O apelo final por ajuda indica uma pessoa submetida a muitos sofrimentos, que deseja entender a razão deles em face de um Deus que é Pai de misericórdia: “Compassivo e misericordioso é o Senhor, paciente e cheio de misericórdia; o Senhor é suave com o mundo todo, e suas misericórdias se estendem sobre todas as suas obras” (Ps 144,8-9). Como explicar, então, que Deus permita que soframos?
Como primeiro movimento de uma alma católica e, me compadeço desses sofrimentos e peço a Maria Santíssima que interceda junto a Deus Nosso Senhor para que eles sejam diminuídos na medida do possível. Mas há uma quota de sofrimento, variável no modo e na intensidade, que cada um de nós nesta vida tem de carregar. Para esse sofrimento peço a Deus, em favor da consulente, a paciência e a resignação de alma, tão agradáveis a Nosso Senhor e tão cheias de frutos para nossas almas.
A pergunta tem um alcance mais profundo do que talvez a própria consulente imaginou ao formulá-la. Com efeito, ela incide sobre uma discrepância fundamental entre o espírito católico e o mundo moderno. Esse ponto de discrepância consiste na seriedade com que devemos encarar a vida nesta Terra.
Para explicar todo o sofrimento que há no mundo São Paulo disse que: “Porque o salário do pecado é a morte. Mas a graça de Deus é a vida eterna em Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 6,23).
É pelo pecado, tanto o original quanto os atuais, que o demônio escraviza a humanidade e a afasta de Deus, fazendo-a sofrer. Para resgatar o homem do poder do demônio e para tirar o pecado do mundo é que Nosso Senhor Jesus Cristo se fez Homem, padeceu e morreu por nós.
Diz-nos o Catecismo que Deus deixa livres as criaturas, sabendo tirar o bem do mal. Só Deus podia conseguir isto: tira o bem do mal. Deus tira o bem do mal nas próprias criaturas. Por exemplo, os nossos sofrimentos.
Se nós recebermos os sofrimentos com resignação, Deus encaminha-os em nosso proveito e mérito para o céu, e assim se convertem num bem para nós o mal que outra pessoa nos faz. A crueldade dos tiranos criou os mártires; a pobreza e as misérias produziram os heróis da caridade.
Segundo São Gregório Magno, há cinco razões pelas quais existem os mais variados sofrimentos (doenças, por exemplo):
1) pessoas às quais Deus lhes envia sofrimentos para as fazerem melhor (progredirem na santificação ou expiar por outras pessoas);
2) para prevenir a pessoa, por meio daqueles sofrimentos, de faltas que, sem eles, ela viria cometer no futuro;
3) castigos de pecados cometidos, para que a pessoa possa se arrepender e obter a salvação;
4) sofrimentos que Deus infringe aos pecadores que de tal forma já estão apegados ao mal que para eles não há mais arrependimento possível; são para essas pessoas já um início dos sofrimentos eternos, como condenados;
5) e outros sofrimentos enfim que têm por finalidade fazer a pessoa voltar-se para Deus e amá-Lo mais ardentemente pela graça da cura imediata ou mediata. (São Gregório – Catena Áurea – Edição em francês – São João, c. 9, 1-7).
A grave crise de seriedade
O mundo moderno vive um momento de grande decadência espiritual e moral, que teve origem numa grave crise de seriedade. Essa crise veio se desenvolvendo ao longo de séculos, mas até a I Guerra Mundial (1914-1918) a sociedade ainda conservava importantes traços de seriedade. Fotografias e filmes da época mostram pessoas geralmente sérias, tanto nas cenas da vida quotidiana como em ocasiões de solenidade. Entretanto, a partir de então, o processo que leva a ter uma posição superficial perante a vida sofreu uma aceleração rápida, em consequência principalmente da difusão do “espírito de Hollywood”.
Assim chamamos o espírito disseminado pelos filmes provenientes dos Estados Unidos (os quais, aliás, segundo observadores dignos de crédito, apresentavam a mentalidade norte-americana não de modo autêntico, mas caricatural). O fato é que, em poucas dezenas de anos, implantou-se em todo o Ocidente um modo otimista, risonho e superficial de encarar a vida, caracterizado pela convicção gratuita de que o desenrolar dos acontecimentos termina sempre num happy end. Isto é, tudo nesta vida tem um final normalmente feliz.
Tal estado de espírito predispõe a considerar o sofrimento como um intruso no decurso normal da vida.
Assim, para compreendermos sem dificuldade a razão de ser do sofrimento no plano divino, temos que expungir de nossa alma todo resquício de espíritohollywoodiano que, mesmo sem o percebermos, se tenha introduzido em nós. Para isso, nada melhor do que nos compenetrarmos de que a vida é séria, extremamente séria.
