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O grandioso milagre de Calanda



VITTORIO MESSORI, conhecido escritor, jornalista e historiador italiano, publicou em 1998 um dos estudos mais completos sobre um fato absolutamente inexplicável para a medicina e para a ciência, ocorrido no vilarejo de Calanda (Espanha) no ano 1640.

Jean Martini Charcot, famoso líder do positivismo religioso do século XIX, disse certa vez: “Ao consultar o catálogo de curas chamadas milagrosas, nunca se pôde comprovar que a fé tenha feito reaparecer um membro amputado”. Pois foi exatamente isso o que aconteceu em Calanda: uma perna amputada foi reimplantada miraculosamente ao corpo de um ser humano, sem nenhuma intervenção médica. Mais do que isso, essa perna foi reintegrada depois de mais de dois anos enterrada(!). Este acontecimento mais do que extraordinário foi estudado exaustivamente, sob todo o rigor científico, e os resultados publicados por Messori
em sua obra “Il Miracolo” (O Milagre).


O milagre

Em 3 de agosto de 1637, o jovem empregado agrícola Miguel Juan Pellicer, nascido em Calanda no ano 1617, ao cochilar, voltando do trabalho, caiu de um reboque, em Castellón de la Plana. Uma das rodas atingiu-lhe a perna direita, esmagando a tíbia. Foi socorrido e tratado no hospital local, sendo transferido depois para o Hospital Real de Valência, onde permaneceu internado por 5 dias.

Miguel desejava ardentemente e pedia transferência para o Hospital Real e Geral de Nossa Senhora da Graça, em Saragoza, porque queria visitar o Santuário de Nossa Senhora do Pilar, sua grande devoção. Mesmo torturado por dores insuportáveis que não lhe davam descanso, Miguel foi autorizado a viajar a Saragoza para se colocar sob a proteção da Santíssima Virgem do Pilar. Paupérrimo, a viagem só lhe foi possível “de carona em carona”, motivo pelo qual demorou cinquenta dias(!), numa longa ascese pessoal. Além de tudo, era preciso percorrer 300 difíceis quilômetros sob o calor de um sol violento.

No início de outubro, afinal, o jovem chegou ao seu destino. Extenuado, sentia-se próximo da morte. Arrastando-se de joelhos até o Santuário, entregou-se totalmente nas mãos de sua tão amada Virgem do Pilar, a quem suplicou: “Salva-me, pois estou morrendo!”.

Somente depois de confessar-se e assistir à santa Missa, foi, enfim, internado no Hospital de Saragoza. Ao final daquele mês, sua perna precisou ser amputada “quatro dedos acima do joelho“, única solução para lhe salvar a vida. Cirurgiões e enfermeiros procederam à cauterização do toco que restara da perna com um ferro em brasa. Só voltou a obter alta um ano após, já na primavera de 1638, recebendo muletas, perna de madeira e uma carteirinha que lhe permitia exercer a atividade da mendicância.

Assim, “oficialmente” reduzido à condição de mendigo, pedia esmolas em frente ao Santuário. Em sua fé simples, como gesto de devoção, untava diariamente seu toco de perna com o azeite das lâmpadas acesas na Capela do Pilar, embora o médico lhe advertisse de que, além do risco de infecção, o óleo mantinha uma umidade que retardava a completa cicatrização da ferida.

Durante toda sua estadia em Zaragoza, Miguel passava os dias pedindo esmolas à porta da Basílica do Pilar. À noite ia dormir no “Mesón de las Tablas”, quando tinha dinheiro para pagar; quando não, dormia num banco do hospital.

Meses e anos se passaram. Todos conheciam Miguel, o jovem pedinte de uma perna só. Certo dia, alguns peregrinos vindos de Calanda o incentivaram a voltar à casa dos pais, pois sua vida era sofrida. Afinal, em março de 1640, esgotado pela vida miserável que levava, Miguel decidiu voltar a Calanda, para a casa paterna, apesar de seu manifesto desejo de permanecer junto à Basílica de “La Virgen del Pilar”. Já eram passados dois anos e cinco meses após a amputação.

Precisamente no dia do 16º centenário da visão que São Tiago Apóstolo teve de Nossa Senhora, e do aparecimento do Pilar que dá título à esta devoção1, na quinta feira, 29 de março de 1640, em torno das 22 horas, Miguel Juan Pellicer jantou com seus pais, dois vizinhos e um soldado da cavalaria, que estava de passagem e a quem a família havia oferecido hospedagem. Miguel deixou a conversa e foi se deitar, – porque se sentia especialmente cansado àquela noite, – no quarto dos pais, porque ao soldado havia sido oferecido seu quarto.

Pouco depois, entrou a mãe do jovem no aposento; sentiu um intenso e agradabilíssimo perfume, que ela descreveu “como de Paraíso”. Então percebeu que, por baixo da coberta, dois pés se mostravam(!). Chamou o pai, e logo pensaram que se tratava do soldado, que teria errado de quarto; ao levantarem a coberta, porém, descobriram que era seu filho, – e que a perna amputada reaparecera! – Trêmulos, viram marcas e características que a perna tinha antes de ser amputada, e um círculo vermelho no exato local onde fora seccionada!



