Pular para o conteúdo principal

A Caridade e a Justiça de Deus: não devemos tratar lobos como ovelhas



A DOUTRINA DE NOSSO Senhor Jesus Cristo está repleta de verdades aparentemente antagônicas que, entretanto, se examinadas com atenção, longe de se desmentirem umas às outras, completam-se reciprocamente, formando uma harmonia maravilhosa. É este o caso, por exemplo, da aparente contradição entre a Justiça e a Caridade divinas.

Deus é ao mesmo tempo infinitamente Justo e infinitamente Misericordioso. É Amor (1Jo 4,8), mas também é Verdade (Jo 14,6). Se, para compreendermos uma destas Perfeições, fecharmos os olhos à outra,  cairemos em gravíssimo erro. Nosso Senhor, em Sua vida terrena, deu tão admiráveis provas de doçura quanto também de severidade, num equilíbrio perfeito. Não pretendamos “corrigir” a Personalidade do Cristo segundo a pequenez de nossas capacidades, ignorando todas as muitas passagens em que Ele nos faz severas advertências e age com a necessária energia, prestando atenção somente àquelas em que nos fala com suavidade e ternura. É isso o que muitos católicos, lamentavelmente em muitos casos incentivados por membros do próprio clero, têm feito ultimamente.

Nosso Senhor se mostrou perfeito tanto ao acolher Maria Madalena, com doce perdão, quanto ao repreender com linguagem enérgica os fariseus, e também quando castigou os vendilhões do Templo, expulsando-os abaixo de chibatadas. Não arranquemos do Santo Evangelho nenhuma destas páginas. Saibamos compreender e adorar as Perfeições de Nosso Senhor assim como elas se revelam, em todos os episódios. Não nos cabe escolher o que "vale" e o que "não vale" para a nossa vida de fé, como na metáfora do "católico self-service", que escolhe o que gosta da doutrina e rejeita o que não compreende, dizendo: "Com isto eu concordo, com aquilo não concordo...".

Para o nosso próprio bem, não importa se concordamos ou não com a Verdade, que é Deus. A Verdade apenas É. Não depende dos nossos gostos, nossas sensibilidades pessoais nem de nossos "achismos". Nossa concordância ou não é irrelevante para a natureza da Verdade. E compreendamos que só seremos espelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo no dia em que soubermos não apenas perdoar, consolar e afagar, mas no dia em que também soubermos combater, denunciar e repreender, como Ele mesmo soube fazer, e fez muito bem,.

Hoje, por incrível que pareça, muitos católicos consideram os episódios dos Evangelhos em que aparece a ira santa do Messias (contra a maldade e falsidade dos hipócritas, por exemplo), como indignas de imitação! Muitos catequistas falam agora somente em doçura, e talvez até procurem sinceramente imitar esta virtude de Nosso Senhor; – que deve, sim, ser imitada, e que Deus abençoe quem o faz. – Mas por que não procuram imitar igualmente as outras santas virtudes, quando é necessário? E ousamos dizer que, em nossos dias, aquelas virtudes da severidade e do zelo rigoroso na defesa da verdadeira fé (Sl 69,10).

Invariavelmente, quando se propõe, em matéria de evangelização, um ato de energia qualquer, a resposta é a de que é preciso proceder com muita brandura, a fim de não afastar ainda mais os desviados. Pode-se sustentar que quaisquer atos de energia têm sempre o efeito de afastar as pessoas? Pode-se sustentar que Nosso Senhor, quando se dirigiu aos fariseus com duras advertências, o fez com a intenção de afastar ainda mais aqueles desviados? Ou deveria se supor que Nosso Senhor não sabia ou não se preocupava com o efeito “catastrófico” que suas palavras causariam aos "pobres" fariseus? Quem ousa admitir tal blasfêmia contra o Verbo de Deus, a Sabedoria encarnada?

