NO DIA 21 DE JULHO do ano do Se 2015 celebramos o quinto centenário de nascimento de um dos santos mais marcantes da história da Igreja: o grande São Filipe Neri, nascido a 21 de junho de 1515.
Os santos são modelos para nós. Pelo modelo de suas vidas, nos ensinam de modo concreto como servir a Deus e praticar a virtude. Que lição especial nos dá Filipe Neri? Esse amável Santo italiano nos ensina a “servir o Senhor com alegria” (Salmo 99,2). Por seu caráter jovial, foi chamado “santo da alegria” ou “o jogral de Deus”. Ele é o padroeiro da santa alegria. Assim, pode ser um poderoso intercessor quando estivermos acabrunhados com o peso da vida ou em nossos períodos de tristeza ou depressão, infelizmente tão frequentes nos dias difíceis que vivemos.
Filippo Romolo Neri, segundo filho de Francisco Neri e Lucrecia da Mosciano, nasceu na bela cidade de Florença, Toscana, Itália. O casal tinha já uma filha, Catarina, nascida dois anos antes, e teria, três anos depois, Elizabetta (ou Isabel). Outro filho, Antônio, morreria em tenra idade.
Filipe foi batizado na igreja São Pedro Gattolino no dia seguinte ao do seu nascimento. O pai, modesto tabelião, era um bom católico. Sua família havia sido nobilitada no serviço do Estado por ter exercido, durante gerações, funções de relevo na cidade.
Menino de apenas cinco anos, Filipe perdeu a mãe. Encontrou na madrasta, Alexandra de Michele Lensi, uma digna sucessora, que o amou como a um filho. Era criança tão amável que logo era chamado “Pippo Buono”, o “bom Filipinho”. Essa bondade de coração e amabilidade contagiantes, permeadas pela Graça divina, seriam no futuro o grande segredo das conquistas do seu apostolado.
Sua irmã Isabel, testemunha no processo de beatificação, diz: “Ele jamais deu desgosto a seu pai, nem fez algo pelo qual o repreendesse (exceto uma zanga feita uma vez à irmã). (...) Pacífico, jamais se zangou; alegre [ou ‘brincalhão’], máxime com a madrasta, manso e paciente” (Cistellini, p.19).
Filipe aprendeu as primeiras letras com um professor chamado Clemente, que lhe ensinou a ler, escrever, contar. Da primeira infância restam-nos dois episódios narrados por seus primeiros biógrafos. Pippo tinha por volta de oito anos quando, num dia em que queria silêncio para refletir, sua irmã o perturbava. Estavam eles no alto de uma escada. O menino não teve dúvidas: aplicou-lhe um empurrão, e ela rolou escada abaixo. O outro fato é visto como a primeira intervenção visível da Providência divina em sua vida: mais ou menos com a mesma idade, Filipe foi brincar num terreiro perto da casa. Vendo uma mula carregada de frutas, de algum vendedor, não hesitou: pulou-lhe no lombo para cavalgá-la. A besta, assustada, desequilibrou-se e caiu. Mula, carga e menino rolaram pelo chão, caindo num profundo porão. Quando os pais e vizinhos acorreram pensando encontrar o menino morto, viram-no ileso e rindo da aventura.
Filipe estudou depois no convento dominicano de São Marcos, de sua cidade natal. Mais tarde dirá que devia muito do seu progresso intelectual a dois professores daquele convento, Frei Zenóbio de Medici e Frei Servanzio Mini.
