O
vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa
Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A compararam ao sol.
Mas se houvesse algum astro inconcebivelmente mais brilhante e mais
glorioso do que o sol, é a esse que A comparariam.
E acabariam por dizer que este astro daria d'Ela uma imagem pálida,
defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcendeu de
muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas insignes
da Antiguidade, mas - o que é incomensuravelmente mais - de todos os
Santos da Igreja Católica.
Imagine-se
uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo
de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o
recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a
intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luiz Gonzaga, a
paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os
anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.
Mais
ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto
humano. Certa vez, apareceu a um santo o seu Anjo da Guarda. Tal era sua
glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio Deus, e se
dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era. Ora, os Anjos da
Guarda não pretendem habitualmente às mais altas hierarquias celestes. E
a glória de Nossa Senhora está incomensuravelmente acima da de todos os
coros angélicos.
Poderia
haver contraste maior entre esta obra-prima da natureza e da graça, não
só indescritível mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias,
que era o mundo antes de Cristo?
A
esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e
inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.
Em
virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a
errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou
presa das paixões desordenadas, o corpo por assim dizer foi posto em
revolta contra a alma.
Ora,
pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi
preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu
ser. E, assim, n'Ela tudo era harmonia profunda, perfeita,
imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um
entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado pelas
graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas do Céu e
da Terra.
A
vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o
bem, e governava plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si,
nem pedia à vontade algo que não fosse plenamente justo e conforme à
razão. Imagine-se uma vontade naturalmente tão perfeita, uma
sensibilidade naturalmente tão irrepreensível, esta e aquela
enriquecidas e super-enriquecidas de graças inefáveis,
perfeitissimamente correspondidas a todo o momento, e se pode ter uma
idéia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode compreender por
que motivo nem sequer se é capaz de formar uma ideia do que a Santíssima
Virgem era.
Dotada
de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por
certo, em seus dias, a infâmia do mundo. E com isto amargamente sofreu.
Pois quanto maior é o amor à virtude, tanto maior é o ódio ao mal.
Ora,
Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto,
sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era pois inimiga
do mundo, do qual viveu alheia, segregada, sem qualquer mistura nem
aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.
O
mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois
não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcionada à sua
formosura castíssima, à graça nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, à sua
caridade sempre exorável, acessível, mais abundante do que as águas do
mar e mais suave do que o mel.
E
como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre
Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela
que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que eram todos
idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho, vulgaridade?
Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, senso perfeito de
todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles
que eram todo desmando, extravagância, desiquilíbrio, senso errado,
cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e intemperança
crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era
a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas
consequências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica
infernalmente inexorável, também a suas últimas consequências? Ou
aqueles que, renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num
pântano
de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se poluíam na
monstruosa interpenetração de todos os erros que lhe são contrários?
"Imaculado"
é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de
mácula, e pois de todo e qualquer erro por menos que seja, de todo e
qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É a
integridade absoluta na fé e na virtude. E, portanto, a intransigência
absoluta, sistemática, irredutível, a aversão completa, profunda,
diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa intransigência na
verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à
heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora
correspondentemente amou de todo o Coração tudo quanto era de Deus. E
porque odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e
suas obras, o demônio e a carne. Nossa Senhora da Conceição é Nossa
Senhora da santa intransigência.
Por
isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se
crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquele
que fosse escolhida para Mãe de Deus.
Pedia
o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a
justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas
as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do
vício.
Nossa
Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem
na vinda do Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças,
que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os pauis, de todos os
abismos, almas tocadas pela luz da graça, levantassem voo para os mais
altos píncaros da santidade. Pois estas são por excelência as vitórias
de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o
chefe de todo erro e de todo o mal. A Virgem queria a glória de Deus por
essa justiça que é a realização na Terra da ordem desejada pelo
Criador.