Miguel só sabia explicar que se havia encomendado, como todas as noites, a Nossa Senhora, sob a invocação da Virgem do Pilar, e que sonhara que estava na Basílica, como de costume, untando seu toco de perna com o óleo das lamparinas do Santuário, – que para ele era sagrado, – como um gesto de fé.

Nessa mesma noite, testemunharam o milagre o soldado, Bartolomé Ximeno, e os vizinhos Miguel Barraxina e Úrsula Means. Os três, minutos antes, haviam conversado com o jovem coxo, e viram-no tirar a perna de madeira antes de retirar-se para dormir. Foi chamado e veio, ainda, o pároco Pe. José Herrera.

Ao amanhecer, espalhou-se a notícia pelo povoado. O Pároco foi à casa dos Pellicer, e uma multidão. Estava presente o primeiro magistrado, juiz e responsável pela ordem pública, Martín Corellano; o jurado maior, prefeito Miguel Escobedo; o “jurado segundo”, Martín Galindo; o notário real, Lázaro Macario Gomez. Encontravam-se também os dois cirurgiões locais, que certificaram o fato profissionalmente. Ambos declarariam, depois, que se renderam “à evidência, que deixara por terra sua instintiva incredulidade”. O notário lavrou uma ata constatando o fato ocorrido.

A esta expedição inesperada devemos um documento extraordinário e único: estamos diante de uma intervenção divina autenticada por ata notarial, diante de um milagre com a “garantia” de documento conforme à normativa vigente, e corroborado por dez testemunhas oculares, escolhidas entre as de maior confiança dentre muitíssimas outras disponíveis. Como se não bastasse, a ata notarial foi escrita e autenticada poucas horas depois do sucedido, e no próprio local. – Processo e investigação foram abertos apenas 68 dias depois e se prolongaram por meses, presididos pelo Arcebispo de Zaragoza assistido por nove juízes, com dezenas de testemunhos e rigoroso respeito às normas prescritas pelo Direito Canônico.

A Prefeitura de Zaragoza, em 8 de maio de 1640, reuniu-se em conselho extraordinário e plenário, e nomeou três procuradores para apurar o caso, além de solicitar ao Sr Arcebispo que instaurasse um acurado processo canônico, às expensas da Prefeitura, que foi iniciado em 5 de junho de 1640. Conservam-se todas as atas de ambos os inquéritos. O da Prefeitura começou dois meses após o milagre. O canônico, após três meses. Inquéritos detalhadíssimos, com muitas comprovações e numerosos depoimentos de pessoas fidedignas que conheceram e conviveram com Miguel Juan Pellicer, antes e depois do acidente e da amputação.

No dia 22 de abril de 1641, a Câmara Municipal de Calanda elegeu Nossa Senhora do Pilar Padroeira da cidade. No dia 27 do mesmo mês, Monsenhor Apaolaza, Arcebispo de Saragoza, anunciou:

“Nós dizemos, pronunciamos e declaramos que Miguel Juan Pellicer (…) recuperou, milagrosamente, sua perna direita que havia sido amputada; esta restituição não foi obra da natureza, mas operada de maneira admirável e milagrosa e deve ser registrada como um milagre.”

A partir do testemunho do protagonista e outros, conclui-se, como não poderia deixar de ser, que o milagre se deu devido à intercessão de Nossa Senhora do Pilar, de quem o jovem sempre fora devoto, à quem se havia encomendado antes e depois da amputação e em cujo santuário tinha pedido e obtido autorização para esmolar.

Quando a notícia do milagre chegou a Zaragoza, mandou-se verificar no cemitério do Hospital Real, onde a perna de Miguel Pellicer havia sido enterrada. Sob a direção do Dr. Juan Lorenzo García, comprovou-se que a perna (ou os ossos que deveriam restar) havia desaparecido sem deixar vestígios! – Exames posteriores mostraram que a perna direita, milagrosamente recuperada, conservava marcas de antes de ser amputada, especialmente a da grande ferida provocada pela carroça e que ocasionara a gangrena. Havia também a cicatriz, perfeitamente fechada como todas as outras, onde se havia feito a amputação. Tratava-se da mesma perna que havia sido amputada, a mesma que havia sido enterrada, anos antes! Ficara “a marca”, como condescendência divina para observação científica.

Após a conclusão positiva do processo, o rei da Espanha, Felipe IV, ordenou que chamassem ao palácio de Madrid o “jovem do milagre”. Ajoelhando-se em sua presença, beijou-lhe a perna milagrosamente restituída. Um grande tapete que ainda hoje está no Palácio Real de Madri, representa o Rei Felipe IV beijando a perna regenerada de Miguel Juan Pellicer.

Novas pesquisas, realizadas em tempos recentes e com abundante levantamento de documentos, reconfirmaram a autenticidade do grandioso milagre de Calanda.

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Fontes e ref. bibliográfica:
ORIENTE-FRANCIULLI, Paulo. O Milagre de Calanda, São Paulo: Quadrante, 2004
QUEVEDO, Oscar Gonzales. Os Milagres e a ciência, 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2000, pp. 268-273.

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