Pular para o conteúdo principal

Amor-caridade: o vínculo da perfeição cristã



“É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15,12)

O CATECISMO DA IGREJA Católica (CIC) diz, entre outras coisas, que “a caridade é a virtude pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§1822). É uma belíssima e própria definição, além de bastante completa.

Antes de tudo, é preciso definir o que significa a caridade no contexto genuinamente cristão. Esta caridade, da qual pretendemos tratar aqui, é a mesma coisa que Amor, – grafado assim, com inicial maiúscula, porque designa a forma mais alta de amor, justamente o Amor/caridade, – Amor com o qual o próprio Deus é identificado nas Sagradas Escrituras, como veremos mais adiante.

Ocorre, porém, que ao vocábulo "amor" se atribuem múltiplos significados na língua portuguesa. – Diga-se de passagem, é esta uma das palavras mais “maltratadas” de nossa língua pátria, usada muitas vezes para dizer daquilo que o Amor não é, e às vezes até para significar o seu oposto. – Amor, em português, pode significar afeição, compaixão, misericórdia, inclinação, atração, apetite, paixão, bem-querer, satisfação, desejo (sexual ou não) e até, muito indevidamente, o ato sexual em si.

O conceito mais popular de amor envolve, geralmente, o vínculo emocional com alguém ou com algum objeto. Fala-se em amor físico, platônico, materno/paterno, filial, à pátria, à casa, ao carro, à vida, a Deus. As dificuldades trazidas por essa diversidade de sentidos estão não só nos idiomas modernos, mas também no grego e no latim, que possuem outras palavras para amor, cada qual denotando um sentido específico (não nos aprofundaremos aqui nestes termos, suas raízes e seus significados, o que demandaria um estudo próprio).

Fato é que a linguagem humana não é capaz de exprimir integralmente a riqueza imensa que esta pequena palavra tenta significar. Santo Agostinho diz, a propósito, que precisamos saber decifrar a diferença entre amor e luxúria. Luxúria é vício e pecado; amar e ser amado é a busca essencial do ser humano. Diz ainda o Doutor da Igreja que a única Pessoa capaz de amar plenamente é Deus, pois o amor dos homens é falho, sujeito ao ciúme, desconfiança, medo, raiva.

A Igreja ensina que o Amor/caridade é uma Virtude Teologal. Segundo as Sagradas Escrituras, Virtudes Teologais são as que nos ligam diretamente a Deus, e são fundamentalmente três: a Fé, a Esperança e a Caridade; porém a maior é justamente a Caridade (1Cor 13,13). Quem ama se doa a si mesmo, gratuitamente; é incapaz de usar o próximo e de se autoafirmar. É manso, humilde, sereno, receptivo. No texto que é possivelmente o mais belo já escrito sobre o Amor/caridade, em sua primeira carta aos coríntios, S. Paulo Apóstolo diz:

Ainda que eu distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver Amor, de nada valeria.
O Amor é paciente, o Amor é bondoso. Não tem inveja. O Amor não é orgulhoso. Não é arrogante nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará; o Amor jamais acabará. (1Cor 16,3-8)

Também S. João Evangelista, – não sem razão “o discípulo a quem o Senhor amava”, – inspirado pelo Espírito Santo produziu linhas de incomparável beleza, nas Sagradas Escrituras, sobre o Amor; chegou, por fim, a identificar esta virtude, – a Virtude das virtudes, – ao próprio Deus (Jo 4,16). Jesus Cristo, Deus Filho, Verbo de Deus encarnado, é também o Amor de Deus encarnado; Amor em forma humana.

Por isso é que o Amor verdadeiro, aplicado nas relações conjugais, torna-as comunhão de entrega e de receptividade, de dádiva mútua do ser e de afirmação mútua da dignidade de cada parceiro. Esta comunhão homem-mulher, unidos sacramentalmente e por laços de Amor autêntico, é ícone da Vida do próprio Deus, e leva não apenas à satisfação, mas à santidade e a um sentimento de profunda realização.

Assim, a sexualidade, que é fonte de prazer, segundo a Doutrina católica não serve exclusivamente à função de procriar (como teimam em dizer certos inimigos da Igreja), mas também tem um papel importante na vida íntima conjugal. A relação sexual conjugal é expressão do Amor da Igreja, na qual homem e mulher se unem e se complementam reciprocamente.

Para diferenciar o Amor que é sinônimo de caridade dos outros sentidos que se emprestam à palavra, bastaria dizer que o Amor/caridade é a virtude cristã por excelência, porque Jesus Cristo fez da caridade seu novo e supremo Mandamento, amando-nos até o fim (Jo 13,1) e manifestando o Amor do Pai, que Ele próprio recebe: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. (...) Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 14,23;15, 9).

