Alguém poderá duvidar da misericórdia de Deus? Claro que não. Numa demonstração inefável de amor aos homens, Deus enviou seu Filho único para que, através d’Ele, o perdão ficasse disponível a todos. A salvação de Jesus Cristo é a maior prova, a mais cabal evidência de que “Deus é Amor”(1) e que jamais despreza o que criou, pois se odiasse alguma coisa, não a teria criado(2).
E nós, que fomos criados à “imagem e semelhança”(3)
do Deus que é Amor, somos convidados também a amar, de forma
incondicional, e se assim não fazemos, nos frustramos, pois não
exercemos o motivo de nossa existência.
“Vocês
ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo, e odeie o seu inimigo!’ Eu,
porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que
perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu,
porque Ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre
justos e injustos. Pois, se vocês amam somente aqueles que os amam, que
recompensa terão? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E
se vocês cumprimentam somente seus irmãos, o que é que vocês fazem de
extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sejam
perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”(4).
São palavras como estas que fez de Jesus a maior personalidade de todos
os tempos: mostrou aos homens que Deus ama a todos independentemente de
qualquer coisa; e nós, espelho desse Amor, devemos procurar refleti-lo
nitidamente, pois para isso fomos feitos.
Contudo,
uma curiosa passagem do Evangelho chama a atenção de quem conhece o
Deus que é Amor Incondicional. Trata-se da fortíssima palavra de Jesus
que é documentada por Mateus(5), Marcos(6) e Lucas(7):
“Aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e todas as
blasfêmias que proferirem; todavia, quem blasfemar contra o Espírito
Santo, jamais terá perdão, mas será réu de pecado eterno”.
Duas
perguntas nos surgem imediatamente: “Que pecado tão grave é este que
não merece o perdão de Deus?” e “Deus, que é Amor, por causa deste
pecado, esqueceria desse Amor para condenar eternamente o blasfemador do
Espírito Santo?” Analisemos as questões.
a) que pecado é esse?
Antes
de sua volta para o Pai, Jesus prometeu um novo Consolador, um
Advogado. Trata-se do Espírito Santo que viria para apanhar aquilo que é
de Jesus e interpretar para os seus discípulos(8), para assim convencer o mundo “quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo”(9).
Diante
disso, nos ensina o Santo Padre João Paulo II que “a blasfêmia (contra o
Espírito Santo) não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo
com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus
oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do
sacrifício da cruz. Se o homem rejeita o deixar-se ‘convencer quanto ao
pecado’, que provém do Espírito Santo e tem caráter salvífico, ele
rejeita ao mesmo tempo a ‘vinda’ do Consolador: aquela ‘vinda’ que se
efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do sangue
de Cristo que ‘purifica a consciência das obras mortas’. Sabemos que o
fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem
rejeita o Espírito Santo e o sangue, permanece nas ‘obras mortas’, no
pecado. E a ‘blasfêmia contra o Espírito Santo’ consiste exatamente na
recusa radical de aceitar esta remissão, de que ele é dispensador íntimo
e que pressupõe a conversão verdadeira, por ele operada na consciência
(...) Ora, a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo
homem, que reivindica seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal – em
qualquer pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica
fechado no seu pecado, tornando impossível da sua parte a própria
conversão e também, conseqüentemente, a remissão dos pecados, que
considera não essencial ou não importante para a sua vida”(10). Como Deus poderá perdoar alguém que não quer ser perdoado?
Para
que o nosso entendimento ficasse mais claro acerca deste terrível
pecado, o Papa São Pio X, que governou a Igreja de 1903 a 1914, no seu Catechismo Maggiore, ensinou que seis são os pecados contra o Espírito Santo:
1º - Desesperação da salvação,
ou seja, quando a pessoa perde as esperanças na salvação de Deus,
achando que sua vida já está perdida. Julga, assim, que a misericórdia
de Deus é mesquinha e por isso não se preocupa em orientar sua vida para
o bem. Perdeu as esperanças em Deus.
