"No Pai nosso o que é correto rezar: 'perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tenham ofendido', ou 'perdoai as nossas dívidas assim como perdoamos as de nossos devedores'. Dizem que a tradução correta dos evangelhos originais de Matheus é a segunda hipótese. Henrique Sebastião se puder tirar esta minha dúvida eu agradeço. A paz de Jesus."
Como fica, então, subentendido, nesta postagem não é nosso objetivo meditar a oração do Pai-Nosso como um todo. – Seria bom fazê-lo, e possivelmente o faremos, se Deus o quiser. – Agora procuraremos, com a Graça do mesmo SENHOR, resolver uma dificuldade que perturba alguns fiéis católicos que querem continuar seguindo com fidelidade a Sagrada Tradição através do Magistério perene da Santa Madre Igreja.
Há um provérbio popular que diz: "Ensinar o Pai-Nosso ao Vigário". Vivemos em tempos tão conturbados que este provérbio está se realizando "ipsis litteris", isto é, nas mesmas letras. Pois uns dizem: "Senhor Vigário, o senhor está errado porque está rezando no Pai-Nosso: 'Perdoai as nossas ofensas', e não 'dividas'". Já outros dizem: "Senhor Vigário, o senhor está errado porque está rezando no Pai-Nosso: 'perdoai as nossas dívidas', e não 'ofensas'".
Todos sabemos que foi Jesus quem ensinou o Pai-Nosso. Por isso é a oração mais perfeita e mais bela que existe. É a Oração do Senhor ou "Oração Dominical". "Dominus" em latim quer dizer "Senhor". Quão importante e necessário é que rezemos o Pai-Nosso como Jesus ensinou! Devemos rezá-lo não só com grande devoção mas também como Jesus rezou, portanto, com toda a fidelidade. Facilitá-lo é a finalidade desta postagem.
Dois Evangelistas relatam a passagem em que se narra como Jesus ensinou o Pai-Nosso: São Mateus (6, 9-13) e São Lucas (11, 1-3). Pelos estudos da Exegese parece que Jesus só se utilizou do aramaico, língua falada na Palestina naquela época, aliás muito parecida com o hebraico, idioma original dos judeus. Usava-se também o grego (língua da Ciência e da Filosofia) e o latim, por ser a língua oficial do império romano, ao qual estava sujeita a Palestina na época.
Concluímos com toda probabilidade que Jesus ensinou o Pai-Nosso em aramaico. São Mateus também escreveu seu Evangelho em aramaico. Já São Lucas escreveu o terceiro Evangelho em grego. São Lucas é o único que não pertence a raça judaica: nasceu em Antioquia, era médico e escrevia em grego. Possuía, inclusive, grande conhecimento desta língua, e o seu Evangelho, literária e historicamente, é o mais perfeito.
Quanto ao Pai-Nosso, os relatos de São Mateus e de São Lucas não são iguais: Lucas é mais sucinto. Por isso a Santa Madre Igreja adotou o de São Mateus completado com alguma palavra do de São Lucas. De São Mateus a Igreja adotou o Amém, segundo a Vulgata de São Jerônimo. Agora vamos ao ponto nevrálgico: dívidas ou ofensas?
Além de São Lucas, também São Marcos e São João escreveram em grego. São Jerônimo traduziu os quadro Evangelhos para o latim. Em São Mateus traduz empregando a palavra debita que quer dizer: "dívidas". De São Lucas traduziu peccata, que quer dizer: "pecados". A palavra empregada no aramaico por São Mateus corresponde no grego à palavra ofeilémata, que em português quer dizer exatamente "dívidas". São Lucas, porém, não empregou esta palavra, mas a substituiu pela palavra grega martías, que em português quer dizer exatamente "pecado". São Lucas assim o fez (e como já dissemos ele tinha um conhecimento profundo do grego) porque "pecado" era mais claro para os leitores gregos, enquanto que a palavra ofeilémata (dívidas), sugeria-lhes a ideia de obrigação financeira.
