Dois pesquisadores encontraram uma raridade estatística: índices de bem-estar que crescem junto com o número de crianças numa sociedade.
Por Daniella Cornachione
A relação tradicional entre a qualidade de vida de um país e o número de filhos em suas famílias é bem conhecida: em geral, vivem melhor as sociedades que têm menos crianças. A média de filhos por mulher cai conforme avança o desenvolvimento econômico de uma nação. Nessas sociedades, cidadãos mais bem educados levam em conta as responsabilidades e os custos de criar cada filho. As mulheres se preocupam mais com a carreira, decidem com autonomia, têm acesso difundido à informação e a métodos contraceptivos. Os empregos migram para as cidades, e os filhos deixam de ser vistos como mão de obra necessária, como ocorre com as famílias pobres no campo. Por isso, as maiores taxas de fecundidade do mundo estão em países paupérrimos na África, como Níger e Congo. Mas um estudo feito em uma das melhores escolas de negócios do mundo, a espanhola Iese, parece finalmente ter encontrado o papel dos bebês como geradores de felicidade.
A pesquisa foi organizada pelo engenheiro Franz Heukamp, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e pelo matemático Miguel Ariño, da Universidade de Barcelona. O objetivo era encontrar as características não econômicas de cada país que pudessem explicar o fato de as pessoas se dizerem mais ou menos satisfeitas com a vida. Ariño e Heukamp cruzaram dois grupos de informações. O primeiro é de questionários sobre bem-estar subjetivo, combinados com características pessoais como estado civil, idade e gênero. Os dados são da Pesquisa Mundial de Valores, do Unicef, de 1981 a 2004, com informações de 100 mil pessoas de 64 países. O segundo grupo inclui indicadores sociais e econômicos, entre eles natalidade, inflação e PIB.
Eles perceberam que, entre sociedades com o mesmo nível de desenvolvimento econômico, o bem-estar tende a ser maior naquelas com menor nível de corrupção e naquelas em que a religião mais difundida não é o islamismo (atualmente associado, em muitos países pobres, à falta de liberdade política e religiosa). E encontraram também uma tendência, entre países desenvolvidos, de haver maior nível de satisfação onde há taxas de fecundidade superiores. Dinamarqueses e holandeses se dizem mais felizes do que alemães e japoneses, que desfrutam os mesmos confortos materiais. “Baixas taxas de natalidade sempre estiveram associadas a alto nível de desenvolvimento. Mas também podem significar egoísmo em uma sociedade, e isso afeta o bem-estar”, afirma Ariño.
A conclusão de que maior natalidade traz maiores chances de bem-estar deve ser vista com cuidado, já que outras variáveis não contempladas no estudo poderiam influir no resultado. Mas incluir a natalidade como fator de bem-estar coletivo é uma abordagem nova e promissora para a economia da felicidade, um campo que mistura psicologia e economia. Seu precursor é John Helliwell, professor da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. O palpite dele para explicar a conclusão do estudo é que quando um país sofre privações de alguma ordem, mesmo que seja desenvolvido, a sensação de bem-estar subjetiva cai e acelera a redução da taxa de natalidade. “As conclusões desse tipo de estudo não encontram, necessariamente, uma relação de causalidade direta. Nosso desafio é entender o que causa o quê”, afirma o economista Alois Stutzer, coautor do livro Economics & hapiness (Economia & felicidade). “Quando o filho nasce, mesmo que não tenha sido planejado, as pessoas tendem a racionalizar como algo bom. Já ter menos filhos do que se gostaria pode causar a sensação de infelicidade”, diz o demógrafo do IBGE José Eustáquio Alves.
Nas últimas décadas, a fecundidade caiu tanto na Europa que se tornou um problema. Em muitos países, como França, Holanda, Dinamarca e Reino Unido, existem políticas de incentivo à natalidade. O governo oferece benefícios à família e à criança, às vezes até a idade adulta. Mesmo assim, os casais europeus, na média, têm bem menos de dois filhos, um fenômeno que os demógrafos chamam de fecundidade indesejada por falta, quando a mulher tem menos filhos do que gostaria. A demografia diz que a “taxa de reposição” de uma população tem de ser, em média, de 2,1 filhos por mulher, para que não desapareça em algumas centenas de anos. Também há prejuízo econômico em ter mais idosos aposentados do que jovens trabalhando.
Há alguns sinais de reação a essa tendência. As taxas de fecundidade de alguns países estão estabilizadas ou cresceram. Um deles é a Dinamarca, que pertence ao grupo de países mais felizes, de acordo com o estudo. “Até 1985, cada dinamarquesa tinha durante a vida, em média, 1,4 filho. O número foi para 1,8 em 2010”, afirma o demógrafo Ralph Hakkert, consultor da ONU. “Na Suécia, a taxa de fecundidade era de 1,5 entre 1995 e 2000 e foi para 1,9 em 2010. É uma evolução importante.” A explicação pode estar na mudança do estilo de vida das europeias, segundo Hakkert. Nos anos 1980, elas estavam em plena disputa por espaço no mercado de trabalho. Como os países nórdicos avançaram rapidamente em oferecer oportunidades iguais, mais mulheres podem voltar a pensar em ser mãe e manter a vida profissional. Ainda não se pode dizer que seja uma tendência global, mas trata-se de uma mudança promissora – e bem simpática.