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Da oração mental ou contemplação divina



COMUMENTE NÓS, fiéis católicos, utilizamo-nos de fórmulas de oração, como o Pai-Nosso, os Salmos, o Santo Rosário, as orações e cânticos litúrgicos. Estas são formas da oração vocal, bem conhecida de todos, até dos não cristãos, e que pode ser feita também de modo espontâneo, com louvores, ação de graças e súplicas.

Outras vezes, porém, podemos falar com Deus em silêncio, apenas em nossos pensamentos e no enlevo de nossos corações, sem fórmulas fixas e sem palavra pronunciada: esta é a oração mental ou contemplação: eis o tema deste estudo.

Sem dúvida toda pessoa de fé gostaria de ter com frequência um diálogo espontâneo com Deus, em que pudesse falar ao seu Criador e Pai do Céu sobre sua vida, seus trabalhos, anseios, desejos ou seus problemas, dilemas, indecisões. A dura realidade, porém, é que nem sempre conseguimos esta santa comunhão. Muitos acabam desistindo da vida de oração, pensando: “Não é para mim...”. – Este que vos fala, sempre atarefado e cronicamente ansioso, confessa que enfrentou grandes dificuldades para estabelecer um tempo de oração em sua vida.

Entretanto, que outro fim, mais do que este, mereceria nossos melhores esforços? A oração mental, quando aprendemos a fazê-la, torna-se fonte maravilhosa de paz, de luz interior, de profundíssimas e incomparáveis alegrias, de novas perspectivas de vida, de amor profundo pelo próximo e pela vida, de otimismo inabalável...

Reproduzimos abaixo o que diz o Catecismo da Igreja Católica (CIC) a respeito da oração mental ou contemplação, no capítulo que lhe é especialmente dedicado:

"O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: 'Outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama.' [Livro da vida, 8: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 56].

A contemplação procura 'Aquele que o meu coração ama' (Ct 1,7), que é Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele. Nesta modalidade de oração pode-se, ainda, meditar; todavia, o olhar vai todo para o Senhor.

A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé.

A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.

A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais (9). Mas ele sabe que o seu amor de correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração, porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado.

Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser (cf. Jr 31,33). A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».

A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (cf. Ef 3,16-17).

A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. 'Eu olho para Ele e Ele olha para mim' – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do sacrário [Cf. F. Trochu, Le Curé d'Ars Saint Jean-Marie Vianney (Lyon-Paris 1927) p. 223-224]. Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende 'o conhecimento íntimo do Senhor' para mais O amar e seguir [cf. Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 104: MHSI 100, 224].

A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.

A contemplação é silêncio, este 'símbolo do mundo que há-de vir' [cf. Santo Isaac de Nínive,Tractatus mystici, 66: ed. A. J. Wensinck (Amsterdam 1923) p. 315; ed. P. Bedjan (Parisiis-Lipsiae 1909) p. 470.] ou 'linguagem calada do amor' {São João da Cruz, Carta, 6: Biblioteca Mística carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 262.[Cf. São João da Cruz, Carta Sexta: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 967]}. Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do Amor. É neste silêncio, insuportável para o homem 'exterior', que o Pai nos diz o seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar da oração de Jesus.

A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar no seu Mistério. O Mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado pela caridade em ato.

A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro. São estes três tempos fortes da 'Hora' de Jesus, que o seu Espírito (e não a «carne», que é 'fraca') nos faz viver na oração contemplativa. É preciso consentir em velar uma hora com Ele (Cf. Mt 26, 40-41).

Resumindo:


• A Igreja convida os fiéis para uma oração regular: orações quotidianas, Liturgia das Horas, Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.

• A tradição cristã compreende três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação, que têm em comum o recolhimento do coração.

• A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana, associa o corpo à oração interior do coração, a exemplo de Cristo que orava ao Pai e ensinava o 'Pai-nosso' aos seus discípulos.

• A meditação é uma busca orante que põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do tema considerado, confrontado com a realidade da nossa vida.

• A contemplação é a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz participar no seu Mistério.

(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.s 2709 a 1724)
A prática

São páginas preciosíssimas. Resta saber, exatamente, como alcançar esses tesouros espirituais tão incomensuráveis. Como viver a experiência inefável da legítima contemplação cristã, belamente descrita nas linhas acima, na prática? Pretendemos, das profundezas de nossa pequenez e com o auxílio de um grande diretor espiritual, o Revmo. Padre Francisco Faus (foto), auxiliar nossos leitores nesta via santa.