Mas,
pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria a Pedra de
escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o
castigo de seu pecado. Este castigo do pecador irredutível, este
esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa Senhora também o
desejou de todo o Coração, e foi uma das consequências da Redenção e da
fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como ninguém. Ut inimicos
Santae Ecclesiae Humiliare digneris, Te rogamus audi nos, canta a
Liturgia. E antes da Liturgia por certo o Coração Imaculado de Maria já
elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios irredutíveis.
Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.
Deus
quer as obras. Ele fundou a Igreja par ao apostolado. Mas acima de tudo
quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as
obras. E quer como fruto da oração a virtude.
Rainha
de todos os apóstolos, Nossa Senhora e entretanto principalmente o
modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela podar de toda
meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela dez
sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as agitações e
as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca
experimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das almas
frouxas que fazem da vida interior um pára-vento a fim de disfarçar sua
indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não
significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e
pelos pecadores do que Aquela que, para os salvar, voluntariamente
consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e
santo? Quem fez mais pelos homens, do que Aquela que consentiu se
realizasse em seus dias a promessa da vinda do Salvador?
Mas,
confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha
dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o
seu principal instrumento de ação?
Tanto
valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o
segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência
perfeita, do zelo incessante, do completo espírito de renúncia, que
propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças divinas.
Estamos
numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928
escreveu o Santo Padre Pio XI que "o espetáculo das desgraças
contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a
aurora deste início de dores que trará o Homem do pecado, elevando-se
contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto" (Enc.
Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928).
Que
diria ele hoje? E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os
terrenos permitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo,
acima de tudo, confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo
de Nossa Senhora.
O
exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode
imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nossa Senhora se
pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode
consistir, do que em lhe pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao
demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao bem e no ódio ao mal, em
uma palavra aquela santa intransigência, que tanto refulge em sua
Imaculada Conceição?
* * * * * * *
A
Imaculada Conceição da Maria Virgem - singular privilégio concedido por
Deus, desde toda a eternidade, Àquela que seria Mãe de seu Filho
Unigênito - preside a todos os louvores que Lhe rendemos na recitação de
seu Pequeno Ofício. Assim, parece-nos oportuno percorrer rapidamente a
história dessa "piedosa crença" que atravessou os séculos, até
encontrar, nas infalíveis palavras de Pio IX, sua solene definição
dogmática.
Os
mais antigos Padres da Igreja, amiúde se expressam em termos que
traduzem sua crença na absoluta imunidade do pecado, mesmo o original,
concedida à
Virgem Maria. Assim, por exemplo, São Justino, Santo Irineu,
Tertuliano, Firmio, São Cirilo de Jerusalém, Santo Epifânio, Teódoro de
Ancira, Sedulio e outros comparam Maria Santíssima com Eva antes do
pecado. Santo Efrém, insigne devoto da Virgem, A exalta como tendo sido
"sempre, de corpo e de espírito, íntegra e imaculada". Para Santo
Hipólito Ela é um "tabernáculo isento de toda corrupção". Orígenes A
aclama "imaculada entre imaculadas, nunca afetada pela peçonha da
serpente". Por Santo Ambrósio é Ela declarada "vaso celeste, incorrupta,
virgem imune por graça de toda mancha de pecado". Santo Agostinho
afirma, disputando contra Pelágio, que todos os justos conheceram o
pecado, "menos a Santa Virgem Maria, a qual, pela honra do Senhor, não
quero que entre nunca em questão quando se trate de pecados".
Cedo
começou a Igreja - com primazia da Oriental - a comemorar em suas
funções litúrgicas a imaculada conceição de Maria. Passaglia, no seu De
Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a princípios do Século V já se
celebrava a festa da Conceição de Maria (com o nome de Conceição de
Sant'Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O documento fidedigno mais antigo
é o cânon de dita festa, composto por Santo André de Creta, monge do
mosteiro de São Sabas, próximo a Jerusalém, o qual escreveu seus hinos
litúrgicos na segunda metade do século VII.