Fruto do Espírito e plenitude da Lei: para o cristão, simplesmente praticar a caridade, por si só, já garante o cumprimento de todos os Mandamentos divinos. Ora, é claro e evidente que aquele que ama acaba por cumprir, – naturalmente, – a Vontade de Deus: quem ama a seu pai e sua mãe vai honrá-los, não porque lhe é ordenado, mas por consequência natural e inevitável do amor que possui e cultiva dentro de si. Do mesmo modo, ninguém em sã consciência vai assassinar a pessoa que ama (se for verdadeiro amor), nem roubá-la, nem prestar falso testemunho contra ela, nem cobiçar seu cônjuge, nem os seus bens, etc. Assim é que a caridade é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3, 14) e a base das virtudes: é a fonte e o termo da prática cristã.

Agora que sabemos o que é o Amor/caridade, resta lembrar que o Cristo morreu por amor a cada um de nós, e o fez quando éramos ainda seus “inimigos” (Rm 5,10). Do mesmo modo, o Senhor espera que, como Ele, amemos incondicionalmente, a Deus e a todos, mesmo aos nossos inimigos. Ensinou que o nosso próximo pode ser qualquer um, especialmente aquele que menos esperamos, na parábola do bom samaritano (Lc 10,29ss). E diz que devemos nos fazer mais próximos dos mais afastados, e que amemos especialmente os sofredores e desamparados.

Por fim, fortalece nossa esperança saber que a caridade purifica a nossa capacidade humana natural de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do Amor divino. A caridade exige a prática do bem e a correção fraterna; é benevolente; é desinteressada e liberal. A consumação de todas as nossas obras é o Amor/caridade. É a origem e o fim, pois Deus mesmo é Amor/caridade: é para a conquista dEle que corremos; somente nEle descansaremos, como exclamou Sto. Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e nosso coração está inquieto e não descansará enquanto não repousar somente em Ti”.


http://www.ofielcatolico.com.br/ 

Postagens mais visitadas deste blog

Pai Nosso explicado

Pai Nosso - Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou a seus discípulos”. È em resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental, o  Pai-Nosso. Pai Nosso que estais no céu... - Se rezamos verdadeiramente ao  "Nosso Pai" , saímos do individualismo, pois o Amor que acolhemos nos liberta  (do individualismo).  O  "nosso"  do início da Oração do Senhor, como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em verdade, nossas divisões e oposições devem ser superadas. É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver morar em si aquele que ele invoca. Os sete pedidos - Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo...

O EXÍLIO BABILÔNICO

Introdução O exílio marcou profundamente o povo de Israel, embora sua duração fosse relativamente pequena. De 587 a 538 a E.C., Israel não conhecerá mais independência. O reino do Norte já havia desaparecido em 722 a.E.C. com a destruição da capital, Samaria. E a maior parte da população dispersou-se entre outros povos dominados pela Assíria, o reino do Sul também terminará tragicamente em 587 a.E.C. com a destruição da capital Jerusalém, e parte da população será deportada para a Babilônia. Tanto os que permaneceram em Judá como os que partirem para o exílio carregaram a imagem de uma cidade destruída e das instituições desfeitas: o Templo, o Culto, a Monarquia, a Classe Sacerdotal. Uns e outros, de forma diversa, viveram a experiência da dor, da saudade, da indignação, e a consciência de culpa pela catástrofe que se abateu sobre o reino de Judá. Os escritos que surgiram em Judá no período do exílio revelam a intensidade do sofrimento e da desolação que o povo viveu. ...

Nossa Senhora da Conceição Aparecida

NOSSA SENHORA da Santa Conceição Aparecida é o título completo que a Igreja dedicou à esta especial devoção brasileira à Santíssima Vigem Maria. Sua festa é celebrada em 12 de outubro. “Nossa Senhora Aparecida” é a diletíssima Padroeira do Brasil. Por que “Aparecida”? Tanto no Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida quanto no Arquivo Romano da Companhia de Jesus constam os registros históricos da origem da imagem de Nossa Senhora, cunhada "Aparecida". A história foi registrada pelo Pe. José Alves Vilela em 1743, e confirmada pelo Pe. João de Morais e Aguiar em 1757. A história se inicia em meados de 1717, por ocasião da passagem do Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida e Portugal, governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, pela povoação de Guaratinguetá, a caminho de Vila Rica (atual Ouro Preto, MG). Os pescadores Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves foram convocados a providenciar um bom pescado para recepcionar o Conde, e partiram a l...