Na segunda obra de misericórdia temos o drama dos que tem sede. Existem muitas analogias que essa sede poderia representar, mas a obra de misericórdia trata especificamente da sede corporal. Diante disso devemos refletir: qual é o drama dos que passam sede?
Aos moldes da fome, a sede não pode ser tomada apenas no seu sentido mais baixo: dar água. É necessário contemplar, tanto quem dá, quanto quem recebe, a grandeza do mistério que ali acontece.
Para isso, se torna necessário lembrar de uma belíssima passagem em que lembramos o quão prejudicial, para o corpo e a alma, é a sede:
“Ali o povo teve sede e o povo murmurou contra Moisés, dizendo: “Por que nos fizeste subir do Egito, para nos matar de sede a nós, a nossos filhos e a nossos animais?” (Ex 17, 3)
Neste episódio fica claro como esta necessidade do homem o coloca em uma situação tão desesperadora e debilitada do corpo que acaba enfraquecendo a alma. Isso fica evidente quando os judeus, nesta passagem, abandonam as virtudes da fé, esperança e caridade murmurando contra Deus, além de perderem a virtude da esperança e ficarem revoltados por causa da sede física.
O amor augusto e sublime de Deus não poderia deixar de auxiliar seus filhos e nos versículos seguintes instrui que Moisés siga suas ordens e o povo mata sua sede:
“Então Moisés clamou a Iahweh, dizendo: “Que farei a este povo? Pouco falta para que me apedrejem.” Iahweh disse a Moisés: “Passa adiante do povo e toma contigo alguns dos anciãos de Israel; leva contigo, na mão, a vara com que feriste o Rio, e vai. Eis que estarei diante de ti, sobre a rocha (em Horeb); ferirás a rocha, dela sairá água e o povo beberá.” (Ex 17, 4-6)
Esta passagem tem uma profundidade extraordinária, pois, muito além de uma delicadeza que Deus fez por estas almas, existe o belíssimo fato de que Deus quis que o homem (na pessoa de Moisés) fosse participantes de sua Providência Divina e ministro de Deus para que os judeus matassem a sede. Portanto é muito importante que quem recebe o mais simples copo de água saiba que é o próprio Deus que o entrega para você na pessoa que a está provendo. Que o que provê água possa dizer, na pessoa de Cristo: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba“.
Como não ver na pessoa sedenta por água o Salvador pendendo na cruz que exclama: “Tenho sede!“? O próximo que se encontra com sede é o Cristo que pende na cruz! Imaginemos a sede de Jesus, que se apresenta à nós para que relembremos o grande sofrimento deste momento:
“Grande foi a sede corporal que Jesus sofreu na cruz, já pelo sangue derramado no horto, já no pretório pela flagelação e coroação de espinhos, e mais ainda na mesma cruz onde de suas mãos e pés cravados escorriam rios de sangue como quatro fontes naturais.” (Santo Afonso de Ligório)
E não pensemos que esta sede de Cristo na cruz, que se manifesta à nós e pede nosso socorro tenha sido apenas algo espiritual, pois:
“Se Jesus diz: tenho sede! é, antes de tudo, porque morre de morte verdadeira, não da morte de um fantasma.” (Santo Tomás de Aquino)
Que possamos fazer-nos instrumentos da Providência e contemplemos o rosto do Cristo que diz “Tenho sede!”. Que possamos sempre estar aos pés da cruz nestas oportunidades contemplando o Salvador que clama e indo ao seu encontro socorrer-lhe com todo o amor. Que através deste pequeno e amoroso gesto, os amparados possam ver um sinal daquela Água Viva que Cristo oferece.