ajuda de Deus. Se queremos ser livres, vivermos livres para Deus, o perdão é condição. E Ele é fiel.
Não somos obrigados a retornar a amizade nem saudar ninguém que nos ofenderam, mesmo já tendo perdoado no coração, e esse perdão não precisa ser necessariamente público.