Os sentimentos do Sagrado Coração de Jesus nas tribulações
1. Jesus. Considera, filho, quais foram os sentimentos do meu Coração no sofrimento, e esforça-te por imitá-los. Durante a minha vida mortal o meu Coração sempre sofria e ao mesmo tempo se alegrava.
Compreende minhas palavras, filho. Não falo da minha vontade divina, visto ser ela imensa e incapaz de sofrer. Mas refiro-me à minha vontade humana, pela qual pratiquei virtudes, adquiri méritos e operei a redenção dos homens.
Desde o inicio da existência da minha humanidade, o meu Coração plenamente se alegrava na visão e gozo perene da Divindade que lhe estava hipostaticamente unida, tornando-o em sumo grau bem-aventurado. Ao mesmo tempo, porém, por especial concurso da Divindade, o meu Coração se afligia pelas cruéis e acerbas dores da Paixão, que lhe cumpria experimentar.
Entretanto, a respeito da cruel e dolorosa Paixão, sob diverso ponto de vista, o meu Coração a um tempo se afligia e se alegrava. Afligia-se por ser dura e penosa à sua humanidade, mas regozijava-se como sendo da vontade divina e destinada à salvação dos homens.
Meu Coração era dotado de vontade humana que, embora uma em si, possuía dupla operação: a inferior, que espontaneamente temia e esquivava as dores da natureza humana, e a superior, que, por motivos mais elevados deliberadamente abraçava com amor essas mesmas dores. Ambas as partes, tanto a inferior como a superior, eram retas, jamais desordenadas nem debilitadas por algum defeito.
A parte inferior, que considerava e desejava o bem e proveito da sua natureza, receando e evitando a dor e a morte, deixava-se governar ao mesmo tempo pela parte superior. Esta, por sua vez, submetia e conformava a inferior e a si própria à divina vontade. Daí procediam atos sobrenaturais e perfeitos de virtude. Daí provinham os méritos e as abundantes riquezas da graça, acumulados em favor dos homens. Lembra-te, filho, que possuis vontade semelhante à minha, não de igual modo perfeita e íntegra, mas, não obstante, realmente livre. E nesta tua vontade encontras igualmente duas partes: a superior e a inferior.
2. Filho, os sofrimentos que te aguardam, não os conheces sempre, nem ao mesmo tempo. Assim acontece por minha misericórdia e benignidade para que, vendo-os, quase sempre, só à medida que se apresentam, mais facilmente suportes cada um.Minha dor, porém, sempre esteve diante dos meus olhos. Onde quer que me achasse, sempre via os tormentos futuros.
Não houve momento em que me estivesse oculto o que a meu respeito predisseram os profetas, o que anunciaram as antigas figuras, o que havia de forjar a malícia do mundo e do inferno, os horríveis suplícios exigidos pelos pecados dos homens, pela gloria ultrajada de meu Pai celeste e por tua salvação, ó filho.
Esses sofrimentos com todos os seus pormenores continuamente estavam presentes ao meu olhar e me oprimiam o Coração. Mas era tal o amor do meu Coração que de bom grado tudo suportava e padecia. O amor me tornava tudo delicioso: trabalhos e vigílias, opróbrios e escárnios, açoites, espinhos e cruz, enfim, tudo quanto a divina vontade dispusera para a bem-aventurança dos homens. Eis, ó filho, a principal disposição do meu Coração padecente: o amor de Deus e dos homens. Desta fonte derivavam todos os demais sentimentos.
3. Daí provinha a inexaurível paciência do meu Coração, com a qual tolerava sem queixa nem amargura, tão grandes dores, embora imerecidas e indignas. O amor é paciente. O amor tudo suporta (1 Cor 13,7).
Daí provinha a resignação do meu Coração ao divino beneplácito em meio de todas as aflições e dores. Conformando por amor minha vontade à divina, estava espontaneamente pronto a tudo padecer.
Daí nascia a alegria do meu coração no sofrimento. Quem ama, conhecendo a bondade do objeto amado, alegra-se ao fruí-lo. Meu Coração conhecia perfeitamente a excelência da vontade divina e por isso deleitava-se em cumpri-la, mesmo entre os muitos e vários sofrimentos.
Daí se originava o sobrenatural desejo de sofrer que me inflamava o Coração. Com efeito, o verdadeiro amor deseja realmente dar prova da sua sinceridade, ternura e fidelidade. Por isso, meu Coração, continuamente estimulado pelo amor, sempre anelava consumar aquela dolorosa Paixão, que seria para Deus e permaneceria para os homens prova manifesta e sempiterna da sinceridade, ternura e fidelidade e mesmo exuberância de meu amor.