Tampouco
faltam autorizadíssimos testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em
Concílio, para provar que já no século VII era comum e recebida por
tradição a piedosa crença, isto é, a devoção dos fiéis ao grande
privilégio de Maria (Concílio de Latrão, em 649, e Concílio
Constantinopolitano III, em 680).
Em
Espanha, que se gloria de ter recebido com a fé o conhecimento deste
mistério, comemora-se sua festa desde o século VII. Duzentos anos
depois, esta solenidade aparece inscrita nos calendários da Irlanda, sob
o título de "Conceição de Maria".
Também
no século IX era já celebrada em Nápoles e Sicílias, segundo consta do
calendário gravado em mármore e editado por Mazzocchi em 1744. Em tempos
do Imperador Basílio II (976-1025), a festa da "Conceição de Sant'Ana"
passou a figurar no calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império
Bizantino.
No
século XI parece que a comemoração da Imaculada estava estabelecida na
Inglaterra, e, pela mesma época, foi recebida em França. Por uma
escritura de doação de Hugo de Summo, consta que era festejada na
Lombardia (Itália) em 1047. Certo é também que em fins do século XI, ou
princípios do XII, celebrava-se em todo o antigo Reino de Navarra.
No
mesmo século XII começou a ser combatido, no Ocidente, este grande
privilégio de Maria Santíssima. Tal oposição haveria ainda de ser mais
acentuada e mais precisa na centúria seguinte, no período clássico da
escolástica. Entre os que puseram em dúvida a Imaculada Conceição, pela
pouca exatidão de idéias à matéria encontram-se doutos e virtuosos
varões, como, por exemplo, São Bernardo, São Boaventura, Santo Alberto
Magno e o angélico São Tomás de Aquino.
O
combate a esta augusta prerrogativa da Virgem não fez senão acrisolar o
ânimo de seus partidários. Assim, o século XIV se inicia com uma grande
reação a favor da Imaculada, na qual se destacou, como um de seus mais
ardorosos defensores, o beato espanhol Raimundo Lulio.
Outro
dos primeiros e mais denodados campeões da Imaculada Conceição foi o
venerável João Duns Escoto (seu país natal é incerto: Escócia,
Inglaterra ou Irlanda; morreu em 1308), glória da Ordem dos Menores
Franciscanos, o qual, depois de bem fixar os verdadeiros termos da
questão, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para
desvanecer as dificuldades que os contrários opunham à singular
prerrogativa mariana.
Sobre
o impulso dado por Escoto à causa da Imaculada Conceição, existe uma
tocante legenda. Teria ele vindo de Oxford a Paris, precisamente para
fazer triunfar o imaculatismo. Na Universidade da Sorbonne, em 1308,
sustentou uma pública e solene disputa em favor do privilégio da Virgem.
No
dia dessa grande ato, Escoto, quando chegou ao local da discussão,
prosternou-se diante de uma imagem de Nossa Senhora que se encontrava em
sua passagem, e lhe dirigiu esta prece: "Dignare me laudare te, Virgo
sacrata: da mihi virtutem contra hostes tuos". A Virgem, para mostrar
seu contentamento com esta atitude inclinou a cabeça - postura que, a
partir de então, Ela teria conservado...
Depois
de Escoto, a solução teológica das dificuldades levantadas contra a
Imaculada Conceição se tornou casa dia mais clara e perfeita, com o que
seus defensores se multiplicaram prodigiosamente. Em seu favor
escreveram inúmeros
filhos de São Francisco, entre os quais se podem contar os franceses
Aureolo (m. em 1320) e Mayron (m. em 1325), o escocês Bassolis e o
espanhol Guillermo Rubión. Acredita-se que esses ardorosos
propagandistas do santo mistério estejam na origem de sua celebração em
Portugal, nos primórdios do século XIV.
