Deus não é uma “brisa suave que navega no íntimo da natureza”, mas a Trindade que ama o homem e o leva à plenitude de seu ser
Os gurus da espiritualidade moderna têm constantemente relegado Deus à esfera dos sentimentos e da subjetividade. Para a “nova era” pagã, a divindade não passa de “um fluido”, “um sopro”, “uma brisa suave navegando no íntimo da natureza”. Não é raro ouvir teólogos e pessoas aparentemente cultas apresentando uma visão maleável de Deus, visão que elas mesmas criaram e indicam aos outros como um remédio grosseiro para suas angústias.
Esses charlatões foram a causa de o Papa Paulo VI ter afirmado, com tristeza, que “a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”: “Não se tem mais confiança na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida” [1].
Isto que o Papa identificou há mais de 40 anos continua acontecendo hoje. De fato, “não se tem mais confiança na Igreja”: as pessoas têm preferido aderir às posições e ideias do mundo a ouvir o Papa e os bispos em comunhão com ele; têm preferido as próprias opiniões às palavras do Sagrado Magistério; têm se tornado, em suma, autênticos protestantes, já que, longe de acatar a autoridade da Igreja, fazem os seus próprios dogmas e leis morais. O objeto da adoração que fazem, no fim das contas, não é Deus Criador, mas eles mesmos.
Negar a Igreja, no entanto, pavimenta o caminho para uma grande Babel. O que são tantas teorias confusas a respeito de Deus senão uma negação do sobrenatural? A teologia do conhecido pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, ao propor um modo de ser cristão “sem Deus”, é uma dessas teorias. Segundo ele, seria importante tomar a coragem e a doação do “Jesus histórico” como exemplos, mas Deus mesmo não existiria, seria apenas uma explicação mágica para a resolução de um problema intelectual.
É claro, falar de Deus como de uma noção abstrata é muito conveniente. Afinal, se Ele é apenas uma centelha presente na natureza; se não se trata de um ser pessoal, que criou o mundo e amou o homem a ponto de não se apegar “ciosamente a ser igual em natureza a Deus Pai”, mas assumir “a condição de um escravo, fazendo-se aos homens semelhante”, então, está a se falar de algo distante, que absolutamente não diz respeito ao homem. Ao contrário, se é verdade que Ele se encarnou e, humilhando-se ainda mais, obedeceu “até à morte, até à morte humilhante numa cruz” [2], assumir isso compromete toda a existência humana. Com efeito, toda ela passa a ser encarada tão somente como resposta a esse amor de Cristo, tão “forte como a morte” [3].
Se, por um lado, é conveniente não se comprometer, as satisfações que essa opção traz são sempre inconvenientes. Só o Deus trino da religião cristã pode verdadeiramente saciar os seres humanos e, enquanto estes teimam com teorias relativistas, caminham pelo escuro, às apalpadelas. Se, além disso, eles apregoam como verdadeiras essas opções que não passam de válvulas de escape, a situação torna-se ainda mais terrível. “São cegos guiando cegos” [4], diria Jesus, olhando para o seu comportamento.
Para solucionar toda essa confusão, a única saída chama-se fé. Deus não é o “espírito de luz” que a modernidade moldou, mas a Trindade santa que Cristo revelou e deixou estampada na Cruz. Ainda que permaneça um mistério e que não caiba na cabeça humana, assim é o Deus que falou a Israel e se mostrou em Jesus Cristo. Construir outras ideias de divindade, ainda que aparentemente lógicas, equivale a confeccionar para si imagens de barro, que “têm boca e não podem falar, têm olhos e não podem ver; tendo ouvidos, não podem ouvir, nem existe respiro em sua boca”. “Como eles” – adverte o salmista – “serão seus autores, que os fabricam e neles confiam!” [5].
Referências bibliográficas
- Omelia di nella Solennità dei Santi Apostoli Pietro e Paolo, 29 giugno 1972
- Fl 2, 6-8
- Ct 8, 6
- Mt 15, 14
- Sl 135, 16-18