“A Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino em forma de Catecismo” do Pe. Tomas Pégues, O. P., é uma excelente obra para aqueles que desejam iniciar o estudo da Obra Magna de Santo Tomás. Um tanto raro aqui no Brasil, haja vista que sua última edição em português data do início da década de 40, este livro é formulado como todos os catecismos tradicionais em perguntas e respostas e é de agradável leitura.
SEGUNDA PARTE: O HOMEM PROCEDE DE DEUS E PARA DEUS DEVE VOLTAR
SEGUNDA SEÇÃO: ESTUDO CONCRETO DOS MEIOS QUE O HOMEM DEVE EMPREGAR PARA VOLTAR PARA DEUS
X. DOS VÍCIOS OPOSTOS À CARIDADE E DE SEUS ATOS: ÓDIO, TÉDIO OU PREGUIÇA ESPIRITUAL, INVEJA, DISCÓRDIA, OBSTINAÇÃO, CISMA, GUERRA, RIXA (DUELO) SEDIÇÃO, ESCÂNDALO.
Qual é a primeira coisa de que o coração do homem deve estar isento para tratar com os seus semelhantes?
Do sentimento de ódio (XXXIV).
O que é o ódio?
É o vício mais funesto e diametralmente oposto ao ato principal da caridade, o amor de Deus e do próximo (XXXIV, 2-4).
É possível que alguma criatura tenha ódio a Deus?
Sim (XXXIV, 1).
Como pode ser isso, considerando-se que Deus é Bem Infinito e Autor de todos os bens, naturais e sobrenaturais das criaturas?
É tal a depravação moral de alguns seres, que não consideram a Deus como bem infinito e fonte de toda a perfeição e de toda luz, mas apenas como legislador que proíbe cometer pecados e juiz que castiga os cometidos, dos quais não querem arrepender-se (ibid.).
Logo, o ódio a Deus é uma espécie de obstinação diabólica no mal?
Sim.
Há pecado maior do que este?
Não (XXXIV, 2).
Pode ser lícito em alguma ocasião odiar o próximo?
Não (XXXIV, 3).
Mas se há homens que praticam o mal, por que não havemos de odiá-los?
Não devemos odiar aqueles que procedem mal, mas tão somente detestar o seu pecado, em atenção ao amor que devemos ter-lhes (ibid.).
Não poderemos jamais desejar-lhes algum mal?
Não; embora em virtude do amor que devemos ao próximo, à sociedade e sobre tudo a Deus, podemos desejar-lhes alguns males e castigos como meios de trazê-los ao bom caminho e salvaguardar os direitos da sociedade e da honra de Deus (ibid.).
Podemos desejar a alguém a condenação eterna?
Por grandes que sejam seus crimes e pecados, nunca será lícito, pois tal ato é diretamente oposto à caridade que nos ordena desejar a todos, exceto os demônios e aos réprobos que já estão no inferno, a bem-aventurança celestial.
Há algum vício particularmente oposto ao segundo ato de caridade, chamado gozo ou alegria?
Sim; o vício da tristeza quando se manifesta em forma de fastio das coisas e bens sobrenaturais que são o objeto de caridade (XXXV).
Como é possível tal fastio?
Porque os homens têm o gosto espiritual tão depravado, que não encontra prazer em Deus assim consideraram o que a Ele se refere como coisa odiosa, sombria e melancólica.
É sempre um pecado mortal?
Quando degrada o apetite sensitivo e chega a invadir a razão, sim (XXXV, 1).
Por que, neste caso, é um pecado mortal?
Porque é diretamente contrário à caridade que, ao impor-nos a obrigação de amar a Deus sobre todas as coisas, nos manda buscar Nele a alegria, o repouso e a tranquilidade (XXXV, 3).
A tristeza, que estamos falando, é pecado capital?
Sim; porque é a origem de muitos outros que os homens cometem, certas vezes pretendendo evitá-la e em outras vezes impelidos por ela mesma (XXXV, 4).
Que nome tem?
Chama-se tédio ou fastio espiritual.
Podereis enumerar os pecados derivados da preguiça?
Sim; desesperação, pusilanimidade, indolência para observar os mandamentos, rancor, malícia e divagando pelos campos do ilícito (XXXV, 4, ad 2).
A preguiça é o único vício oposto à alegria da caridade?
Não; há outro chamado inveja (XXXVI).
Em que se diferencia a inveja da preguiça ou tédio espiritual?
Em que o tédio se opõe a alegrar-se no bem divino conforme é e está em Deus e que nós teremos de gozar algum dia, e a inveja se opõe a alegrar-se no bem próximo (XXXV, XXXVI).
Logo, o que entendeis por inveja?
Um pesar do bem alheio, não porque nos prejudique, mas porque outro o possui (XXXVI, 1-3).
A inveja é um pecado?
Sim, porque o bem do próximo produz ao invejoso desgosto e incômodo, quando lhe deverá causar alegria (XXXVI, 2).
É sempre pecado mortal?