O comércio ou o divino
Aos 18 anos, Pippo foi enviado para a Vila São Germano, aos pés do Monte Cassino, para a casa do tio (primo-irmão do pai) Bartolomeu Romolo, para ser iniciado na carreira de comerciante. Ganhou a confiança e afeição do tio, mas, apesar de se empenhar no negócio, suas cogitações estavam muito acima das mercadorias com que lidava. Logo se viu que não tinha tino comercial. Apenas terminado o trabalho do dia, retirava-se para alguma igreja ou oratório, abundantes na Itália. Servia-se também do emprego para fazer apostolado, perguntando aos fregueses se sabiam rezar, ou se haviam feito a Páscoa. O tio dizia: “Filipe nunca será bom comerciante. Eu lhe deixaria toda a minha herança, se não fosse a mania de rezar”. Para Filipe, a “mania” era uma necessidade. “Nada ajuda mais o homem do que a oração”, diria mais tarde.
Um local para onde Filipe se retirava com frequência era uma capela de montanha dos Beneditinos de Monte Cassino, construída sobre a Baía de Gaeta, na fenda de uma rocha que, segundo uma tradição, fendera-se na hora da Morte de Nosso Senhor.
Na Cidade Eterna
Em 1534, com 20 anos incompletos, movido por um impulso sobrenatural, sem avisar seus pais ou qualquer parente, Filipe partiu para Roma como peregrino, na mais completa pobreza.
Na Cidade Eterna, procurou Galeotto Del Caccia, aristocrata seu conterrâneo, aduaneiro; em troca de aulas para seus dois filhos, passou a receber pousada e uma renda de farinha, que transformava em pão para seu sustento. Seu quarto na casa do aristocrata era um verdadeiro cubículo, com apenas um leito, uma mesinha e uma corda presa à parede para pendurar suas roupas.
Filipe destinava quase todo seu tempo livre à oração. Sua vida era tão pura e edificante que logo chamou atenção: começou a se espalhar a sua fama de santidade, – fama que chegou até Florença. – Quando falaram dele à sua irmã Isabel, ela disse: “Não me surpreende. Desde seus primeiros anos, vendo suas virtudes, eu podia já conjeturar que se tornaria um grande santo”.
Estudos
Depois de dois anos de vida reclusa, Filipe resolveu recomeçar seus estudos, cursando Filosofia no Estudo Geral dos agostinianos. – Alguns de seus mestres participaram ativamente no Concílio de Trento. – Cursou ainda Teologia na Universidade La Sapienza. Esses estudos foram de pouca duração. Explica seu discípulo, Cardeal César Barônio: “Toda a organização acadêmica do tempo, o sistema escolástico, era-lhe áspero: as disciplinas filosóficas eram para ele verdadeiras cadeias, das quais logo se decidiu livrar... Dir-se-á, em seguida, que o fato de abandonar o estudo se dera pelo quotidiano encontro, nas aulas, de um grande crucifixo, que o comovia às lágrimas” (Cistellini, pp. 27-8).
Algumas fontes mostram que, em 1538, quando julgou ter aprendido bastante, Filipe vendeu seus livros para socorrer os pobres. Assim ajudou um jovem sacerdote calabrês em dificuldades, Guilherme Sirleto, que depois seria cardeal. Todavia, embora não tenha mais estudado com regularidade, sempre que chamado a dar seu parecer, apesar da habitual reticência, surpreendia os eruditos pela profundidade e clareza de seus conhecimentos teológicos. De fato, “até seus últimos anos discutia as questões mais elevadas e sutis com tanta facilidade e erudição como os que consagram a vida ao estudo. Não se esqueceu mesmo das controvérsias mais importantes, e espantava ouvi-lo repetir com exatidão, os sentimentos dos doutos sobre tais questões, e os raciocínios nos quais se apoiavam”(Guérin, p.217). Despojando-se dos livros, Filipe manteve dois: a Suma Teológica e a Bíblia. Considerava Santo Tomás o teólogo por excelência, e sempre, nos debates, apoiava-se no Doutor Angélico.
Foi provavelmente durante o ano em que servia como tutor dos filhos de Caccia que Filipe escreveu a maior parte de suas poesias, em latim e italiano, que, infelizmente, não passaram à posteridade, pois Filipe, antes de morrer, queimou todos os seus escritos, restando apenas alguns sonetos. Isso explica o pouco que temos de material de seu próprio punho.