4. Entretanto, meu filho, o amor do meu Coração queria ir mais longe. Almejava com seus excessos arrebatar os corações dos homens e abrasá-los em seu ardor. Eu viera trazer o fogo à terra, e qual a minha vontade senão que se inflamasse? (LC 12,49). Para isso cumpria-se ser batizado no vivo e ardente batismo de meu Sangue. Refiro-me à Paixão, na qual me vi totalmente mergulhado e submerso.
Quanto me sentia angustiado até à sua consumação! Quanto suspirava o meu Coração por esse batismo ardente, cuja força maravilhosa havia de purificar, aquecer e inflamar os corações dos homens!
Ali se purificaram e abrasaram os apóstolos e mártires, os santos confessores e virgens, que, em seu puro amor para comigo, estavam prontos a tudo sofrer e a seguir-me por aflições, mortificações, mil tormentos e mil mortes. E teu coração, filho, será incapaz de inflamar-se? Se te amei a tal ponto, foi para estimular-te a retribuir-me a dileção, a fim de reivindicar para mim todo o teu amor.
5. Filho, se considerares amiúde com atenção até que ponto te amei, e quanto maiores motivos tens de amar-me do que eu a ti, sem dúvida serás incitado a pagar-me amor com amor. Uma vez que o amor se apoderar do teu coração, há de produzir nele, em relação ao sofrimento, sentimentos análogos aos do meu Coração.
Quanto mais me amares, tanto mais estarás pronto a sofrer. E quanto melhor sofreres, tanto mais perfeitamente me amarás. Se te acontecer não experimentar, em relação ao sofrimento, os sentimentos do meu Coração, é sinal que o teu não se acha em bom estado, ou antes está em má disposição. Examinando-o, descobrirás que a causa é porque teu coração, privado do divino fervor, se entorpece no frio da indiferença ou é queimado pela viciosa febre do amor-próprio.
Mas justamente por te veres tão maldisposto, que és incapaz de tocar e saborear essas iguarias, tão dignas das grandes almas, toma o propósito de erguer-te e estimular-te virilmente. E, pelo menos, deseja teu coração seja assim animado pelos mesmos sentimentos que o meu.
6. Ora com frequência e fervor, não obstante a relutância da natureza, para conheceres o valor desses sentimentos e seres capaz de amar seus inestimáveis frutos.
Se fores sincero na oração, abrir-se-ão os olhos da tua alma para veres claramente que a sabedoria mundana, inimiga das salutares humilhações e mortificações, é verdadeira loucura, e, ao contrário, o amor desses mesmos sofrimentos constitui a genuína sabedoria que eu mesmo, descendo do céu, ensinei pela palavra e pelo exemplo. E, se perseverares na oração, se te dará copiosa graça para abraçares piedosamente as tribulações e as suportares santamente.
Todavia, não te contentes com a oração, mas também esforça-te, com o auxílio da graça e na medida de tuas forças, por abnegar-te, suportar as aflições e carregar comigo a cruz. Bem-aventurado o que se compraz nos sofrimentos que santificam! Este é sem dúvida instruído mais pela unção divina do que pela indústria humana. É movido mais pela graça do que pela natureza. Nada há, filho, que faça melhor conhecer o verdadeiro discípulo do meu Coração do que a estima e o amor do sofrimento padecido por minha causa.
7. Discípulo. Ó bom Jesus! Quão grande foi a caridade do vosso Coração para comigo! Quão gratuita a sua dileção! Quão ardente a sua sede da minha felicidade! Quanto não sofrestes por puro amor! E tudo por mim, a fim de me remir, ensinar, consolar e unir a vós por amor! Acaso poderei jamais esquecer-vos? Acaso vos amarei assaz? É pouco, confesso-o, mas digno e justo amar-vos de todo o coração, seguir-vos por amor, mesmo na adversidade, até a morte. Entretanto, meu Deus e Salvador, sinto ser-me necessária grande graça para amar o sofrimento e imitar no padecer os sentimentos do vosso Coração.
Se o céu não me ajudar, não poderei com mérito abnegar-me em grandes ou pequenas coisas, nem abraçar alegremente a cruz, superar os sentimentos naturais, acompanhar-vos por toda parte, com perseverança até à morte. Mas, já que me convidais e até me chamais, concedei-me para isso graça copiosa, que me leve a fazer quanto não posso por mim mesmo.
Dilatando o meu coração, nele gravai larga e profundamente os sentimentos do vosso Coração padecente, para que eu de coração manso e humilde, me compraza em sofrer todas as penas por vós enviadas.