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Qual o proveito de se relembrar os pecados passados?


ALGUNS CONTEÚDOS do livro "Teologia Espiritual", (Spirtitual Theology) do padre Jordan Aumann, OP, podem surpreender. Ao tratar sobre a purificação da memória, as palavras dele são as seguintes:

"Esqueça os pecados do passado. Este é o primeiro passo, e é absolutamente indispensável para todos os que aspiram a salvação eterna. A lembrança dos seus próprios pecados ou dos pecados do outro têm um forte poder de sugerir à alma novamente as mesmas coisas, levando a uma nova tentação e novamente ao pecado, especialmente se uma imaginação vívida está associada com a lembrança. A alma deve rejeitar imediatamente e energicamente qualquer recordação deste tipo."(Tradução livre)

É muito importante deixar claro que "esquecer", nessa purificação da memória, não é uma negação de que você pecou, como se os seus pecados nunca tivessem acontecido, mas, – isto sim, – é uma recusa do filho de Deus em voltar a chafurdar na lama da vergonha ou do prazer desses pecados cometidos. Tais lembranças podem levar à tentação: a) de pecar novamente; b) do escrúpulo exagerado e do desespero, que por sua vez leva ao desânimo (essa terrível arma do inimigo).

A vida de S. Paulo Apóstolo exemplifica a necessária purificação da memória. Ele admite plenamente que perseguiu o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, a sua Igreja, antes de se converter à mesma Igreja, mas (e isto é muito claro nos seus textos) ele não carrega a bagagem inútil da sua culpa. Vemos nitidamente que é a Misericórdia de Deus que permeia a sua memória, pois ele se se sente plenamente perdoado. Assim, escreve a Timóteo:

"Eu era um blasfemo, perseguidor e injuriador. Mas alcancei misericórdia, porque ainda não tinha recebido a fé e o fazia por ignorância. E a Graça de nosso Senhor foi imensa, juntamente com a fé e a caridade que está em Jesus Cristo. Eis uma verdade absolutamente certa e merecedora de fé: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro. Se encontrei misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a seguir, nEle crerem, para a vida eterna. Ao Rei dos séculos, Deus único, invisível e imortal, honra e glória pelos séculos dos séculos! Amém!" (1Tm 1,13-17)

Santa Catarina de Sena ecoa esta purificação da memória em seu Diálogo, na maneira como registra a Mensagem de Deus Pai:

"Eu não quero [a alma] para que pense sobre os seus pecados, em geral ou especificamente, sem concentrar a atenção no Sangue [de Cristo] e na grandeza da minha Misericórdia. Assim ela só será confundida. Porque, se o auto-conhecimento e o pensamento do pecado não são temperados com a lembrança do Sangue e a esperança na Misericórdia, o resultado tende a ser confusão."

Assim, podemos distinguir dois tipos de memória do pecado. Um, temperado com a Misericórdia de Deus, produz humildade e vigilância contra novos pecados, ou seja, a virtude da penitência. O outro provoca prazer ou vergonha, e deve ser evitado como ocasião de se cair novamente no pecado. Essa distinção depende do indivíduo: a lembrança de um pecado de impureza vai renovar o crescimento do homem casto em virtude da penitência, mas vai tentar o homem impuro para novos pecados. Assim, a purificação da memória está correlacionada com o crescimento em virtude.

Santa Terezinha (Sta. Teresa de Lisieux ou do Menino Jesus e da Sagrada Face) canta a consumação desta purificação da memória em seu poema, "Vivre d'Amour!". Sua sexta estrofe diz:

"Viver em amor é banir todo o medo,
toda lembrança das faltas do passado.
Vejo nenhuma marca de meus pecados,
Num momento em que o amor a tudo queimou...
Chama Divina, o Dulcíssimo me chama!
Faço a minha casa em seu Lar.
Em seu Fogo eu canto alegremente:
'Eu vivo do Amor ...!'"

Teresa sofreu e lutou com as memórias dos seus pecados, mas agora ela é arrebatada pela Misericórdia de Deus. Esta estrofe retrata o tremendo poder da Misericórdia divina, evocando o Livro de Daniel, quando o rei Nabucodonosor ordena que Sadraque, Mesaque e Abednego sejam amarrados e jogados em uma fornalha acesa sete vezes mais quente que o habitual .

Para Teresa, essa fornalha ardente é uma imagem da Misericórdia de Deus. Assim como o calor, na passagem bíblica incinera os carrascos, Deus aniquila a força mortal do pecado, e, assim como os três jovens, ela anda no meio das chamas, leve e solta dos pesos que carregava, cantando louvores ao seu Libertador, livre dos grilhões do escrúpulo. Ainda mais, Nabucodonosor viu um quarto companheiro entre os jovens, semelhante a um "Filho de Deus". Esta é também a nossa razão para a purificação da memória: para saborear a Intimidade de Deus.

O Papa João Paulo II desenvolveu ainda mais esta razão em sua homilia do Dia Mundial da Juventude em Toronto, no ano de 2002. Perto do fim, ele corajosamente declara:

"Nós não somos a soma das nossas fraquezas e falhas! Somos a soma do Amor do Pai por nós e nossa capacidade real de nos tornarmos a imagem do seu Filho!"

Embora infelizmente nosso pecados tenham por algum tempo nos moldado, eles não nos definem. A soma do Amor do Pai não deixa muito espaço para que voltemos a chafurdar em qualquer complexo de culpa. Isso muda a forma como entramos no confessionário. Nós não estamos nos aproximando de um juiz frio, mas do nosso "Papai" (que é a tradução mais precisa do termo Abba, que Jesus nos ensinou a usar para falar a Deus), que vigia e espera o retorno de suas amadas crianças, para correr para fora e as abraçar, como na Parábola do Filho Pródigo. Ele acena não com a condenação, mas sim com a restauração da nossa dignidade de filhos, alegrando-se com todo o Céu sobre a ovelha perdida que voltou ao redil.

E isso também muda a forma como deixamos o confessionário. Lembre-se de S. Paulo: a Misericórdia de Deus não se limitou a endireitar seus erros e mandá-lo de volta para casa, mas fez dele um Apóstolo para as nações. Assim, também nós, deixemos o confessionário como santos de Deus, vivendo na Fornalha do seu Amor, cantando suas misericórdias e colocando o mundo em chamas com esse santo Amor!


"Viver de Amor"
Sta. Teresa de Lisieux


Poesia de Santa Teresa de Lisieux,
interpretada por Ir. Kelly Patrícia

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Adaptado do artigo do Pe. Joseph Martin Hagan, O.P.,"Furnace of Mercy" ('Fornalha de Misericórdia'), blog "Dominicana", disponível em
http://dominicanablog.com/2013/11/06/furnace-of-mercy/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+dominicanablog%2Fuxdv+(Dominicana)

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