Cristo no próximo
Por dezessete anos Filipe viveu como leigo, sem pensar em tornar-se sacerdote. Tendo conseguido juntar um pequeno pecúlio para atender às suas parcas necessidades, entregou-se totalmente ao apostolado com os doentes e pobres, o que lhe valerá mais tarde o título “Apóstolo de Roma”. Passou a frequentar os hospitais da cidade, e se inscreveu na confraria de Santa Maria da Purificação para assistência dos enfermos no Hospital São Tiago dos Incuráveis. Mesmo leigo, em harmonia com a assistência material Filipe pregava a todos a Palavra divina. O Santo passou a fazer, ainda, a visitação das “sete igrejas” (S. Pedro, S. Paulo extra-muros, S. Sebastião, S. João de Latrão, S. Lourenço extra-muros, Sta. Maria Maior e Sta. Cruz de Jerusalém) antiga devoção popular que depois legou ao Oratório.
Filipe e Inácio
Por aquele tempo, Filipe frequentava a igreja Santa Maria da Estrada, dos primeiros jesuítas; assim conheceu Santo Inácio de Loyola. Consta que esse Santo quis Filipe entre os seus, para enviá-lo às Índias, mas este preferiu aguardar os desígnios de Deus. Entretanto, enviou muitos recrutas para a recém-fundada Companhia de Jesus. Santo Inácio dizia que Filipe era como um sino, que chama os demais para entrar (na igreja), ficando do lado de fora...
No ano 1544, – no qual Filipe dizia que tivera início a sua “conversão”, – Filipe estava na Catacumba de São Sebastião rezando ao Espírito Santo, quando se deu o grande milagre que ele próprio narrou ao cardeal Federico Borromeu.
Pouco antes da Festa de Pentecostes daquele ano, após a aparição de São João Batista, “golpeou-o um ímpeto de ardor, uma irrupção do Espírito Santo que o fez cair por terra e marcou seu corpo” (Cistellini, pp.30-31). Sobre tal, afirmou Vittori, seu médico: “Dizia-me que, aos trinta anos, tinha grande fervor e pedia ao Espírito Santo que lhe desse um cúmulo de espírito; disse-me que lhe fora dado tanto que o lançou por terra. Ao se levantar, sentiu elevado o peito e uma contusão por dentro, a qual durou enquanto viveu” (Cistellini,p.31).
Seu biógrafo Pietro Giacomo Bacci descreve assim o que sucedeu: “Quando ele estava com o maior empenho pedindo os Dons do Espírito Santo, apareceu-lhe um globo de fogo que entrou por sua boca e se alojou em seu peito; em seguida, ele ficou tomado por tal fogo de amor que, incapaz de suportá-lo, atirou-se ao solo; como alguém que tenta se refrescar, despiu seu peito para de algum modo moderar a chama que sentia. Após permanecer assim por algum tempo e recuperar-se um pouco, levantou-se cheio de inusitada alegria, e imediatamente todo seu corpo começou a tremer violentamente; pondo a mão no peito, sentiu no lado do coração um inchaço grande como o punho de um homem; mas, nem então nem depois, isso provocou a mais leve dor ou ferida” (Ritchie, op.cit).
Quando, depois da morte, os médicos examinaram seu corpo, constataram que o coração estava dilatado e que, para que houvesse espaço suficiente em seu peito para mover-se, haviam se quebrado duas costelas, que tomaram a forma de arco. Um dos médicos que fez a autópsia, Andrea Cesalpino, declarou: “Percebi que as costelas estavam rompidas naquele ponto, isto é, separadas da cartilagem. Só dessa maneira era possível que o coração tivesse espaço suficiente para levantar e abaixar. Cheguei à conclusão de que se tratava de algo sobrenatural, de uma providência de Deus para que o coração, batendo tão fortemente como batia, não se ferisse contra as duras costelas”.
