Um
bom texto para reflexão do poder colonizador da mídia brasileira,
principalmente a Rede Globo. Se você tem interesse nessa área e na
política é um prato cheio. Bem sensato e que nos faz refletir sobre o
caso.
O interesse público na mudança do comando da Globo
Comentário aos post "Mudanças na diretoria da Globo"
Ontem, o Jornal Nacional anunciou mudanças em sua cúpula num longo comunicado lido pela voz mansa e servil de William Bonner. A extensão da mensagem, no caso, era plenamente justificada. Ainda que não tenhamos sinais de mudança radical na orientação jornalística da emissora, qualquer alteração, por menor que seja, no comando da Rede Globo ganha interesse público, pois diz respeito ao controle sobre uma parte substancial dos mecanismos de formação da opinião pública no país. Apesar do interesse PÚBLICO inegável, o debate sobre esse tipo de mudança é feito entre quatro paredes, e a sociedade não tem a menor possibilidade de interferir no processo. Por outro lado, o interesse de uma organização gigantesca como a Globo no processo político é evidente. A emissora apoiou abertamente o regime militar, boicotou as diretas, criou a candidatura Collor, capitaneou o movimento pelo impeachment de Collor, apoiou criticamente o governo Fernando Henrique (manter o laço sempre armado faz parte da estratégia de poder), e desde 2002 dedica-se noite e dia a desgastar a imagem do PT e de Lula.
O que falta ao PT para enfrentar personagens realmente grandes, como a Rede Globo? Falta ser um partido grande, que dê sustentação efetiva e mais ou menos independente ao Executivo e seja capaz de matar no nascedouro as tentativas de golpe via impeachment. Lula pôs a governabilidade acima de tudo. Para não ferir suscetibilidades, em mais de uma ocasião deixou de apoiar o partido em eleições regionais. Matou lideranças que nasciam em favor de outras, antigas e corruptas, que o apoiavam. No final, precoupou-se em renovar o partio, com Dilma e agora com Haddad. Mas o partido como um todo ainda é fraco, e é isso que torna inviável a elaboração de leis que democratizem efetivamente o exercício da liberdade de opinião, fazendo com que a vitrine de uma emissora do porte da Rede Globo esteja realmente acessível a diferentes correntes de pensamento, e não continue sendo aquilo que ela é hoje - um mero instrumento de manipulação ideológica das massas.
O PT jamais será um partido confiável aos olhos da Rede Globo. O que a emissora puder fazer para manter o partido com uma dimensão reduzida, ela fará. Não é exclusividade do PT. De modo geral, nenhum partido e nenhum político é plenamente confiável do ponto de vista de um grande órgão de imprensa. A imprensa se vê, hoje, como um quarto poder, e EXERCE esse poder em toda a sua extensão, relacionando-se com os outros três levando em conta os seus INTERESSES no jogo, e nada mais. Demóstenes Torres e José Roberto Arruda só eram "confiáveis" aos olhos da revista Veja porque estavam associados ao MESMO bicheiro ao qual ela própria se associou. Pertenciam, digamos assim, ao mesmo organograma. A revista sabia que poderia detonar qualquer um dos dois quando bem entendesse, e por isso os apoiava e lutava para que chegassem à Presidência da República. Não os apoiava "apesar" de saber que tinham ligações com o crime organizado. Apoiava-os EXATAMENTE por isso: por serem "confiáveis", por poderem ser destruídos a qualquer tempo. A não ser por isso - por ter se tornado, em função dos próprios deslizes, num fantoche facilmente manipulável - NENHUM político é confiável aos olhos de uma Rede Globo, de uma revista Veja, ou de uma Folha de São Paulo. TODOS eles podem ser aliados ocasionais, mas continuam sendo sempre inimigos potenciais. Vem daí a filosofia que eles TODOS compartilham: "Se hay gobierno, yo soy contra!" A primeira providência que tomam, assim que um novo governante sobe ao poder, é fragilizá-lo com uma chuva de denúncias reais ou fabricadas, acuando-o, fazendo-o ficar à mercê de sua boa vontade. Foi o que fizeram com Fernando Henrique Cardoso (se quem me lê não se lembra disso, a culpa não é minha - consultem os arquivos), foi o que fizeram (em dose dupla) com Lula, é o que estão fazendo (ora mais, ora menos) com Dilma, e é o que farão com qualquer um que tenha a caneta o Poder Executivo em suas mãos.
