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Como estamos criando nossos filhos?


PERCEBE-SE ATUALMENTE uma crise educativa, em nível mundial, que se torna cada vez mais preocupante em todo o mundo. De modo geral, constata-se que o nível médio de educação diminui drasticamente e que o processo formativo dos jovens enfrenta grandes dificuldades. As crianças e os adolescentes aprendem cada vez menos; a autoridade dos professores tende a desaparecer e os jovens sentem-se sós e desorientados. Isso numa época de suposto notável desenvolvimento da pedagogia. Nunca houveram tantas pessoas estudando essa ciência, e nunca tivemos tantas teorias pedagógicas como agora.

No Brasil, a crise educativa é cada vez mais preocupante, apesar de tantos eminentes pedagogos. Um estudo publicado em 2012 comparou a educação em 40 países e mostrou o Brasil, então a 6ª Economia do mundo, em penúltimo lugar na educação(!), atrás de países como Singapura (5º), Romênia (32º), Turquia (34º) e Argentina (35º)1. – Certamente, uma das causas da atual crise educativa no Brasil não é a falta de recursos, mas um problema bem mais profundo: não sabemos mais como ver e tratar os nossos filhos.

Até a metade do século passado, tínhamos uma ideia bem clara sobre quem eram os nossos filhos: acima de tudo, eram considerados dons de Deus, presentes que nos tinham sido dados para serem tratados com toda atenção, carinho e responsabilidade. A paternidade era considerada uma participação especial no Poder criador de Deus, de modo que os filhos eram tratados com respeito e a vida era acolhida com gratidão, alegria e generosidade. Era assim porque o nosso modo de viver, até então, era marcado pelos ensinamentos e pela cultura cristã.

Seguia-se o exemplo de figuras como a de Ana (cf. 1Sm 1), uma mulher estéril que todos os anos ia ao Templo prestar culto a Deus, e que certa vez teve a ousadia de pedir um filho ao SENHOR. Depois que suas ferventes orações são atendidas, ela retorna ao Templo para agradecer o dom recebido e para consagrar a vida daquele novo ser humano a Deus. Ana era plenamente consciente de que a vida procede de Deus, para Quem nada é impossível, e que toda a vida, no fim, a Ele retorna.

Especialmente a partir da “revolução” de maio de 1968 (Sorbonne) uma nova cultura surgiu, na qual a visão bíblica e a cultura/espiritualidade judaico-cristã foram abandonadas. Freud, em sua época, sonhava com o dia em que fosse separada a geração dos filhos da estrutura familiar, pensamento que se tornou comum em nossos dias. Desde então, procura-se incutir nos jovens a ideia de que ter filhos é um obstáculo, algo que tolhe a liberdade, que impede a realização pessoal. Os filhos passaram a ser considerados uma ameaça, e a gravidez uma espécie de doença, que deve ser sempre evitada. Uma notícia de gravidez, antes motivo de festa para toda a família, especialmente o papai orgulhoso, hoje é comumente recebida como má notícia, quase uma desgraça, algo que só vai atrapalhar os planos de riqueza e de sucesso... A graça de ter um filho passou a ser entendida como uma “ameaça”, e não mais como dom, como o presente divino que é.

Daí surgem problemas seríssimos. Consta de um popularmagazine inglês que, naquele país, no ano 2011, um dos pedidos mais feitos ao “Papai Noel” pelas crianças foi um pai; outro pedido comum foi um irmão. Uma situação tão triste seria impensável se apenas uma ou duas gerações atrás. O risco, hoje, é que os adultos passem a considerar os próprios filhos como uma espécie de “mercadoria”; mais um mero sonho de consumo que deve ser realizado num momento "milimetricamente" determinado. Os filhos, cada vez mais, são frutos de cálculos matemáticos, e não do amor entre homem e mulher. Isso deixa feridas graves nas crianças.

Deixar de considerar os filhos como dons divinos e tê-los simplesmente como resultado de uma técnica é um passo importante tanto para a desconfiguração das famílias quanto para arruinar a educação. Paradoxalmente, vem ocorrendo com frequência que os pais procurem “superproteger” os filhos, mimando-os excessivamente e buscando livrá-los de qualquer desgosto e de toda dor, por mínima que seja, enquanto, – ao mesmo tempo, – não querem encontrar tempo para dedicar-se à difícil tarefa educativa dos mesmos. As crianças são enviadas cada vez mais cedo às creches e escolinhas, entregues às mãos de educadores desconhecidos, aos quais é delegada a tarefa sagrada de transmitir os valores que as crianças levarão por suas vidas inteiras e que deveriam receber em casa, no seio familiar.

Nesse ponto, devemos talvez voltar nosso olhar ao Livro que formou a civilização ocidental. O Evangelho conta-nos somente uma cena da adolescência de Jesus e do seu “processo educativo”. Quando Ele tinha 12 anos de idade, foi levado ao Templo por Maria e José para a festa da Páscoa (Cf. Lc 2). Todo jovem judeu, ao cumprir essa idade, passava a ser considerado adulto na fé.

Quando aquela família especialíssima retornava para casa, José e Maria se distraíram e Jesus, como se fora já um verdadeiro adulto, permaneceu no Templo discutindo com os doutores da Lei. – Ao reencontrá-lo, Maria o repreende, mesmo tendo consciência de Quem estava diante dela; que não se tratava de apenas um “adulto” na fé, mas do próprio Filho de Deus! Ainda assim, diz a doce Virgem Maria: “Meu filho, que nos fizeste? Teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição!”. E Jesus, depois de manifestar, também Ele próprio, a plena consciência da sua Identidade divina ('Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?'), retorna serenamente com Maria e José, e a Sagrada Escritura faz questão de frisar que o próprio Senhor “era-lhes submisso em tudo”(!).

Mais do que impressionante! Maria e José não fugiram de sua responsabilidade educativa em relação àquele adolescente que sabiam ser o próprio Filho do Deus Vivo! E Jesus, sendo verdadeiro Deus, voltou para casa com sua família terrena, obedecendo-lhes exemplarmente até os 30 anos!

Vemos, assim, que na Família de Nazaré ninguém fugia da própria responsabilidade, uma vez que eram unidos por um verdadeiro Amor, o qual um pai e uma mãe demonstram não apenas sendo "bonzinhos" e dizendo "sim" o tempo todo, nem sendo indiferentes ou superprotetores, mas na autoridade, na humildade e no serviço.

Fica nítido, por tudo o que foi demonstrado até aqui, que para se recuperar o sentido da verdadeira educação, – para se enfrentar a gravíssima crise educativa atual, – devemos ajudar as famílias a voltarem a considerar a vida como Dom de Deus, e a tratarem os seus filhos com verdadeira diligência, não delegando toda a responsabilidade a outras pessoas ou instituições. A tarefa é desafiadora, sim, mas pode ser realizada especialmente à luz da fé que por séculos iluminou a nossa sociedade. Devemos voltar a seguir o modelo da Sagrada Família, mais do que parâmetros contraditórios de uma “revolução” que só trouxe a exaltação do egoísmo e da irresponsabilidade, e o consequente aumento do sofrimento dos mais frágeis.

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1. Portal G1, "Ranking de qualidade da educação coloca Brasil em penúltimo lugar", em
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/11/ranking-de-qualidade-da-educacao-coloca-brasil-em-penultimo-lugar.html 
Adaptado de estudo do Pe. Anderson Alves, da Diocese de Petrópolis (RJ), doutorando em Filosofia pela PontifíciaUniversità della Santa Croce, Roma. Este artigo foi publicado originalmente pela Agência Zenit, em 30-12-2012.

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