Extraído de: http://is.gd/AqXoa8
PAIS DO LAR
Aos poucos, os parques infantis, as reuniões escolares e os consultórios pediátricos conhecem um novo frequentador: o homem que fica em casa para criar os filhos
por Rachel Costa
Todo dia ele faz tudo igual: prepara o café da manhã, leva e busca na escola a filha Alice, 3 anos, dá banho na menina e, enquanto a mulher, Lúcia Farias, 32 anos, está no trabalho, prepara o jantar. Pilotar fogão, trocar fralda, contar história para a filha dormir, nada disso parece estranho ou incômodo ao fotógrafo gaúcho Ricardo Toscani, 32 anos, que cumpre sem fazer cara feia todas essas atividades, que no passado eram delegadas à mãe. “Não existe barato melhor que buscar seu filho depois da aula”, diz. Na casa dele e da mulher é assim: papai fica em casa enquanto mamãe vai trabalhar. “Quando ele falou: ‘depois dos quatro meses de licença maternidade, eu assumo’, eu fiquei mais tranquila e topei a gravidez”, conta Lúcia, que não pensava em ser mãe.
Configurações como essa ainda são pouco comuns no Brasil e causam certo estranhamento. Expressões como “mas homem não sabe trocar fralda” ou questionamentos como “seu marido não vai trabalhar nunca mais?” não raro são ouvidos pelas famílias onde existe “dono” de casa. Mas não se engane: esses homens são apenas os primeiros de um novo modelo de pai que está em gestação, resultado direto da busca por igualdade entre os sexos. E se aqui ainda são raros, o mesmo não ocorre em outras partes do mundo. Na Suécia, por exemplo, ficar em casa é um direito adquirido pelo pai, que pode dividir, do modo como quiser, os 480 dias de licença dados ao casal – desde que no mínimo 60 dias sejam para o homem.
“Para o meu avô, o mais importante era ganhar dinheiro para sustentar a família”, disse à ISTOÉ o jornalista americano Jeremy Smith, que trocou o emprego pelo filho Liko quando ele tinha um ano de vida. “Dos pais do século XXI, é esperado que eles ajudem com as tarefas domésticas e no cuidado emocional e psicológico dos filhos, não ficando mais só por conta de sustentar financeiramente a casa”, diz. A escolha de Smith lhe rendeu momentos inesquecíveis. “Estava com ele quando aprendeu a andar”, conta o pai, que transformou a experiência no livro “A Jornada do Papai” (tradução livre, Beacon Press, 2009) e no blog Dialética do Papai (daddy-dialectic.blogspot.com). Escolado na arte de cuidar do rebento, Smith garante que, embora não sejam muitos os homens como ele, nunca se sentiu solitário nos Estados Unidos. “É comum encontrar outros pais com seus filhos pelos parquinhos aqui na cidade de São Francisco. Somos uma minoria, mas estamos aí”, declara.
Mesma constatação é feita nas clínicas pediátricas. “Cada vez mais vejo homens sozinhos com a criança no meu consultório”, diz o pediatra Marcelo Reibscheid, do Hospital São Luiz, em São Paulo, que garante que os pais são tão bons cuidadores quanto as mães. Defensores dos pais do lar também têm se proliferado entre os cientistas. Um deles, o psiquiatra americano Kyle Pruett, da Universidade de Yale, defende que a tendência masculina de desenvolver brincadeiras físicas com as crianças ajuda em muito no desenvolvimento e a presença paterna na infância forma adolescentes mais seguros sobre sua sexualidade.
Basta, portanto, encarar o desafio de peito aberto para o papai descobrir que é um grande mito aquele papo de que homem não “leva jeito” com criança. “Claro que tem umas coisas que dão muito desespero”, admite o jornalista paulista Ricardo Brandt, 36 anos, pai das bebês gêmeas Beatriz e Helena. Ele não se esquece das primeiras cólicas das filhas e das crises de choro noturnas sem nenhuma razão aparente. “Cansa a gente muito, mas não existe coisa mais gratificante que ver o sorriso delas”, diz o pai, autor do blog O Papai, as Gêmeas e a Mamãe. Quando a mulher, Taís, engravidou, Brandt resolveu entrar de cabeça na experiência paterna. “Voltei para o interior e tirei um ano sabático para ficar com as meninas”, conta ele, que largou o emprego em São Paulo e foi para Araras, interior do Estado. Ter de inventar uma solução para ficar com os filhos, como fizeram Brandt e Toscani, é comum no Brasil, uma vez que a licença-paternidade prevista em lei é de apenas cinco dias. “Ainda estamos bem atrasados, vai demorar para a Constituição absorver essa mudança que já está acontecendo na sociedade”, considera o assessor legislativo da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dioclécio Campos Júnior. Mas, tudo indica, é uma questão de tempo.