Sim, por ser essencialmente contrário à caridade; só pode ser venial quando se limite aos primeiros movimentos indeliberados de sensibilidade (XXXVI, 3).
É pecado capital?
Sim, porque origina muitos outros, seja por dela derivarem, seja por entrarem nela inteiramente (XXXVI, 4).
Que pecados se derivam da inveja?
A murmuração, a maledicência ou difamação, a alegria na adversidade do próximo, a tristeza na sua prosperidade e o ódio (ibid.).
Há vícios opostos à caridade, por se oporem também à paz?
Sim.
Quais são?
A discórdia, que reside no coração, a porfia nas palavras e na ação; o cisma, a rixa, a sedição e a guerra (XXXVII, XLII).
Em que consiste a discórdia?
Na atitude do que, deliberadamente e consciente do seu erro, se opõe ao parecer e ditame dos outros, em coisas que pertencem à honra de Deus ou ao bem do próximo; em manter esta atitude, ainda que de boa fé, em matéria indispensável para a salvação; e em qualquer circunstância, sustenta-la com obstinação e pertinácia (XXXVII, 1).
Em que consiste a porfia?
Em contender com palavras (ibid.).
É pecado a porfia ou contenção?
É pecado quando se porfia pelo prazer de contradizer; também o é com maioria de razão, quando se prejudica o próximo ou os foros de verdade; também o é finalmente, quando, ainda que se defenda a verdade, se faz em tom imoderado e com palavras mortificantes (XXXVIII, 1).
O que entendeis por cisma?
A cisão ou ruptura com que alguém, livre e espontaneamente, se aparta da unidade eclesiástica, recusando obstinadamente a submeter-se à autoridade do Soberano Pontífice, ou conviver com os demais fiéis, como membro da mesma Igreja (XXXIX, 1).
Por que enumerais a guerra entre os pecados opostos à caridade?
Porque a guerra injusta é um dos maiores crimes que se podem cometer contra o próximo.
É lícito em alguma ocasião fazer a guerra?
Com causa suficiente e sem cometer injustiças durante o seu desenvolvimento, sim (XL, 1).
O entendeis por causa suficiente?
A dura necessidade de fazer respeitar pelas armas os direitos essenciais para as boas relações entre os homens, rompidos por uma nação que se nega a desagravar e satisfazer (ibid.).
Sem estas duas condições, a guerra é alguma vez lícita?
Não (ibid.).
Os que pelejam na guerra justa e pessoalmente não cometem injustiças praticam ato de virtude?
Sim; porque se expõem aos maiores perigos para defender a causa de Deus e de seus irmãos.
Em que consiste o pecado oposto à paz, chamado rixa?
Em uma espécie de guerra entre particulares, estabelecida sem mandato da autoridade pública; por este único conceito é sempre falta grave para quem a provoca (XLI, 1).
Acha-se compreendido neste vício o combate especial chamado duelo?
Sim; com o agravante de que o duelo se combina a sangue frio e não sob o impulso repentino da paixão.
O duelo é ato essencialmente mau?
Sim; porque o duelista põe em grave perigo a sua vida e a do seu adversário, contra o disposto por Deus.
Em que consiste a sedição como vício oposto à caridade?
Na formação de partidos ou bandos, no seio de uma nação ou Estado com objetivo de conspirar ou de promover arruaças e tumultos, uns contra os outros, ou contra a autoridade e o poder legítima (XLII, 1).
O pecado da sedição tem especial gravidade?
Sim; porque assim como não pode haver bem mais apreciado num povo do que a ordem pública, base e condição indispensáveis para a sua prosperidade, assim também não se pode cometer contra ele maior crime do que o da guerra interna; assim em certo modo, a sedição é um crime superior ao da guerra injusta (XLII, 2).
Há algum pecado especial oposto à caridade por ser contrário ao seu ato exterior, chamado beneficência?
Sim; o pecado de escândalo (XLIII).
Em que consiste o pecado de escândalo?
Em dizer ou fazer alguma coisa capaz de ocasionar a ruína espiritual do próximo, ou tirar das palavras e feitos de outros, ocasião de pecar; no primeiro caso se dá escândalo, no segundo se recebe (XLIII, 1).
Escandalizam-se somente os imperfeitos?
Ainda que qualquer ato reprovável possa levar a turbação ao ânimo dos mais virtuosos, no sentido próprio da palavra só os imperfeitos se escandalizam (XLIII, 5).
Os justos podem dar escândalo?
Não; porque, enquanto forem justos, nada farão que possa escandalizar e, se alguém tira dos seus feitos motivos de escândalo, deve atribui-lo à própria malícia e perversidade (XLIII, 6).
Os justos têm, em determinadas ocasiões, a obrigação de abster-se de algumas coisas para não escandalizar os pusilânimes?
Não sendo em coisas necessárias para a Salvação eterna, sim (XLIII, 7).
Há obrigação de abandonar algum bem para evitar o escândalo dos maus?
Não (XLIII, 7, 8).