2º - Presunção de salvação sem merecimento,
ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma vaidade egoísta, achando-se
já salva, quando na verdade nada fez para que merecesse a salvação. Isso
cria uma fácil acomodação a ponto da pessoa não se mover em nenhum
aspecto para que melhore. Se já está salva para que melhorar? – pode
perguntar-se. Assim, a pessoa torna-se seu próprio juiz, abandonando o
Juízo Absoluto que pertence somente a Deus.
3º - Negar a verdade conhecida como tal,
ou seja, quando a pessoa percebe que está errada, mas por uma questão
meramente orgulhosa, não aceita: prefere persistir no erro do que
reconhecer-se errada. Nega-se assim a Verdade que é o próprio Deus.
4º - Inveja da graça que Deus dá a outrem,
ou seja, a inveja é um sentimento que consiste primeiramente em
entristecer-se porque o outro conseguiu algo de bom, independentemente
se eu já possua aquilo ou não. É o não querer que a pessoa fique bem.
Ora, se eu me invejo da graça que Deus dá alguém, estou dizendo que
aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o regulador do
mundo, inclusive de Deus, determinando a quem deve ser dada tal ou tal
coisa.
5º - Obstinação no pecado,
ou seja, é a teimosia, a firmeza, a relutância de permanecer no erro
por qualquer motivo. Como o Papa João Paulo II disse, é quando o homem
“reivindica seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal – em qualquer
pecado – e recusa por isso mesmo a Redenção”.
6º - Impenitência final,
ou seja, é o resultado de toda uma vida que rejeita a ação de Deus:
persiste no erro até o final e recusa arrepender-se e penitenciar-se.
b) por causa disso Deus abandona seu amor para condenar a criatura?
Deus não condena ninguém. Ao contrário, “Deus não quer que ninguém se perca, mas que todos cheguem a se converter”(11).
No entanto, Deus não criou os seres humanos como irracionais, mas os criou à sua ‘imagem e semelhança”, que quer dizer: nos deu inteligência, para separar o bem do mal; liberdade, para escolher o bem ou o mal; e vontade, para vivenciar o bem ou o mal. A escolha é nossa, é de cada um.
Assim,
vivemos a nossa vida direcionados pelos três pilares da imagem e
semelhança de Deus: inteligência, liberdade e vontade, para que assim
decidamos o que queremos trilhar. No fim da vida terrena, a morte
confirmará a nossa decisão, dando-nos aquilo que escolhemos. Por isso, a
conclusão torna-se óbvia: só está no inferno aqueles que realmente
querem estar lá, aqueles que não querem a presença de Deus que ilumina
suas imundícies.
Por
outro lado, Deus, que “não quer que ninguém se perca”, continua a amar
sua criatura, mesmo esta preferindo estar longe. Como já disse, o amor
de Deus não impõe condições, assim, onde quer que a criatura esteja,
Deus a amará sempre, embora respeitando aquilo que a faz ser uma pessoa:
sua inteligência, sua liberdade e sua vontade.
Em suma:
o pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição consciente da
graça de Deus; é a recusa da salvação que, conseqüentemente, impede Deus
de agir, pois Ele está à porta e bate(12), e a abre quem
quiser. A persistência neste pecado, que é contra o Espírito Santo, pois
este tem a missão de mostrar a Verdade, levará o pecador para longe de
Deus, para onde ele escolheu estar. Apesar disso, o Senhor continuará a
amá-lo com o mesmo amor de Pai que tem para com todos, porém respeitando
a decisão de seu filho que é inteligente e livre.
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(1) cf. 1Jo 4,8.
(2) cf. Sb11,24.
(3) cf. Gn 1,26.
(4) Mt 5,43-48.
(5) cf. Mt Mt 12,31s.
(6) cf. Mc 3,28-s.
(7) cf. Lc 12,10.
(8) cf. Jo 16,14.
(9) Jo 16,8.
(10) Carta Encíclica Dominum Vivificantem, 46.
(11) 2Pe 3,9.
(12) cf. Ap 3,20.