Devorado pelo fogo divino
A partir desse milagre, seu coração palpitava violentamente a cada ação espiritual que praticava. “Crescia esta palpitação (...) estando em oração, e às vezes 6 o fazia tremer, bem como a cadeira ou cama onde se achava, e até mesmo o aposento, como se fosse um terremoto. Sentia ele também, naquela parte, um calor tão excessivo que, por mais frio que fizesse, e sendo já muito velho, era obrigado a desabrigar o peito e, às vezes, sendo inverno, abrir as portas e janelas do aposento para compensar o fogo que se espalhava por todo seu corpo” (Ribadeneira, pp.332).
O berço do Oratório
Por volta de 1547, Filipe passou a frequentar a igreja da Arquiconfraria de São Jerônimo da Caridade. Ali vivia um grupo de sacerdotes seculares de vida exemplar, constituindo pequena comunidade. Cada um vivia livremente das próprias rendas, a serviço do templo e da Confraria, tendo mesa em comum. Não se obrigavam a votos. Foi este o berço do Oratório de São Filipe Neri.
Por sua boa fama, tal igreja passou a ser o ponto de referência para eclesiásticos chegados a Roma, entre os quais estarão alguns dos filhos mais queridos de Filipe. Foi ali que o Santo encontrou seu primeiro confessor (primeiro de que se têm notícia), padre Persiano Rosa, a quem se afeiçoou pelo ânimo alegre e espírito sereno. Nesse tempo Filipe começou suas conquistas entre seus jovens conterrâneos, aprendizes e empregados de banco. Sentia-se atraído especialmente a cuidar dos jovens. Para pô-los em guarda contra as seduções da idade e conservar o frescor da virtude, dizia-lhes que se lembrassem sempre das palavras do Profeta: “Bem-aventurado o homem que leva o jugo do Senhor desde a juventude”; e os exortava à mudança de vida. Sua voz e suas maneiras eram tão atratentes que muitos, cedendo ao seu exemplo e benigna influência, renunciavam às frivolidades do mundo e se entregavam totalmente a Deus. Consta que, numa só ocasião, converteu trinta jovens dissolutos.
Confraria da Santíssima Trindade
Em 1548 Filipe fundou, com Persiano Rosa, a Confraria da Santíssima Trindade. Sua finalidade era totalmente devocional, com preeminência ao culto eucarístico. Os confrades se reuniam na igreja de São Salvador in Campo para a Comunhão e exercícios de piedade. Aí o Santo introduziu pela primeira vez em Roma a exposição do Santíssimo Sacramento, na devoção das 40 Horas. Durante o ano jubilar de 1550, o Vicariato de Roma conferiu à Confraria uma nova e estável finalidade: a assistência aos peregrinos e convalescentes que, saindo do hospital, necessitavam ainda cuidados. Crescendo a associação, “as obras que os confrades exercitavam com os peregrinos e convalescentes causaram tanta edificação que muitos quiseram imitá-los, vindo pessoas de grande qualidade e prelados eclesiásticos servir aos pobres; até o papa Clemente VIII vinha lavar-lhes os pés, abençoando-lhes muitas vezes a mesa, e servindo-lhes nela” (Ribadeneira, p.333).
Não contente com a visita a hospitais, Filipe se punha também a percorrer ruas e praças, falando às pessoas sobre a religião e as coisas de Deus, de maneira comovedora e cativante. A um perguntava: “Então, meu irmão, quando é que começamos a amar a Deus?”; a outro: “É hoje que nos decidimos nos comportar bem?” Era, sobretudo, um semeador da santa alegria dos filhos de Deus.