Em primeiro lugar, é conveniente que tenhamos hora e lugar certos e apropriados. O Catecismo diz que "a escolha do tempo e da duração da oração mental depende de uma vontade determinada… Não fazemos oração quando temos tempo: reservamos um tempo (...) com a firme determinação de (...) não o tomarmos de volta." (§2710).

Nosso Senhor Jesus Cristo diz: "Entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo..." (Mt 6,6). Um lugar próprio, que evidentemente não precisa ser o seu quarto, e que pode ser uma igreja ou capela sossegada e silenciosa (infelizmente hoje nem todas o são) ou um jardim, um parque… O importante é que se possa estar só e tranquilo para se concentrar (não faça deitado na cama, porque o risco de cochilar é grande). E a duração, para começar, pode ser, por exemplo, de dez minutos diários, que depois pode ser conveniente aumentada. Não esqueça, porém, que uma oração mental íntima, de “linha direta” com Deus, pode surgir a qualquer momento e em qualquer lugar. Aproveite todas as inspirações do Espírito Santo.

Quando você tiver hora e lugar certos, antes de dizer qualquer coisa, comece elevando seu pensamento, com máxima dedicação e intensidade, ao seu divino Interlocutor, isto é, DEUS. Pronuncie, verbal ou mentalmente, um ato de fé na Presença do SENHOR; por exemplo: “Creio firmemente que estás aqui, que me vês, que me ouves”, ou: “Senhor, que eu te veja com os olhos da fé”.

Inicie o diálogo com simplicidade. Diga-lhe mentalmente, por exemplo: “Senhor, ajuda-me a falar contigo”, ou “Jesus, não sei o que dizer”, ou “Meu Deus, perdoa-me, mas hoje peço algo de que muito necessito”. Se não lhe ocorrer nada, faça então como aquele rapaz, distribuidor de leite em domicílio, conhecido de São Josemaria, que abria a porta da igreja e só dizia: “Jesus, aqui está João, o leiteiro!”.

“As palavras na oração", – diz também o Catecismo, – "não são discursos, mas acendalhas (gravetos  ou outra coisa que sirva como combustível) que alimentam o fogo do Amor” (§2717).

Às vezes pense num assunto concreto, para falar dele com simplicidade. Por exemplo, pergunte ao Senhor Jesus: “Por que me irrito sempre com aquela pessoa?”. Peça por luz e forças, e tente ser completamente sincero diante d’Ele: “Será que eu sou orgulhoso, e por isso não sei compreendê-la?”.

Leve os Salmos, um livro de orações ou de reflexões espirituais. Quando se sentir seco, sem saber o que dizer, abra-o e leia um trechinho. Essa leitura breve poderá ser como que sua “pista de decolagem” da oração mental e, às vezes, o levará a tornar a meditação mais reflexiva.

Alguns precisarão de mais "pista para decolar", ler um trecho mais longo, outros de menos. O importante é que, quando uma ideia da leitura nos atinja, esforcemo-nos em refletir e tentar descobrir alguma aplicação prática: “Isso é o que eu deveria fazer!” Se isso acontecer, peçamos a Deus forças para melhorar naquele ponto, e agradeçamos pelas inspirações que Ele despertou em nós.

Um exemplo de um texto brevíssimo, que poderia ser “pista de decolagem” de uma boa oração mental, é o ponto nº 814 do livro "Caminho" do citado santo: “Um pequeno ato, feito por Amor, quanto não vale!”. Fale disso com Deus: “Senhor, quantos atos pequenos, – como um sorriso em lugar de um olhar sisudo, um pormenor de ordem material, uma pequena ajuda no trabalho, – eu poderia ter feito hoje com amor-caridade, e não os fiz! Ajudai-me a enxergar essas coisas e a fazê-las, para a vossa Glória”.

Peça e proponha-se algumas dessas ações simples, mas frutuosas; às vezes, apenas dizer “bom dia” de modo mais cordial em casa, na escola, ou no trabalho já pode fazer uma grande diferença. Isso já seria um bom fruto da oração mental.

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Ref.:
FAUS, Francisco. Para estar com Deus, Conselhos de Vida Interior. 2ª ed. Cultor de Livros: São Paulo, SP,2012.p.13
www.ofielcatolico.com.br

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