A princípio, padres não se casavam por opção, para dedicar 100% do tempo e das energias à oração e à pregação - da mesma forma que Jesus Cristo. Em 1139, ao final do Concílio de Latrão, contudo, o matrimônio foi proibido oficialmente a membros da Igreja. Embora a decisão tenha se apoiado em passagens bíblicas - como "É bom para o homem abster-se da mulher" (presente na primeira carta aos Coríntios) -, uma das razões mais fortes para a transformação do celibato (como é conhecida a proibição do casamento) em regra foi o que, já naquela época, ditava as regras da humanidade. Fé? Nada disso. Grana! Na Idade Média (do século 5 ao 15), a Igreja Católica alcançou o auge do seu poder, acumulando muitas riquezas, principalmente em terras. Para não correr o risco de perder bens para os herdeiros dos membros do clero, o melhor mesmo era impedir que esses herdeiros existissem. Isso não fez muita diferença para os monges, que, por opção, já viviam isolados em mosteiros, mas em algumas paróquias a proibição gerou discórdia. A maior delas ocorreu no começo do século 16 e foi uma das razões pelas quais o cristianismo passou pelo seu maior racha: Martinho Lutero rompeu com o papa e criou a Igreja Luterana, que permitia o casamento dos seus pastores - e permite até hoje (veja o quadro abaixo). Depois da Reforma Protestante, a Igreja Católica reafirmou o celibato, definindo no Concílio de Trento, em 1563, que quem o rompesse seria expulso do clero. A regra se manteve até 1965, quando o papa Paulo VI permitiu que padres se casassem e continuassem freqüentando a Igreja (sem a função de padres, claro). Para conseguir essa liberação, o padre noivo precisa enviar um pedido ao Vaticano e esperar a autorização, que pode demorar até dez anos. "João Paulo II tornou o processo mais demorado, mas Bento XVI está limpando a mesa", diz o teólogo Afonso Soares, professor da PUC-SP. Além de promover a tal limpeza, o novo papa surpreendeu, em agosto do ano passado, ao aceitar que o ex-pastor anglicano David Gliwitzki, casado e pai de duas filhas, e tornasse padre.
A primeira vez que a instituição proibiu os padres de se casarem foi ainda no ano 306, durante o Concílio de Elvira. Os bispos decidiram que religiosos não poderiam compartilhar a vida a dois – um costume arraigado em quase todas as sociedades, inclusive entre líderes espirituais. Inicialmente, a determinação direcionava-se para uma região geográfica que hoje compreende a Espanha, onde os bispos defendiam a castidade dos religiosos, acreditando, junto com os primeiros teólogos da Igreja, como Santo Agostinho (354-430), na superioridade da virgindade sobre o casamento. Para eles, a renúncia aos prazeres da carne era uma demonstração de força espiritual.
Oito séculos depois dessa primeira investida contra o matrimônio de padres, o I Concílio de Latrão, em 1123, estendeu a proibição do casamento e do concubinato a todo o clero latino. No início da Idade Moderna, durante o Concílio de Trento (1545-1563), o celibato foi mais uma vez confirmado como regra fundamental para os sacerdotes, como um símbolo da superioridade espiritual dos clérigos sobre os leigos. A renúncia ao casamento era também uma forma evidente de diferenciar os padres católicos dos pastores protestantes. Em expansão, o luteranismo atacava o celibato por considerá-lo uma violação da liberdade da fé cristã e da própria natureza humana, já que teria a pretensão de obter um grau de pureza e santidade inatingíveis no plano terreno. Em resposta, a Igreja Católica reafirmava que, sem o celibato, o protestantismo tornava-se uma religião de pregadores e não criava santos.
Oito séculos depois dessa primeira investida contra o matrimônio de padres, o I Concílio de Latrão, em 1123, estendeu a proibição do casamento e do concubinato a todo o clero latino. No início da Idade Moderna, durante o Concílio de Trento (1545-1563), o celibato foi mais uma vez confirmado como regra fundamental para os sacerdotes, como um símbolo da superioridade espiritual dos clérigos sobre os leigos. A renúncia ao casamento era também uma forma evidente de diferenciar os padres católicos dos pastores protestantes. Em expansão, o luteranismo atacava o celibato por considerá-lo uma violação da liberdade da fé cristã e da própria natureza humana, já que teria a pretensão de obter um grau de pureza e santidade inatingíveis no plano terreno. Em resposta, a Igreja Católica reafirmava que, sem o celibato, o protestantismo tornava-se uma religião de pregadores e não criava santos.