O
documento mais antigo da instituição da festa da Imaculada nesse país é
um decreto do Bispo de Coimbra, D. Raimundo Evrard, datado de 17 de
Outubro de 1320. A par dos doutores franciscanos, cumpre ainda
mencionar, entre os defensores da Imaculada Conceição nos séculos
XIV-XV, o carmelita João Bacon (m. em 1340), o agostiniano Tomás de
Estrasburgo, Dionísio, o Cartuxo (m. em 1471), Gerson (m. em 1429),
Nicolau de Cusa (m. em 1464) e outros muitos esclarecidos teólogos
pertencentes a diversas escolas e nações.
Em
meados do século XV, a Imaculada Conceição foi objeto de renhido
combate durante o Concílio de Basiléia, resultando num decreto de
definição sem valor dogmático, posto que este sínodo perdeu a
legitimidade ao se desligar do Papa.
Entretanto,
crescia cada dia mais o número das cidades, nações e colégios que
celebravam oficialmente a festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas
cortes da Catalunha, reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458,
decretou-se pena de perpétuo desterro para quem combatesse o santo
privilégio.
O
autêntico Magistério da Igreja não tardou a dar satisfação aos
defensores do dogma e da festa. Pela bula Cum proeexcelsa, de 27 de
Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a festa da Conceição de
Maria, enriqueceu-a de indulgências semelhantes às festas do Santíssimo
Sacramento e autorizou ofício e missa especial para essa solenidade.
Pelos
fins do século XV, porém, a disputa em torno da Imaculada Conceição de
tal maneira acirrou os ânimos dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV
se viu obrigado a publicar, em data de 4 de setembro de 1483, a
Constituição Grave Nimis, proibindo sob pena de excomunhão que os de uma
parte chamassem hereges aos da outra.
Por
essa época, festejavam a Imaculada célebres universidades, como as de
Oxford, de Cambridge e a de Paris, a qual, em 1497, instituiu para todos
os seus doutores o juramento e o voto de defender perpetuamente o
mistério da Imaculada Conceição, excluindo de seus quadros quem não os
fizesse. De modo semelhante procederam as universidades de Colônia (em
1499), de Magúncia (em 1501) e a de Valência (em 1530).
No
Concílio de Trento (1545-1563) se ofereceu nova ocasião para denodado
combate entre os dois partidos. Sem proferir uma definição dogmática da
Imaculada Conceição, esta assembléia confirmou de modo solene as
decisões de Sixto IV. A 15 de Junho de 1546, na sessão V, em seguida aos
cânones sobre o pecado original, acrescentaram-se estas significativas
palavras: "O sagrado Concílio declara que não é sua intenção compreender
neste decreto, que trata do pecado original, a Bem-aventurada e
imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que devem observar-se as
constituições do Papa Sixto IV, de feliz memória, sob as penas que nelas
se cominam e que este Concílio renova".
Por
esse tempo, começaram a reforçar as fileiras dos defensores da
Imaculada Conceição os teólogos da recém-fundada Companhia de Jesus,
entre os quais não se achou um só de opinião contrária. Aliás, pelos
primeiros missionários jesuítas no Brasil temos notícia de que, já em
1554, celebrava-se o singular privilégio mariano em nosso País. Além da
festa comemorada no dia 8 de Dezembro, capelas, ermidas e igrejas eram
edificadas sob o título de Nossa Senhora da Conceição.
Entretanto,
a piedosa crença ainda suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção
do Sumo Pontífice. Assim, em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma
proposição de Bayo que afirmava ter morrido Nossa Senhora em
conseqüência do pecado herdado de Adão, proibiu novamente a disputa
acerca do augusto privilégio da Virgem.
No
século XVII, o culto da Imaculada Conceição conquista Portugal inteiro,
desde os reis e os teólogos até os mais humildes filhos do povo. A 9 de
Dezembro de 1617, a Universidade de Coimbra, reunida em claustro pleno,
resolve escrever ao Papa manifestando-lhe a sua crença na
imaculabilidade de Maria.
Naquele
mesmo ano, Paulo V, decretou que ninguém se atrevesse a ensinar
publicamente que Maria Santíssima teve pecado original. Semelhante foi a
atitude de Gregório XV, em 1622.