O sofrimento e a salvação das almas
O fundamento mais tangível dessa seriedade é que temos uma alma a salvar: o desfecho de nossa história pessoal será uma vida eternamente feliz no Céu ou uma vida eternamente desgraçada no inferno.
A graça de Deus nos chama constantemente para as vias da salvação, mas a escolha do caminho depende também de nossa cooperação — ou não cooperação… — com essa graça. E nesta alternativa se joga tudo por tudo! Como, então, passar a vida sorrindo tolamente diante dessa dupla perspectiva final?
O sofrimento entrou no mundo pelo pecado. A consequência do pecado de nossos primeiros pais, Adão e Eva, foi sua expulsão do Paraíso terrestre, a condenação à morte e o fechamento do Céu para o gênero humano. Deus, porém, que é Pai de misericórdia, apiedou-se da humanidade e determinou que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fizesse homem, pagasse por nós o débito do pecado — que, por ser infinito, não estávamos em condições de saldar — e nos reabrisse o Céu. Tal foi a obra da Redenção consumada pelo sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo no alto da Cruz. O essencial, portanto, foi cumprido pelo Divino Salvador.
Entretanto, Deus estabeleceu que o fruto da Redenção se aplicasse a cada um de nós pela nossa participação pessoal no Sacrifício redentor de Cristo. E essa participação se dá pela aceitação amorosa e resignada dos sofrimentos que Deus nos manda nesta vida. É a doutrina ensinada por São Paulo, segundo a qual devemos completar em nossa carne o que falta à Paixão de Cristo (cfr. Col 1,24).
Há cinco pontos que são importantes quando se discute o sofrimento:
(1) Nós acreditamos que a Paixão de Cristo e sua morte na Cruz é um suficiente e completo sacrifício para a redenção da humanidade,
(2) Como seguidores de Cristo, nós formamos o Corpo Místico no mundo, tendo Jesus como cabeça deste Corpo,
(3) Seu “corpo” ainda sofre as dores e tribulações de seus seguidores,
(4) Como humanos nós todos somos pecadores, e mesmo tendo perdoado nossos pecados através da Confissão, a necessidade por reparação permanece, e
(5) Nós podemos oferecer nossos sofrimentos pelos outros membros do corpo de Cristo, estes sofrimentos tem valor redentor e podem construir a Igreja como um todo.
Quando tudo está indo bem, muitos de nós esquecem que somos mortais e que a vida está passando rápido. Entretanto, vivemos em um vale de lágrimas e, queiramos ou não, todos nós enfrentaremos sofrimento em algum ponto de nossas vidas. O sacrifício envolve um elemento de sofrimento, e como São Paulo escreveu: “Eu vos peço pela misericórdia de Deus que ofereçais os vossos corpos como uma oferta viva, santa e agradável a Deus...” (Rm 12,1). Alguns de nós aceitam o sofrimento melhor do que outros, agindo como o bom ladrão na Cruz, que usou o seu sofrimento como reparação dos seus pecados, e em troca disso ouviu as seguintes palavras dos lábios de Jesus: “Eu te asseguro: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso!” (Lc 23,43). Pense em todos as adversidades que enfrentamos na vida, mesmo em um dia comum: pagar as contas, colocar comida na mesa, cuidar de uma família em uma sociedade afastada de Deus. E somado a isso, muito sofrimento emocional, físico e provações espirituais... às vezes todas nossas obrigações tornam-se tão pesadas. Qual que seja a raiz do problema, dor é dor e nós precisamos perguntar a nós mesmos: o que Deus está tentando nos ensinar através desta cruz? Em todos os caminhos da vida nós enfrentamos adversidades. Nosso Senhor disse à Santa Faustina: “Minha filha, o sofrimento será para ti um sinal de que estou contigo”(Diário da Santa Faustina, 669). E em outra ocasião, Ele disse: “Minha filha, não tenhas medo dos sofrimentos, Eu estou contigo” (Diário, 151). Alguns podem acreditar que Santa Faustina teve uma vida fácil, cheia de graças extraordinárias e com poucos desafios. Contudo, assim como muitos dos santos antes dela, ela sofreu muito; ela tinha tuberculose avançada e morreu ainda na mocidade aos trinta e três anos. Além de seu sofrimento físico, ela passou por rejeições e humilhações, assim como em seu interior sofreu ao conhecer a misericórdia de Deus e como nós freqüentemente a rejeitamos. Por vezes, sua dor física ultrapassou seus limites humanos, e ela escreveu, “Hoje os meus sofrimentos aumentaram um pouco; não somente sinto dores maiores em ambos os pulmões, mas, também dores estranhas nos intestinos. Sofro tanto quanto a minha frágil natureza é capaz de suportar...” (Diário da Santa Faustina, 953). Ela mantinha sua confiança em Deus a despeito apesar de todas suas provações e atribulações. Ela escreveu “Oh! quão agradáveis são os hinos entoados por uma alma sofredora! Todo o Céu se encanta com uma alma assim — especialmente quando provada por Deus, entoa-Lhe seus saudosos lamentos. Grande é sua beleza, porque ela provém de Deus. Caminha pelo deserto da vida, ferida pelo amor de Deus. Ela toca a terra apenas com um só pé” (Diário, 114).