Deus nos livre de pregar o uso de reprimendas e advertências como único remédio para as almas. Deus nos livre, também, de renunciar a este necessário remédio em nossos processos de apostolado. Há circunstâncias em que se deve ser suave, e outras circunstâncias em que se deve ser santamente agressivo. Ser suave quando as circunstâncias exigem energia, ou ser enérgico quando exigem suavidade: em ambas as situações há um mal.

Todo este desequilíbrio decorre de uma consideração também desequilibrada das santas parábolas. Muita gente faz da parábola da ovelha perdida a única do Evangelho. Ora, há nisto um erro gravíssimo que precisa ser denunciado. Nosso Senhor não nos fala somente em ovelhas perdidas, feridas pelos espinhos, às quais o Bom Pastor vai buscar pacientemente no fundo dos abismos. Cristo nos fala também em lobos devoradores que circundam constantemente o redil, à espreita de uma ocasião para nele se introduzirem disfarçados em peles de ovelha.

É mais do que admirável a figura do pastor que sabe carregar com ternura, aos ombros, a ovelha perdida. Mas o que dizer do pastor que abandona as ovelhas fiéis para ir buscar, longe, um lobo disfarçado em ovelha, que toma este lobo aos ombros, amorosamente, abrindo ele próprio as portas do redil, e com suas próprias mãos pastorais deposita entre as pobres indefesas, a fera devoradora?

Ao herege, depois de uma e duas advertências, evita-o, já que é perverso e condena-se por si mesmo.” – São Paulo Apóstolo (Tt 3,10)

_____________
Ref.: Legionário nº 472, 28 de setembro de 1941

Postagens mais visitadas deste blog

Símbolos e Significados

A palavra "símbolo" é derivada do grego antigo  symballein , que significa agregar. Seu uso figurado originou-se no costume de quebrar um bloco de argila para marcar o término de um contrato ou acordo: cada parte do acordo ficaria com um dos pedaços e, assim, quando juntassem os pedaços novamente, eles poderiam se encaixar como um quebra-cabeça. Os pedaços, cada um identificando uma das pessoas envolvidas, eram conhecidos como  symbola.  Portanto, um símbolo não representa somente algo, mas também sugere "algo" que está faltando, uma parte invisível que é necessário para alcançar a conclusão ou a totalidade. Consciente ou inconscientemente, o símbolo carrega o sentido de unir as coisas para criar algo mair do que a soma das partes, como nuanças de significado que resultam em uma ideia complexa. Longe de objetivar ser apologética, a seguinte relação de símbolos tem por objetivo apenas demonstrar o significado de cada um para a cultura ou religião que os adotou.

Como se constrói uma farsa?

26 de maio de 2013, a França produziu um dos acontecimentos mais emblemáticos e históricos deste século. Pacificamente, milhares de franceses, mais de um milhão, segundo os organizadores, marcharam pelas ruas da capital em defesa da família e do casamento. Jovens, crianças, idosos, homens e mulheres, famílias inteiras, caminharam sob um clima amistoso, contrariando os "conselhos" do ministro do interior, Manuel Valls[1]. Voltando no tempo, lá no já longínquo agosto de 2012, e comparando a situação de então com o que se viu ontem, podemos afirmar, sem dúvida nenhuma, que a França despertou, acordou de sua letargia.  E o que provocou este despertar? Com a vitória do socialista François Hollande para a presidência, foi colocada em implementação por sua ministra da Justiça, Christiane Taubira,  a guardiã dos selos, como se diz na França, uma "mudança de civilização"[2], que tem como norte a destruição dos últimos resquícios das tradições qu

Pai Nosso explicado

Pai Nosso - Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou a seus discípulos”. È em resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental, o  Pai-Nosso. Pai Nosso que estais no céu... - Se rezamos verdadeiramente ao  "Nosso Pai" , saímos do individualismo, pois o Amor que acolhemos nos liberta  (do individualismo).  O  "nosso"  do início da Oração do Senhor, como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em verdade, nossas divisões e oposições devem ser superadas. É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver morar em si aquele que ele invoca. Os sete pedidos - Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo