COMO SERIA O CULTO que os verdadeiros cristãos devem prestar a Deus? Com o crescimento de centenas de seitas ditas "cristãs" no Brasil, vemos a soberba de muitos que afirmam que o culto que eles prestam é o único verdadeiro, pois seria o mesmo culto que os primeiros cristãos tributavam a Deus, – tudo supostamente confirmado, como de costume, pela Bíblia Sagrada. – Será?
Seria verdadeiro o argumento dos que se intitulam, a si mesmos, "evangélicos"? Muitos dentre estes também afirmam que a Missa católica é uma "invenção" humana, que Deus não ouve nem aceita, e que, é claro (e só para não variar), não teria "base bíblica" . Alguns chegam ao extremo de dizer que se trata de um sacrifício paganizado.
Para descobrir a verdade dos fatos, analisemos brevemente, juntos, a História da Igreja, para descobrir que tipo de culto e quais ritos os primeiros cristãos prestavam a Deus. – Pelo testemunho bíblico, sabemos que a Igreja primitiva seguia a doutrina e a sagrada Tradição dos Apóstolos, observando o Mandamento direto do Senhor: "Fazei isto em memória de mim. Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a minha morte, e confessareis a minha ressurreição" (1 Cor 11,26).
Adverte também Jesus no Evangelho segundo S. João “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos” (Jo 6, 53).
Na Comunhão do Pão e na oração perseveravam os primeiros cristãos após a Ressurreição do Cristo, que formavam o corpo da Igreja primitiva (conf. At 2, 42), já celebrando os santos Mistérios Sacramentais. Sabemos que no inicio do século II usavam a Disciplina do Arcano, com os Mistérios sendo celebrados secretamente para que não se paganizassem e se mantivessem vivos e puros no seio da Igreja. O serviço litúrgico era realizado em casas de membros da comunidade ou em lugares ocultos, como porões e catacumbas, devido à perseguição romana: nos tempos primitivos, muitos Apóstolos ministraram a Liturgia em suas casas, edificações conhecidas como Domus Eclesiae, que mais tarde viriam a se tornar Domus Dei, isto é, edifícios construídos exclusivamente para o culto cristão.
No primeiro dia depois do sábado, o "Dia do Senhor" (Ap 1,10), quando S. Paulo diz para partir o Pão (At 20,7), os cristãos cultuavam a Deus mais frequentemente. Faziam a leitura dos Profetas e das Epístolas, as cartas dos Apóstolos às primeiras comunidades da Igreja, suas primeiras paróquias e dioceses. Essas leituras eram explicadas e meditadas em grupo: tratava-se da homilia, do latim, que deriva do grego ὁμιλία e quer dizer discurso, instrução ou conversa, e se traduz numa pregação em estilo simples e quase coloquial do Evangelho e das leituras do dia. Vejamos o que dizem os Pais Apostólicos da Igreja, em registros dos séculos I e II dC:
"No chamado 'Dia do Sol' (domingo – sun-day), todos os fiéis das vilas e do campo se reúnem num mesmo lugar: em todas as oblações que fazemos, bendizemos e louvamos o Criador de todas as coisas, por Jesus Cristo, seu Filho, e pelo Espírito Santo".
