Para comungar do Corpo e Sangue do Senhor, “não basta a fé, mas é preciso perseverar na graça santificante e na caridade”
O Doutor Angélico, ao falar do sacramento da Eucaristia, ensina que este é o maior de todos os sacramentos, porque, “ao passo que nos outros sacramentos está contida uma certa virtude instrumental participada de Cristo”, “nele está contido o próprio Cristo substancialmente” [1]. Por esse motivo, a Igreja sempre prestou a este sacramento o culto de adoração, reconhecendo que, debaixo do véu das espécies eucarísticas, estava escondido, realmente, ninguém menos que o próprio Deus.
Ao falar de “comunhão”, então, é preciso reconhecer, com coragem, o primado de Deus. Na celebração da Santa Missa, quando os fiéis se aproximam da mesa eucarística, devem ter em mente que aquele ato de “comunhão” é apenas um sinal visível de algo que já acontece invisivelmente em sua alma, em estado de amizade com o Senhor. São João Paulo II ensina que “a integridade dos vínculos invisíveis é um dever moral concreto do cristão que queira participar plenamente na Eucaristia, comungando o corpo e o sangue de Cristo”. E acrescenta: “Não basta a fé; mas é preciso perseverar na graça santificante e na caridade” [2].
Por isso o Apóstolo já advertia à comunidade de Corinto que se examinasse antes de aproximar-se da Eucaristia, pois “quem comer o pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor” [3]. Na mesma linha, São João Crisóstomo levantava a sua voz, pedindo aos fiéis que não se abeirassem “desta Mesa sagrada com uma consciência manchada e corrompida”: “De fato, uma tal aproximação nunca poderá chamar-se comunhão, ainda que toquemos mil vezes o corpo do Senhor, mas condenação, tormento e redobrados castigos” [4]. O Concílio de Trento corroborou este costume da Igreja, afirmando que “é preciso um exame para que ninguém, por mais contrito que ele considere, se aproxime da sagrada Eucaristia sem antes confessar sacramentalmente, caso esteja consciente de algum pecado mortal” [5].
Hoje, no entanto, algumas pessoas têm, senão negado esse ensinamento, pelo menos obscurecido sua importância. Tratam a Eucaristia com irreverência e desrespeito, distribuem a comunhão como quem distribui qualquer coisa no meio da rua e querem porque querem que todas as pessoas comunguem, mesmo que nem todas estejam verdadeiramente em comunhão com Cristo, isto é, em estado de graça.
Não se quer, com isso, negar o grande dom que é participar da comunhão frequente, nem criar uma “casta” dentro da Igreja, transformando-a numa “alfândega”. Como escreveu o Papa Francisco, “a Eucaristia (…) não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” [6]. E ainda Santo Ambrósio: “Devo recebê-lo sempre, para que sempre perdoe os meus pecados. Se peco continuamente, devo ter sempre um remédio” [7]. A cada pessoa, porém, deve ser dado o remédio adequado à sua enfermidade, como indica o Aquinate:
“Não é qualquer remédio que convém a qualquer doente. Assim, o remédio para fortificar os que já não têm febre, faria mal dos febricitantes. Assim também o batismo e a penitência são remédios purificativos, para tirar a febre do pecado. Ao passo que este sacramento [a Eucaristia] é um remédio fortificante, que não deve ser dado senão aos que se livraram do pecado.” [8]
Por isso, São João Paulo II sublinha a íntima união entre o sacramento da Eucaristia e o sacramento da Penitência: “Se a Eucaristia torna presente o sacrifício redentor da cruz, perpetuando-o sacramentalmente, isso significa que deriva dela uma contínua exigência de conversão” [9].
A quem se encontra com a alma manchada pelo pecado mortal, ao invés de ofender mais a Nosso Senhor aproximando-se da Eucaristia, é preferível que faça a já conhecida prática da “comunhão espiritual”. Santa Teresa de Jesus recomendava essa devoção às suas irmãs: “Quando não comungardes, filhas, e ouvirdes Missa, podeis comungar espiritualmente, que é de grandíssimo proveito, e fazer depois o mesmo de vos recolherdes em vós, que assim se imprime muito o amor deste Senhor” [10]. Assim, o desejo de receber a Eucaristia, da qual sobressai com força o “primado de Deus”, tornará essas pessoas cada vez mais unidas a Cristo, preparando-as para o arrependimento de seus pecados e a reconciliação com Deus.
Àqueles que se encontram em estado de graça, mas feridos pelos pecados veniais e pelos defeitos pessoais, no caminho da purificação, não devem deixar de recorrer ao sacramento da Eucaristia, tomando-o como “remédio fortificante”, para que os ajudem na luta contra o mal e na própria santificação.