Reiterada por inúmeros concílios, a regra se mantém intocável até hoje, como um dos pilares do catolicismo. As seguidas confirmações do celibato, no entanto, não evitaram o desrespeito ao compromisso. Por mais antiga e imperiosa que fosse a restrição ao casamento, o desejo sempre falou mais alto. Muitos padres continuaram extra-oficialmente a namorar, a manter relações sexuais e até mesmo a conviver sob o mesmo teto com mulheres, tratando-as como esposas e tendo com elas uma extensa prole. “Muitíssimos sacerdotes têm procriado filhos depois de largo tempo de consagração, não só com as próprias mulheres, mas com outras de torpes uniões”, escreveu o papa Sirício em Epístola do século VI. Quase mil anos depois, foi o próprio papa – Alexandre VI (Rodrigo Bórgia), no cargo entre 1492 e 1503 – quem fugiu à norma: teve sete filhos.
Os desvios em relação ao celibato também eram prática amplamente difundida no Brasil colonial. Padres namoravam, se casavam e tinham filhos à vista de todos. No século XVIII, por exemplo, o padre Miguel Rego, do bispado do Maranhão, “vivia amancebado há bastante anos com público e notório escândalo com quatro ou cinco filhos”, segundo os registros inquisitoriais.
A questão nunca obteve unanimidade no corpo da Igreja: a oposição ao celibato surgiu no mesmo instante em que ele foi alçado à condição de norma oficial. Em 1074, quando o arcebispo de Ruão ameaçou os padres casados de excomunhão em Paris, quem foi expulso da igreja por uma saraivada de pedras foi ele. Mesmo quando era minoritária ou clandestina, a reação contrária ao celibato se manteve viva ao longo dos séculos.
E foi justamente na zona de maior influência da Igreja, a Itália, que, no final da década de 1960, surgiram as primeiras células do movimento dos padres casados. A partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), o debate ganhou força. Era a primeira vez que a Igreja abordava publicamente o tema. A cúpula chegou a se abrir para mudanças: decidiu, por exemplo, que os padres que optassem pelo matrimônio não seriam mais excomungados. No fim do Concílio, porém, o celibato foi mantido. A decisão provocou frustração e uma inédita saída em massa de sacerdotes da Igreja.
Diante do número cada vez maior de desligamentos, a Santa Sé reprovou severamente os padres egressos ao publicar, em 1967, a encíclica Sacerdotalis Caelibatus. O documento os classifica como “desertores”, “infelizes”, “desgraçadamente infiéis às obrigações assumidas” e vivendo numa “deplorável situação”. Para a Igreja, o apetite sexual deixava os homens expostos ao pecado e às tentações diabólicas, e punha todos num mesmo nível de vulnerabilidade. Os sacerdotes deveriam superar esta fraqueza e rejeitar o desejo, o sexo e o casamento.
No Brasil, o Movimento dos Padres Casados foi fundado em 1979. Pela primeira vez na história da Igreja, os sacerdotes que abandonaram o ministério em busca do casamento se organizavam socialmente. Com o passar do tempo, criaram jornal e revista próprios, instituíram Encontros Nacionais e inauguraram páginas na Internet.
A maioria dos clérigos casados abomina a idéia de dar as costas à sua vocação religiosa. “Nunca me afastei da Igreja. Minha vocação não desapareceu. Até hoje me sinto padre”, afirma Armando Holicheski, ex-presidente do Movimento dos Padres Casados do Brasil, que pediu dispensa do ministério em 1975 e se casou em 1976. O próprio termo “ex-padre” é incorreto, pois a ordenação sacerdotal, uma vez recebida, é considerada inquebrantável. Os padres laicizados, como costumam ser chamados, são, no entanto, proibidos pelo Direito Canônico de exercer os ofícios sacerdotais, como celebrar missas e ouvir confissões.
É cada vez maior o número de padres que têm quebrado o seu compromisso no sacerdócio ao escolherem o matrimônio. Só no Brasil, eles são cerca de quatro mil, e a tendência é de expansão. Pesquisa realizada pelo Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social em 2004 apontou que 42% dos padres brasileiros defendiam o celibato facultativo para o clero.
Mesmo assim, em pleno século XXI, a Igreja reafirma que a sua solidez depende da castidade de seus membros. O papa Bento XVI optou por manter o celibato para os padres, considerando mais vantajoso à tradição do que ceder às pressões da modernidade.
O catolicismo romano é a única das grandes tradições religiosas mundiais que mantém a exigência do voto de castidade para seus clérigos. Sacerdotes muçulmanos, judaicos e protestantes são orientados e mesmo estimulados a casar para melhor assumir suas funções religiosas perante a comunidade. Para o cristianismo ortodoxo e outras vertentes orientais do catolicismo, o celibato é opcional, sendo exigido apenas para o alto clero.
Com o celibato, a Igreja controla a sexualidade de seus membros, que serve de exemplo para o comportamento dos fiéis, aconselhando a castidade como estilo de vida também para os leigos solteiros e até casados. O sexo diz respeito ao desejo que pulsa, à autonomia do sujeito e ao seu poder de escolha e decisão – daí o seu caráter extremamente transgressor. O problema é que a linha que separa a castidade da “impureza” pode ser rompida a qualquer instante. Foi assim no passado, é assim no presente. O crescimento do número de padres que dão vazão a práticas sexuais consideradas ilícitas com fiéis, freiras ou mulheres casadas, assim como os casos de pedofilia e as relações homossexuais, mostram que o debate do tema continua na ordem do dia. Cedo ou tarde, a Igreja terá que retomá-lo.