Por sua vez, São Mateus empregou a palavra aramaica que significava dívidas porque no aramaico a noção de pecado exprimia-se correntemente pela palavra "dívida". E a demonstração mais clara disto é o exemplo do próprio Cristo Jesus, que usou a parábola dos Servos Devedores, para mostrar que, se nós não perdoarmos as ofensas que nossos próximos nos fazem, também Ele não perdoa os nossos pecados. – Logo depois de ensinar o Pai-Nosso, Jesus disse: "Porque, se vós perdoardes aos homens as suasofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará os vossospecados. Mas, se não perdoardes aos homens, tão pouco vosso Pai vos perdoará os vossos pecados". (S. Mateus, 11, 14-15).
Vemos assim que já nas origens, partindo das próprias palavras do Cristo, haviam as duas palavras. Isto explica o porquê das diferenças, – aliás mais superficiais do que reais, – nos diversos idiomas do mundo, ao se rezar o Pai-Nosso. Fiz uma pesquisa e pude constatar o seguinte: Em Portugal já se rezava "ofensas" (o Pai-Nosso num livro de 1940 e no 'Pequeno Manual do Catequista' do célebre teólogo Perardi, editado em 1955 em LISBOA, na gáfica União, traz o Pai-Nosso em latim ao lado da tradução em Português, e lá está: 'Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido'); na França se rezava "offences", isto é, "ofensas" (Pai-Nosso num livro de 1914); na Itália se rezava "debiti", isto é, "dívidas" ( Pai-Nosso num livro de 1960); na Espanha se rezava "deudas", isto é, "dívidas" ( Pai-Nosso num livro de 1928).
No Brasil se rezava "dívidas", e não "ofensas". Depois do Concílio Vaticano II, os bispos do Brasil decidiram passar a rezar "ofensas", como em Portugal. D. Antônio de Castro Mayer não teve nenhuma dificuldade em aceitar a mudança e a impôs na Diocese de Campos, inclusive ao imprimir o Catecismo já usou o Pai-Nosso com esta modificação. O Padre Emanuel José Possidente, em 1972, quando imprimiu seus "Planos de Aulas" ('Explicação do Pequeno Catecismo') faz a explanação do Pai-Nosso segundo a mudança, ou seja, "perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos têm ofendido".
Numa posterior reunião do clero, um dos sacerdotes da atual Administração Apostólica São João Maria Vianney apresentou objeção, aceita no momento por seus pares; D. Antônio de Castro Mayer voltou atrás e mandou que se continuasse rezando o Pai-Nosso como até então sempre fora o costume no Brasil, com "dívidas" no lugar de "ofensas"1. – Aconteceu que , com a vinda do novo Bispo, D. Carlos Navarro, houve a famosa divisão na Diocese de Campos, porque o Bispo expulsou os padres da Administração de suas paróquias. Assim, o povo que ficou do lado do novo Bispo rezava o Pai-Nosso com a mudança ('ofensas') e os da Administração continuaram com a versão tradicional ('dívidas'). – Isso criou no povo uma ideia errada de que rezar "nossas ofensas" seria sinal de progressismo. Os próprios padres da Administração, porém, reconheceram que pela estudo exegético e histórico a mudança realmente não envolvia nenhum progressismo. Quem poderia tachar de "progressistas" o Santo Cura d'Ars ou Santa Terezinha, porque rezavam : "Pardonnez-nous nos offenses, comme nous pardonnons à ceux qui nous ont offensés", (Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido)?.
Portanto, tal diferença já havia antes do Concílio Vaticano II, e mesmo que tivesse advindo deste, não haveria aí nenhum problema. A realidade precisa ser vista objetivamente. Não sabemos dizer se a mudança ocorreu apenas no Brasil ou também em outros países onde que se rezava "nossas dívidas". – Se alguém souber e puder nos esclarecer, ficaremos muito agradecidos.
1. Conf. informações da página mantida por sacerdote da Administração Apostólica São João Maria Vianney, "Zelo Zelatus Sum", ref. fonte espec. abaixo.
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Adaptado do artigo "O Pai-Nosso", do site "Zelo Zelatus Sum", disponível em: