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A BASE TEOLÓGICA DA ORAÇÃO CENTRANTE


De onde vem a Oração Centralizadora? Sua fonte é a Trindade que habita dentro de nós. Está enraizada na vida de Deus dentro de nós. Não creio que reflitamos o bastante sobre essa verdade. Com o batismo, vem toda a presença eterna da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Como seres humanos, participamos da vida divina apenas por estarmos vivos, mas muito mais pela graça. Participamos do movimento entre o Pai, que se entrega totalmente ao Filho, e o Filho, que se dá totalmente ao Pai. Eles se esvaziam um no outro. O Espírito de amor os reconstitui, por assim dizer, para que possam continuar a se entregar para sempre. Esta corrente de amor divino, constantemente renovada na vida da Trindade, é infundida em nós pela graça. Sabemos isso por nosso desejo de Deus. Por mais golpeado que seja pelas forças da vida cotidiana, esse desejo manifesta-se no esforço que fazemos para levar uma vida de oração e uma vida de ação que seja profundamente influenciada pela oração.
A vida trinitária manifesta-se em nós primordialmente por nossa ânsia de Deus. A Oração Centralizadora procede da vida de Deus movendo-se dentro de nós. Por isso é trinitária em sua origem. Seu foco é cristológico. Estabelece-nos em um relacionamento profundo com Cristo. Iniciado na Lectio Divina (a leitura piedosa das Escrituras) e outras devoções e, especialmente, nos sacramentos, nosso realcionamento com Cristo move-se a novas profundezas e a novos níveis de intimidade, à medida que nos fortalecemos na prática da oração Centralizadora .
Por último, a Oração Centralizadora é eclesial em seus efeitos; isto é, une-nos com todos os outros no Corpo Místico de Cristo e, na verdade, com toda a família humana. De fato, não existe essa coisa de oração particular. Não podemos rezar nesse nível profundo sem incluir todos da família humana, especialmente os muito necessitados. Também sentimos a necessidade de expressar esse sentimento de ligação e unidade com os outros, em alguma forma de comunidade.
Vamos examinar cada um desses pontos em detalhe. A Oração Centralizadora origina-se de um relacionamento existencial com Cristo como nosso caminho para as profundezas dos relacionamentos trinitários. Quando participamos da Oração Centralizadora, ligamo-nos à vida divina dentro de nós. A palavra sagrada é um gesto de consentimento à presença e à ação divinas dentro de nós. É como se nossa vontade espiritual ligasse a tomada e a corrente (a vida divina) que está presente em nosso organismo, por assim dizer, fosse adiante e a energia divina fluísse. Ela já está lá esperando ser ativada. Então, enquanto comparecemos à presença da Trindade dentro de nós, nossa oração se manifesta em relacionamento com Cristo.
Sabemos que a Lectio Divina e nossas outras práticas piedosas nos preparam para nos relacionarmos com Cristo. Passamos por certo processo evolucionário de convivência, afabilidade e amizade. Esta última subentende um compromisso com o relacionamento. Todos conhecem muito bem a experiência nas quais nos relacionamos com um conhecido, cultivamos sua amizade, passamos a conhecê-lo melhor e, aos poucos, chegamos à posição de compromisso com ele. O compromisso é o que caracteriza a amizade. Podemos nos afastar de conhecidos casuais, mas não da amizade depois de demonstrada, sem partir o coração de alguém, até o nosso. A amizade com Cristo chega ao compromisso quando decidimos iniciar uma vida de oração e um programa de vida cotidiana, talhados para nos fazer chegar mais perto de Cristo e nos aprofundar na vida trinitária de amor.

Pe. Thomas Keating, OCSO

Este é um ponto importante. Quando rezamos, não estamos apenas diante de Cristo. O movimento para dentro da Morada Interior Divina sugere que nosso relacionamento com Cristo é interior, especialmente por meio de seu Espírito Santo, que habita em nós e derrama o amor de Deus em nosso coração. Identificamo-nos realmente com o mistério pascal. Sem passar toda a vez por uma reflexão teológica, torna-se uma espécie de contexto para nossa oração, de modo que, quando nos sentamos na cadeira ou no chão, relacionamo-nos com o mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo, não como algo fora de nós, mas como algo dentro de nós. É por isso que logo experimentamos uma identificação com Cristo no Getsêmani e, por fim, nossa identificação com Cristo na cruz. Em nossa perspectiva cristã, Jesus assumiu todas as consequências de nossos pecados e nossa pecaminosidade, em outras palavras, o falso eu com o acúmulo de mágoas que trazemos conosco desde a primeira infância e nossos jeitos imaturos de tentar sobreviver.
Enquanto estamos ali, talvez recebamos a consolação do Espírito. Mas depois de vários anos desta oração, sempre nos achamos no deserto, porque esse é o caminho da união divina. Não há outro meio de sarar das feridas de nossa primeira infância, a não ser pela cruz. A cruz que Deus nos convida a aceitar é, primordialmente, a dor que trazemos conosco desde a mais tenra idade. Nossas feridas, nossas limitações, nossos defeitos de personalidade, todos os danos que as pessoas nos causaram desde o início da vida até agora e nossa experiência pessoal da dor da condição humana como a experimentamos individualmente - essa é nossa verdadeira cruz! É isso que Cristo nos pede para aceitar e deixá-lo compartilhar.
Na verdade, em sua paixão, ele já experimentou nossa dor e a fez sua. Em outras palavras, simplesmente entramos em algo que já aconteceu, a saber, nossa união com Cristo e tudo o que isso significa, o fato de tomar sobre si toda a nossa dor, nossa ansiedade, nossos temores, o ódio de nós mesmos e nosso desânimo.
Tudo está incluído implicitamente em seu grito na cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?" Essa é a grande pergunta. Eis o filho de Deus, o amado que devemos ouvir - Cristo, que baseou toda a sua missão e todo o seu ministério em seu relacionamento com o Pai - e tudo desapareceu. Seus discípulos fugiram. Sua mensagem foi esfrangalhada. Ele foi condenado pelas autoridades religiosas e romanas. Humanamente falando, nada restou de sua mensagem. Contudo, este é o momento de nossa redenção. Por que? Porque seu grito na cruz é nosso grito de uma desesperada alienação de Deus, erguido no dele e transformado em ressurreição. Enquanto estamos ali, aguentamos até o fim e deixamos a dor brotar, percebemos que Cristo está sofrendo em nós e nos redimindo.
A Oração Centralizadora converge para o centro do mistério cristão, que é a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Toda a vez que aceitamos uma nova luz em nossa fraqueza e impotência, estamos em um lugar mais íntimo com Cristo. Ter o lugar mais baixo é estar no lugar mais alto na visão de Deus. Não sei dizer por que é assim. Talvez seja apenas o jeito que Deus é. Em sua paixão, Cristo é o maior mestre de quem Deus é. Humildade pura. Altruísmo total. Serviço absoluto. Amor incondicional. O significado essencial da Encarnação é que este amor é totalmente disponível. A Oração Centralizadora é simplesmente um método humilde de tentar ter acesso a essa infinita bondade, renunciando a nós mesmos. O consentimento à presença e ação de Deus nada mais é que submissão e confiança.
Note como cada uma das virtudes teologais corresponde a cada um dos contextos sagrados. Pomos nossa fé na Morada Interior Divina da Trindade. Pomos nossa esperança na paixão, morte e ressurreição de Cristo e confiamos completamente nossa vida a ele. Suportanto o despertar gradual do autoconhecimento, pela paciência, expressamos nosso amor de Deus em grau eminente.
Há outro aspecto do contexto no qual rezamos. Quando estamos aos pés da cruz, identificando-nos com o homem na cruz que suportou todas as consequências de nossa alienação pessoal de Deus, somos curados de nossas feridas emocionais e das mágoas que possamos ter infligido em nossa consciência. Por intermédio de momentos de ressurreição interior, pode surgir um avanço para a ressurreição permanente, quando o falso eu finalmente desaparece, dando-nos a liberdade habitual dos filhos de Deus.
A união com os outros acontece quando o amor do Espírito derrama-se em nosso coração. Sentimos que fazemos parte de nossa comunidade, da família humana, do cosmo. Sentimo-nos em casa no universo. Sentimos que nossa oração não é apenas uma viagem particular, mas tem efeito significativo no mundo. Derramamos no mundo o amor que o Espírito nos dá na oração. Pleiteamos a misericórdia divina para aquelas partes do mundo que estão sendo arrasadas pela guerra e pela violência. Compartilhamos os sentimentos de Deus, que sofre onde quer que haja sofrimento. O que é tão terrível sobre guerra e violência é Deus estar sendo arrasado. Deus identifica-se tanto com nossa vida e com nossa sorte que Jesus pôde dizer: "o que fizestes a cada um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes". Essa violência tem de ser reparada. É um desequilíbrio que precisa do tipo de amor que nasce no silêncio interior à medida que renunciamos a nós mesmos e deixamos que Deus seja Deus em nós.
O grande privilégio dos contemplativos é sermos convidados primeiro a partilhar de nossa redenção, aceitando nossa alienação pessoal de Deus e suas consequências em toda a nossa vida e, então, a nos identificarmos com a compaixão divina na cura do mundo por meio dos gemidos do Espírito dentro de nós. Os "gemidos inefáveis" do Espírito, como Paulo os chama, são nossos desejos de trazer a paz e o conhecimento do amor de Deus ao mundo. O amor que é a fonte desses desejos está de fato, sendo projetado no mundo e está, secretamente, curando suas feridas. Não conheceremos os resultados de nossa participação na obra redentora de Cristo nesta vida. Uma coisa é certa: unindo-nos ao Crucificado, unimo-nos a todas as outras pessoas, passadas presentes e futuras.
Na Oração Centralizadora, então, a humanidade de Cristo não é ignorada, como alegam alguns críticos, mas sim afirmada da maneira mais positiva e profunda possível. A Oração Centralizadora pressupõe uma fé viva que a humanidade sagrada de Jesus contém a plenitude do Ente Supremo. Cristo nos conduz ao Pai, mas ao Pai como Ele o conhece. Em virtude da morte sacrificial e da ressurreição de Cristo, pela graça, participamos da divindade de Cristo. Somos convidados a cultuar o Pai em espírito e verdade, o que é seguir Cristo ao seio do Pai, onde, como Eterno Filho de Deus, ele se entrega à fonte divina da qual ele emerge - e à qual retorna - eternamente, no amor do Espírito Santo.
(trecho extraído do livro "Intimidade com Deus", Pe. Thomas Keating, OCSO, ed. Paulus, 1999. - cap. 3, p 38ss:)



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