Só será possível romper essa lógica e partir para o enfrentamento dos conglomerados de comunicação no Brasil caso tenhamos um presidente fortemente respaldado por um partido político de esquerda - um partido capaz de lhe dar sustentação no Congresso contra tentativas de golpe branco, via denúncias seletivas e campanhas de difamação. O PSDB esgotou-se enquanto partido da SOCIAL-DEMOCRACIA brasileira. Hoje, o partido capaz de levar adiante essa bandeira é o PT. Enquanto não tivermos um PARTIDO forte, é impensável imaginar um enfrentamento de uma máquina ideológica do porte da Rede Globo. Esse é o dado básico que deveria ser levado em conta na hora de sabotar candidaturas locais em nome de associações nacionais.
A troca de comando, anunciada ontem na Rede Globo tinha um formato nitidamente stalinista. Imagino que uma reforma ministerial era anunciada pelo rádio na URSS dos anos 30 da mesma forma, no mesmo tom neutro, impositivo, projetado contra do pano de fundo de um poder incontrastável, envolto na sonoridade solene de um sobrenome quase mítico - "Stalin" para eles, "Marinho" para nós. Sem eliminar esse stalinismo vigente na mídia brasileira, não existe a menor esperança de construirmos uma democracia que não se resuma a um simples jogo formal de apertar um botãozinho numa urna eletrônica a cada quatro anos. Enquanto comunicados como o de ontem à noite continuarem determinando os rumos da discussão política socialmente compartilhada, jamais evoluiremos da mera liberdade de ESCOLHA para uma efetiva liberdade de DELIBERAÇÃO, em que a discussão se articula a partir do contraditório. Não precisamos de um líder. Precisamos de um PARTIDO. Líderes podem ser facilmente descartados, e nada podem contra estruturas estabelecidas. Essa é a próxima etapa a ser vencida na construção da democracia brasileira e mundial: a afirmação do Estado democrático sobre organizações stalinistas que colonizam porções imensas da vida social. Lula foi, é e continuará sendo importante como líder. Para enfrentar a Rede Globo, no entanto, ele é menos que nada. Sem um partido forte, comunicados como o de ontem à noite continuarão ditando os destinos da circulação de informações e de idéias no país todo, decidindo o que pode e o que não pode ser dito, o que deve ser posto em discussão e o que deve continuar sendo um tabu, que crimes são urgente e importantes, que crimes devem ser esquecidos, quem pode continuar governando e quem deve ser apeado do poder porque não se mostrou suficientemente confiável.
O interesse público na mudança do comando da Globo
Comentário aos post "Mudanças na diretoria da Globo"
Ontem, o Jornal Nacional anunciou mudanças em sua cúpula num longo comunicado lido pela voz mansa e servil de William Bonner. A extensão da mensagem, no caso, era plenamente justificada. Ainda que não tenhamos sinais de mudança radical na orientação jornalística da emissora, qualquer alteração, por menor que seja, no comando da Rede Globo ganha interesse público, pois diz respeito ao controle sobre uma parte substancial dos mecanismos de formação da opinião pública no país. Apesar do interesse PÚBLICO inegável, o debate sobre esse tipo de mudança é feito entre quatro paredes, e a sociedade não tem a menor possibilidade de interferir no processo. Por outro lado, o interesse de uma organização gigantesca como a Globo no processo político é evidente. A emissora apoiou abertamente o regime militar, boicotou as diretas, criou a candidatura Collor, capitaneou o movimento pelo impeachment de Collor, apoiou criticamente o governo Fernando Henrique (manter o laço sempre armado faz parte da estratégia de poder), e desde 2002 dedica-se noite e dia a desgastar a imagem do PT e de Lula.
O que falta ao PT para enfrentar personagens realmente grandes, como a Rede Globo? Falta ser um partido grande, que dê sustentação efetiva e mais ou menos independente ao Executivo e seja capaz de matar no nascedouro as tentativas de golpe via impeachment. Lula pôs a governabilidade acima de tudo. Para não ferir suscetibilidades, em mais de uma ocasião deixou de apoiar o partido em eleições regionais. Matou lideranças que nasciam em favor de outras, antigas e corruptas, que o apoiavam. No final, precoupou-se em renovar o partio, com Dilma e agora com Haddad. Mas o partido como um todo ainda é fraco, e é isso que torna inviável a elaboração de leis que democratizem efetivamente o exercício da liberdade de opinião, fazendo com que a vitrine de uma emissora do porte da Rede Globo esteja realmente acessível a diferentes correntes de pensamento, e não continue sendo aquilo que ela é hoje - um mero instrumento de manipulação ideológica das massas.