Os desvios em relação ao celibato também eram prática amplamente difundida no Brasil colonial. Padres namoravam, se casavam e tinham filhos à vista de todos. No século XVIII, por exemplo, o padre Miguel Rego, do bispado do Maranhão, “vivia amancebado há bastante anos com público e notório escândalo com quatro ou cinco filhos”, segundo os registros inquisitoriais.
A questão nunca obteve unanimidade no corpo da Igreja: a oposição ao celibato surgiu no mesmo instante em que ele foi alçado à condição de norma oficial. Em 1074, quando o arcebispo de Ruão ameaçou os padres casados de excomunhão em Paris, quem foi expulso da igreja por uma saraivada de pedras foi ele. Mesmo quando era minoritária ou clandestina, a reação contrária ao celibato se manteve viva ao longo dos séculos.
E foi justamente na zona de maior influência da Igreja, a Itália, que, no final da década de 1960, surgiram as primeiras células do movimento dos padres casados. A partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), o debate ganhou força. Era a primeira vez que a Igreja abordava publicamente o tema. A cúpula chegou a se abrir para mudanças: decidiu, por exemplo, que os padres que optassem pelo matrimônio não seriam mais excomungados. No fim do Concílio, porém, o celibato foi mantido. A decisão provocou frustração e uma inédita saída em massa de sacerdotes da Igreja.
Diante do número cada vez maior de desligamentos, a Santa Sé reprovou severamente os padres egressos ao publicar, em 1967, a encíclica Sacerdotalis Caelibatus. O documento os classifica como “desertores”, “infelizes”, “desgraçadamente infiéis às obrigações assumidas” e vivendo numa “deplorável situação”. Para a Igreja, o apetite sexual deixava os homens expostos ao pecado e às tentações diabólicas, e punha todos num mesmo nível de vulnerabilidade. Os sacerdotes deveriam superar esta fraqueza e rejeitar o desejo, o sexo e o casamento.
No Brasil, o Movimento dos Padres Casados foi fundado em 1979. Pela primeira vez na história da Igreja, os sacerdotes que abandonaram o ministério em busca do casamento se organizavam socialmente. Com o passar do tempo, criaram jornal e revista próprios, instituíram Encontros Nacionais e inauguraram páginas na Internet.
A maioria dos clérigos casados abomina a idéia de dar as costas à sua vocação religiosa. “Nunca me afastei da Igreja. Minha vocação não desapareceu. Até hoje me sinto padre”, afirma Armando Holicheski, ex-presidente do Movimento dos Padres Casados do Brasil, que pediu dispensa do ministério em 1975 e se casou em 1976. O próprio termo “ex-padre” é incorreto, pois a ordenação sacerdotal, uma vez recebida, é considerada inquebrantável. Os padres laicizados, como costumam ser chamados, são, no entanto, proibidos pelo Direito Canônico de exercer os ofícios sacerdotais, como celebrar missas e ouvir confissões.
É cada vez maior o número de padres que têm quebrado o seu compromisso no sacerdócio ao escolherem o matrimônio. Só no Brasil, eles são cerca de quatro mil, e a tendência é de expansão. Pesquisa realizada pelo Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social em 2004 apontou que 42% dos padres brasileiros defendiam o celibato facultativo para o clero.
Mesmo assim, em pleno século XXI, a Igreja reafirma que a sua solidez depende da castidade de seus membros. O papa Bento XVI optou por manter o celibato para os padres, considerando mais vantajoso à tradição do que ceder às pressões da modernidade.
O catolicismo romano é a única das grandes tradições religiosas mundiais que mantém a exigência do voto de castidade para seus clérigos. Sacerdotes muçulmanos, judaicos e protestantes são orientados e mesmo estimulados a casar para melhor assumir suas funções religiosas perante a comunidade. Para o cristianismo ortodoxo e outras vertentes orientais do catolicismo, o celibato é opcional, sendo exigido apenas para o alto clero.
Com o celibato, a Igreja controla a sexualidade de seus membros, que serve de exemplo para o comportamento dos fiéis, aconselhando a castidade como estilo de vida também para os leigos solteiros e até casados. O sexo diz respeito ao desejo que pulsa, à autonomia do sujeito e ao seu poder de escolha e decisão – daí o seu caráter extremamente transgressor. O problema é que a linha que separa a castidade da “impureza” pode ser rompida a qualquer instante. Foi assim no passado, é assim no presente. O crescimento do número de padres que dão vazão a práticas sexuais consideradas ilícitas com fiéis, freiras ou mulheres casadas, assim como os casos de pedofilia e as relações homossexuais, mostram que o debate do tema continua na ordem do dia. Cedo ou tarde, a Igreja terá que retomá-lo.