Costumes angélicos
Como um ímã, Filipe continuava a atrair gente para seu grupo. Era todo fervor e alegria; entretinha o crescente núcleo de discípulos com fervorosos sermões. Atingia o auge da maturidade, sendo assim descrito por um conterrâneo: “Era de belíssimas feições (...) e sempre foi tido como de grande bondade e de costumes angélicos”. Sua natureza “sempre alegre e prazenteira”, seu rosto “alegre e jovial”, sua “hilaridade” (atributo que se nomeia com frequência) concorrem até agora para explicar o fascínio que vai exercendo, e sua crescente popularidade” (Cistellini, pp.36-37).
Seus discípulos o admiravam profundamente e testemunharam: “Com todos se familiarizava: crianças, grandes, medianos, mulheres, senhores, cardeais, prelados. Todas as pessoas que falavam com o Padre uma vez, regressavam, e não podiam se separar dele” (Cistellini, p.73). O Cardeal Panfili afirma: “Era afável, agradável e carinhoso com todos, de modo que, com grandíssima facilidade e alegria, atraía para o caminho de Deus qualquer pessoa que com ele tratasse, e eram raros os que escapavam de suas mãos” (idem).
Outra nota marcante na vida de Filipe Neri foi o amor pela Eucaristia. Era tão grande seu fervor que, em vez de se concentrar na celebração da Missa, tinha que procurar deliberadamente uma distração, para ser capaz de prestar atenção no rito externo do Sacrifício.
“Deus o gratificou com extraordinários carismas: êxtases, levitações (especialmente durante a Celebração eucarística), discernimento dos espíritos, predições, intuição das profundidades do
coração, intervenções prodigiosas para os enfermos” (Cistellini, p.66).
Também “junto com o culto eucarístico, na experiência e na direção, tem notória relevância a devoção à Virgem, que Filipe recomenda como elemento indispensável no progresso da virtude. Sua experiência (...) de uma devoção mariana terna, afetiva, quase infantil, o leva a sugerir aos seus uma singela e compendiada jaculatória repetida como um rosário: ‘Virgem Maria, Mãe de Deus, roga a Jesus por mim’”(Cistellini, p.122-123).
Sacerdote para a Eternidade
Quando Filipe tinha 36 anos, o Pe. Rosa ordenou-lhe, em nome de Deus, que se ordenasse sacerdote. Somente assim, depois de mais estudos, foi-lhe conferido o sacerdócio, a 29 de maio de 1551.
Como sacerdote, o Santo dedicou-se especialmente ao confessionário, onde passava grande parte do dia. “Dedicou-se ao exercício da confissão, no qual consumiu o resto de seus dias”, dirá um de seus discípulos. “O título ideal, que o qualificará para sempre, será o de confessor, conselheiro, guia e mestre das almas” (Cistellini, p.40). Muitos de seus penitentes, levados pelo desejo de recolher a doutrina do pai espiritual, passaram a visitá-lo diariamente. “Pouco a pouco os discípulos se tornaram tão numerosos que foi preciso se reunirem numa igreja; por fim, a concorrência
cresceu tanto que foi necessário distribuir grupos, à frente dos quais o mestre punha seus discípulos mais capazes. Assim nasceu o instituto do Oratório, sem mais regras que os cânones, sem mais
votos que os compromissos do batismo e da ordenação, sem mais vínculos que a caridade”(Urbel, p.457).
O número de seguidores crescia. Um sapateiro, um miniaturista, um notário, outros que convertera quando leigo... As reuniões com o grupo eram informais. “No princípio, liam-se páginas
edificantes e interessantes, de fácil compreensão; seguia-se um comentário do Padre. (...) Alguém tomava a palavra, dialogava-se e se continuava discorrendo durante longo período, sem um programa determinado” (Cistellini, p.42).
Entre seus discípulos estavam Francisco Maria Tarugi, nobre de Montepulciano aparentado com o Papa, depois Arcebispo de Avinhão e cardeal; o célebre historiador da Igreja Cesar Barônio,
doutor em leis, admitido ao grupo em 1557 e que seria dos primeiros a receber o sacerdócio, e depois o sucessor de Filipe na direção do Oratório, e que também se tornou cardeal.