Por
essa época, a Universidade de Granada se obrigou a defender a Imaculada
Conceição com voto de sangue, quer dizer, comprometendo-se a dar a vida
e derramar o sangue, se necessário fosse, na defesa deste mistério.
Magnífico exemplo que foi imitado, sucessivamente, por grande número de
cabidos, cidades, reinos e ordens militares.
A
partir do século XVII também foram se multiplicando as corporações e
sociedades, tanto religiosas como civis, e até mesmo estados, que
adotaram por padroeira à Virgem no mistéiro de sua Imaculada Conceição.
Digna
de particular referência é a iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal,
proclamando Nossa Senhora da Conceição padroeira de seus "Reinos e
Senhorios", ao mesmo tempo que jura defendê-La até à morte, segundo se
lê na provisão régia de 25 de março de 1646. A partir deste momento, em
homenagem à sua Imaculada Soberana, nunca mais os reis portugueses
puseram a coroa na cabeça.
Em 1648, aquele mesmo Monarca mandou cunhar moedas de ouro e prata. Foi com estas que se pagou o primeiro feudo a Nossa Senhora.
Com o nome de Conceição, tais moedas tinham no anverso a legenda:
JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALBARBIAE REX, a Cruz de Cristo e as
armas lusitanas. No reverso: a imagem da Senhora da Conceição sobre o
globo e a meia lua, com a data de 1648 e, nos lados, o sol, o espelho, o
horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da Aliança, símbolos
bíblicos da Santíssima Virgem.
Outro
decreto de D. João IV, assinado em 30 de junho de 1654, ordenava que
"em todas as portas e entradas das cidades, vilas e lugares de seus
Reinos", fosse colocada uma lápide cuja inscrição exprimisse a fé do
povo português na imaculada Conceição de Maria.
Igualmente
a partir do século XVII imperadores, reis e as cortes dos reinos
começaram a pedir com admirável constância, e com uma insistência de que
há poucos exemplos na História, a declaração dogmática da Imaculada
Conceição.
Pediram-na
a Urbano VIII (m. em 1644) o Imperador Fernando II da Áustria;
Segismundo, Rei da Polônia; Leopoldo, Arquiduque do Tirol; o eleitor de
Magúncia; Ernesto de Baviera, eleitor de Colônia.
O
mesmo Urbano VIII a pedidos do Duque de Mântua e de outros príncipes,
criou a ordem militar dos Cavaleiros da Imaculada Conceição, aprovando
ao mesmo tempo seus estatutos. Por devoção à Virgem Imaculada, quis ele
ser o primeiro a celebrar o augusto Sacrifício na primeira igreja
edificada em Roma sob o título da Imaculada, para uso dos menores
capuchinhos de São Francisco.
Porém,
o ato mais importante emanado da Santa Sé, no século XVII, em favor da
Imaculada Conceição, foi a bula Sollicitude omnium Ecclesiarum, do Papa
Alexandre VII, em 1661. Neste documento, escrito de sua própria mão, o
Pontífice renova e ratifica as constituições em favor de Maria
Imaculada, ao mesmo tempo que impõe gravíssimas penas a quem sustentar e
ensinar opinião contrária aos ditos decretos e constituições. Esta bula
memorável precede diretamente, sem outro decreto intermediário, a bula
decisiva de Pio IX.
Em
1713, Felipe V de Espanha e as Cortes de Aragão e Castela pediram a
solene definição a Clemente XI. E o mesmo Rei, com quase todos os Bispos
espanhóis, as universidades e Ordens religiosas, a solicitaram a
Clemente XII, em 1732.
No
pontificado de Gregório XVI, e nos primeiros anos de Pio IX,
elevaram-se à Sé Apostólica mais de 220 petições de Cardeais, Arcebispos
e Bispos (sem contar as dos cabidos e ordens religiosas) para que se
fizesse a definição dogmática. (Monsenhor João Clá Dias, EP, Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado, Volume I, 2° Edição - Agosto 2010, p. 436 à 441)