Enquanto nosso espírito pode ser forte, a carne é fraca e às vezes nós nos cansamos e desanimamos. Podemos perguntar “O que há de bom nisso?” “Quando isso vai terminar?” ou “Por que eu?” mas devemos manter nosso foco em Jesus e trilhar o bom caminho
São insuportáveis os sofrimentos?
Essa exposição tem como fundo de quadro sofrimentos humanamente suportáveis (bem entendido, com a ajuda da graça divina). Mas nossa missivista refere-se a três gêneros de sofrimento — “a guerra, a doença e a fome” — que, no seu entender, parecem exceder de muito a capacidade do homem de suportá-los. Como conciliar isso com a visão que temos de um Deus, Pai das misericórdias?
A dúvida faz sentido. Os jornais descrevem todos os dias horrores da guerra, atos pavorosos de terrorismo que atingem indiscriminadamente todo gênero de vítimas, incursões criminosas de guerrilhas que tumultuam a vida de diversas nações, regimes totalitários que provocam fomes insanáveis a que estão submetidas populações inteiras, a pandemia da Aids etc. Não constitui isso um sofrimento que ultrapassa todo limite do suportável?
Sem dúvida, o estado de convulsão generalizada em que está o mundo produz sofrimentos inauditos.
Porém, cumpre perguntar se o estado de pecado em que vive hoje grande parte da humanidade não é de molde a atrair castigos divinos. E a pecados inauditos, castigos inauditos… E como isso tudo ofende a Deus!
O bom pai, quando castiga, é para bem do filho
A revista Catolicismo tem mostrado a extensão e a gravidade desses pecados: a imoralidade inconcebível das modas e dos costumes, a desagregação institucional da família, o aborto, a depravação homossexual e tantas outras desordens, na esfera individual como na social, nacional e internacional.
Tudo isso manifesta o abandono dos princípios da moral natural e da moral católica, um voltar desdenhoso de costas a Deus. Como admirar-se de que Deus puna o mundo com castigos nunca vistos?
Assim, ao sofrimento que sempre acompanhou a vida do homem desde Adão e Eva acrescentam-se sofrimentos incomensuráveis, que se podem atribuir a um castigo pela apostasia hodierna, a qual ofende enormemente o Coração de Jesus. Aceitar com amor e resignação os sofrimentos que daí decorrem é um meio de a alma católica reparar tão grandes ofensas.
Deus nunca deixa seus filhos ao abandono, mas socorre-os misericordiosamente.
Por isso enviou sua Santíssima Mãe à Terra, em Fátima, a anunciar que, se os homens não se emendassem, grandes castigos haveriam de sobrevir. Porém, ao fim destes, graças também nunca vistas choverão sobre a humanidade, que retornará a Deus e à Igreja, estabelecendo-se na Terra uma era de paz: é o Reino de Cristo, que se reinstaurará com o triunfo do Imaculado Coração de Maria. Essa a grande e maravilhosa esperança que nos dá ânimo para suportar todas as lutas e sofrimentos deste mundo convulsionado em que vivemosTambém para o pecador Deus alcança um bem. Se, face ao sofrimento, o indivíduo que praticou o mal o reconhece, se arrepende dele e pede perdão, Deus manifesta-lhe sua bondade, a sua misericórdia, perdoando-lhe. Se morre impenitente, Deus manifesta nele a sua justiça, que triunfa do mal e dos inimigos.
Ó minha Mãe dolorosa! Pelo merecimento da dor que sentistes, vendo vosso amado Jesus conduzido à morte, impetrai-me a graça de também levar com paciência as cruzes que Deus me envia.
Feliz serei, se soube acompanhar-vos com minha cruz tão pesada, e eu, pecador, que tenho merecido o inferno, recusarei carregar a minha?
Ah! Virgem Imaculada, de vós espero socorro para sofrer com paciência todas as cruzes. Amém.