O sonho das Índias
Ouvindo contar as maravilhas operadas por São Francisco Xavier na Índia, e de outros missionários no Novo Mundo, Filipe e seus discípulos pensavam muito em ir também ao Oriente. Entretanto,
querendo conhecer a Vontade de Deus, São Filipe procurou outro Santo: Agostinho Ghettini, religioso cisterciense, seu conterrâneo muito favorecido por Deus, pedindo-lhe que consultasse o Senhor sobre esse seu projeto. A resposta divina foi: “Filipe não deve buscar as Índias, mas Roma, onde o destina Deus, assim como a seus filhos, para salvar almas”. Mais tarde, Filipe diria aos discípulos: “Quem faz o bem em Roma, o faz a todo o mundo”.
A singular Congregação
O Oratório surgiu, como vimos, muito modestamente. Sua denominação veio da extensão da palavra, que no princípio se referia a um pequeno edifício, a um sinônimo de confraria. “Foi desde
o princípio uma experiência de agrupamento totalmente singular, nem sequer poderia chamar-se de associação, porque era de participação livre, sem estatutos e elenco de inscritos; uma acolhida
espontânea, regulamentando-se necessariamente na prática”.
“Ao longo de todo o processo de restauração que se construía na Igreja [no século XVI], o aporte de Filipe foi, sem dúvida, o de modelar e propor – com sua esplêndida vida e através de
sua restringida família presbiterial – a singela figura do sacerdote secular, em sua expressão original e genuína”.
“Exatamente por suas características singulares, esta família sacerdotal é absolutamente um unicum na Igreja: não existem instituições, entre inumeráveis, afins a esta. Afirmava-o com autoridade o primeiro sucessor de São Filipe, o padre (depois cardeal) César Barônio, apresentando o texto das Constituições revistas por ele. A Igreja, recordava ele, é a rainha das vestes de jaspe celebrada pelo salmo Circumdata Varietate (Sl 44). A Congregação do Oratório se preza por representar, em sua humilde particularidade, um dos tantos vestidos reais da santa Igreja de Cristo” (Cistellini, p.42).
“O exercício quotidiano da palavra de Deus ‘de modo fácil, familiar, frutífero’ representava a essência particular do Oratório... Neste sistema oratoriano não há nada de escolástico, de retórico, de difícil compreensão: falar ao coração era o método: ‘exortações e fervores mais afetivos que intelectuais’ eram os assim chamados ‘arrazoados’. Filipe não quis jamais que o oratório ‘entrasse
em coisas escolásticas’, para as quais não faltavam escolas ou cátedras em Roma” (Cistellini, p.53).
Em 1564 Filipe também ficou encarregado da igreja de São João dos Florentinos, para lá mandando alguns de seus discípulos. E, em 1575, o papa Gregório XIII concede ao querido filho Filipe Neri, sacerdote florentino e preposto de alguns sacerdotes e clérigos, a igreja de Santa Maria in Vallicella, dedicada à Natividade de Maria (bula Copiosus in Misericordia). Esta bula “ficará como o documento solene de fundação da sociedade oratoriana. A agrupação designada expressamente com esta locução pela bula de Oratorio Nuncupandam, define a congregação por antonomásia:
‘Congregação do Oratório’... Nas Constituições aprovadas pelo papa Paulo V em 1612, o Pontífice declara expressamente que tal convivência presbiterial (mais tarde se agregarão irmãos leigos), ‘instituída por divina inspiração pelo santo Padre Filipe’, estava cimentada só pelo vínculo da caridade, fora de todo vínculo por voto, juramento ou promessa, e assim devesse perseverar na igreja santa ‘de vestiduras variadas’ (Sl 44)” (Cistellini, pp.142-143).
História, apologética e música
Para combater o protestantismo, São Filipe encarregou o discípulo César Barônio de escrever uma verdadeira e documentada História da Igreja, refutando as falsas versões dos heréticos.
O futuro Cardeal levou trinta anos para produzir os seus monumentais Annales Ecclesiatici, que se tornaram paradigma de historiografia católica e mereceram ao seu autor o título de Pai da História Eclesiástica.
Também a música tinha papel importante no apostolado de São Filipe. Ele introduziu, entre os sermões e no final, o cântico de motetes latinos e italianos. E, como ao Oratório acorreram muitos com talento musical, a música ficou nele incorporada como parte importante de sua espiritualidade.
São Filipe era o “Santo da Alegria” mas nunca olvidou sua dignidade e responsabilidade. Exigia dos membros e hóspedes do nascente Oratório obediência total, sob pena de expulsão. Ao morrer, deixou um documento no qual fazia severo juízo sobre vários membros da Congregação, não os querendo como sucessores. Chegou a denunciar ao Santo Ofício como herege a um dos seus mais antigos discípulos. Este, mantido na prisão por um ano, foi depois absolvido. Entretanto Filipe não quis recebê-lo de volta na comunidade, apesar das súplicas de autorizados intercessores.
São Filipe e o Papa
Apesar de ardoroso defensor do Papado, houve um momento em que Filipe discordou do Soberano Pontífice. Foi quando se tratou de aceitar a conversão, e consequente habilitação, do uguenote, futuro Henrique IV, para o trono da França. “Clemente VIII mostrou-se indeciso e vacilante. Filipe mostrou-se desde o primeiro momento partidário da reconciliação, e aconselhou ao Papa nesse sentido, mas sem lograr dele uma decisão eficaz. Filipe atuou através de Barônio, confessor do Papa. Deu-lhe instruções no sentido de que, inclusive, lhe negasse absolvição enquanto não aceitasse um conselho reconciliatório. Barônio triunfou nesta empresa tão delicada. A França contará mais adiante a Filipe entre seus santos protetores”.
A máscara mortuária de São Filipe Neri, que preservou para a posteridade os contornos da face do grande Santo |
Calúnias e incompreensões
Como todos os santos, Filipe enfrentou muitas calúnias. O próprio Cardeal-Vigário de Roma, levado por algum preconceito e pelos rumores de que o santo mantinha assembleias perigosas e semeava novidades entre o povo, chegou a repreendê-lo severamente, retirando-lhe a licença para atender confissões durante quinze dias. Mas, tendo o purpurado adoecido repentinamente,
o papa Paulo IV, chamado a julgar o caso, não só absolveu como recomendou-se às orações de Filipe.
O “Santo da Alegria” entregou sua alma a Deus em 26 de maio de 1595, sendo canonizado apenas 27 anos depois, juntamente com Santo Isidoro Lavrador, Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e Santa Teresa de Ávila.
Por Plínio Mario Solineo (revista ‘Catolicismo’) e Henrique Sebastião
para o informativo 'A Voz do Oratório' dos padres da Congregação do Oratório
para o informativo 'A Voz do Oratório' dos padres da Congregação do Oratório
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Fontes:
• CISTELINI, Antonio, San Filippo Neri: Breve storia di una grande vita. Torino: San Paolo, 2014
• RIBADENEIRA, Pedro de. Flos Sanctorum, in D. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, Barcelona: L. González y Compañia, tomo II, 1896, p. 332.
• GUÉRIN, Paul. L’Oratoire de Rome: la vie, les vertus et l’esprit de saint Philippe
de Néri, son fondateur. Paris: L. de P. Frères, 1852
• RITCHIE, Charles Sebastian, Philip Néri, The Catholic Encyclopedia, ed online
• URBEL, Justo Perez, O.S.B., Año Cristiano, Madri: Ed. Fax, 1945, vol. II, p. 457
Conteúdo do site "O Fiel Católico"
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