O PT jamais será um partido confiável aos olhos da Rede Globo. O que a emissora puder fazer para manter o partido com uma dimensão reduzida, ela fará. Não é exclusividade do PT. De modo geral, nenhum partido e nenhum político é plenamente confiável do ponto de vista de um grande órgão de imprensa. A imprensa se vê, hoje, como um quarto poder, e EXERCE esse poder em toda a sua extensão, relacionando-se com os outros três levando em conta os seus INTERESSES no jogo, e nada mais. Demóstenes Torres e José Roberto Arruda só eram "confiáveis" aos olhos da revista Veja porque estavam associados ao MESMO bicheiro ao qual ela própria se associou. Pertenciam, digamos assim, ao mesmo organograma. A revista sabia que poderia detonar qualquer um dos dois quando bem entendesse, e por isso os apoiava e lutava para que chegassem à Presidência da República. Não os apoiava "apesar" de saber que tinham ligações com o crime organizado. Apoiava-os EXATAMENTE por isso: por serem "confiáveis", por poderem ser destruídos a qualquer tempo. A não ser por isso - por ter se tornado, em função dos próprios deslizes, num fantoche facilmente manipulável - NENHUM político é confiável aos olhos de uma Rede Globo, de uma revista Veja, ou de uma Folha de São Paulo. TODOS eles podem ser aliados ocasionais, mas continuam sendo sempre inimigos potenciais. Vem daí a filosofia que eles TODOS compartilham: "Se hay gobierno, yo soy contra!" A primeira providência que tomam, assim que um novo governante sobe ao poder, é fragilizá-lo com uma chuva de denúncias reais ou fabricadas, acuando-o, fazendo-o ficar à mercê de sua boa vontade. Foi o que fizeram com Fernando Henrique Cardoso (se quem me lê não se lembra disso, a culpa não é minha - consultem os arquivos), foi o que fizeram (em dose dupla) com Lula, é o que estão fazendo (ora mais, ora menos) com Dilma, e é o que farão com qualquer um que tenha a caneta o Poder Executivo em suas mãos.
Só será possível romper essa lógica e partir para o enfrentamento dos conglomerados de comunicação no Brasil caso tenhamos um presidente fortemente respaldado por um partido político de esquerda - um partido capaz de lhe dar sustentação no Congresso contra tentativas de golpe branco, via denúncias seletivas e campanhas de difamação. O PSDB esgotou-se enquanto partido da SOCIAL-DEMOCRACIA brasileira. Hoje, o partido capaz de levar adiante essa bandeira é o PT. Enquanto não tivermos um PARTIDO forte, é impensável imaginar um enfrentamento de uma máquina ideológica do porte da Rede Globo. Esse é o dado básico que deveria ser levado em conta na hora de sabotar candidaturas locais em nome de associações nacionais.
A troca de comando, anunciada ontem na Rede Globo tinha um formato nitidamente stalinista. Imagino que uma reforma ministerial era anunciada pelo rádio na URSS dos anos 30 da mesma forma, no mesmo tom neutro, impositivo, projetado contra do pano de fundo de um poder incontrastável, envolto na sonoridade solene de um sobrenome quase mítico - "Stalin" para eles, "Marinho" para nós. Sem eliminar esse stalinismo vigente na mídia brasileira, não existe a menor esperança de construirmos uma democracia que não se resuma a um simples jogo formal de apertar um botãozinho numa urna eletrônica a cada quatro anos. Enquanto comunicados como o de ontem à noite continuarem determinando os rumos da discussão política socialmente compartilhada, jamais evoluiremos da mera liberdade de ESCOLHA para uma efetiva liberdade de DELIBERAÇÃO, em que a discussão se articula a partir do contraditório. Não precisamos de um líder. Precisamos de um PARTIDO. Líderes podem ser facilmente descartados, e nada podem contra estruturas estabelecidas. Essa é a próxima etapa a ser vencida na construção da democracia brasileira e mundial: a afirmação do Estado democrático sobre organizações stalinistas que colonizam porções imensas da vida social. Lula foi, é e continuará sendo importante como líder. Para enfrentar a Rede Globo, no entanto, ele é menos que nada. Sem um partido forte, comunicados como o de ontem à noite continuarão ditando os destinos da circulação de informações e de idéias no país todo, decidindo o que pode e o que não pode ser dito, o que deve ser posto em discussão e o que deve continuar sendo um tabu, que crimes são urgente e importantes, que crimes devem ser esquecidos, quem pode continuar governando e quem deve ser apeado do poder porque não se mostrou suficientemente confiável.