(S. Justino Mártir, nascido em 103 dC, filósofo pagão convertido, tornado sacerdote e martirizado, contemporâneo de Simeão, – que ouviu Nosso Senhor Jesus Cristo, – e de Sto. Inácio, Clemente, – companheiro do Apóstolo Paulo, – de Potino e de Irineu, discípulos de Policarpo)
Sobre a reunião dos primeiros cristãos para culto, ele mesmo descreve:
"Lêem-se os escritos dos profetas e os comentários dos apóstolos. Concluídas as leituras, o sacerdote faz um discurso em que instrui e exorta o povo a imitar tão belos exemplos. Em seguida, nos erguemos, recitamos várias orações, e oferecemos pão, vinho e água. O sacerdote pronuncia claramente várias orações e ações de graças, que são acompanhadas pelo povo, com a aclamação Amem! Distribuem-se os dons oferecidos, comunga-se desta oferenda, sobre a qual pronunciara-se a ação de graças, e os diáconos levam esta Comunhão aos ausentes. Os que possuem bens e riquezas dão uma esmola, conforme sua vontade, que é coletada e levada ao sacerdote que, com ela, socorre órfãos, viúvas, prisioneiros e forasteiros, pois ele é o encarregado de aliviar todas as necessidades. Celebramos nossas reuniões no 'Dia do Sol', porque ele é o primeiro dia da criação em que Deus separou a luz das trevas, e em que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos".
Outro atestado é o de Sto. Inácio de Antioquia, (†110) terceiro bispo de Antioquia, sucessor de S, Pedro e de Evódio, contemporâneo dos Apóstolos quando criança, que declarou ter visto Nosso Senhor ressuscitado; ele conheceu pessoalmente S. Paulo e S. João Evangelista. Sob o imperador Trajano, foi preso e conduzido a Roma, onde morreu devorado por leões, no Coliseu. A caminho de Roma, escreveu cartas às comunidades da Igreja em Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia, Esmirna e ao bispo São Policarpo de Esmirna. Apresenta alguns detalhes sobre a oblação da Eucaristia, na sua primeira carta aos cristãos de Esmirna (leia aqui). Nesta, ficou registrada por escrito, pela primeira vez (ao menos num documento que tenha chegado ao nosso conhecimento), a expressão “Igreja Católica”.
“Abstêm-se eles da Eucaristia e da oração, por que não reconhecem que a Eucaristia é Carne de nosso Salvador Jesus Cristo, Carne que padeceu por nossos pecados e que o Pai, em Sua Bondade, ressuscitou.”
(Epístola aos Esmirnenses: Cap. VII; Santo Inácio de Antioquia)
Sto. Ireneu de Lião, (130-202) eminente teólogo ocidental, confirma-nos o Sacrifício que era prestado pelos primeiros cristãos figurado no Sacrifício de Cristo. Em outra obra ele ressalta a importância e a transubstanciação na Eucaristia:
“(Nosso Senhor) nos ensinou também que há um novo Sacrifício da Nova Aliança, Sacrifício que a Igreja recebeu dos Apóstolos, e que se oferece em todos os lugares da Terra ao Deus que se nos dá em Alimento como Primícia dos favores que Ele nos concede no Novo Testamento. Já o havia prefigurado Malaquias. (...) O que equivale dizer, com toda a clareza, que o povo primeiramente eleito não havia mais de oferecer sacrifícios, senão que em todo lugar se ofereceria um Sacrifício puro, e que seu Nome seria glorificado entre as nações."
(Adversus Haereses)
Outro Registro é o Didaqué (leia na íntegra aqui), catecismo cristão escrito por volta do ano 120 aD, antes do Evangelho segundo João e de outros livros no Novo Testamento da Bíblia, um dos mais antigos registros do cristianismo. Este também trata do culto cristão e da celebração dos primeiros crentes após transcrever regras a respeito da celebração da Eucaristia. Diz:
“Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor, pois sobre isso o Senhor disse: 'Não dêem as coisas santas aos cães'".
(Didaqué, Cap. IX, Nº 5)
Também diz sobre a reunião dos crentes:
“Reúnam-se no Dia do Senhor para partir o Pão e agradecer, após ter confessado seus pecados, para que o Sacrifício seja puro.”
(Didaqué, Cap. XIV, nº 1)
O que têm em comum estes testemunhos do I e do II séculos? Por meio deles podemos observar que os primeiros cristãos perseveravam na Comunhão e na Celebração Eucarística, e todos comprovam a Liturgia católica como única herdeira da liturgia dos primeiros cristãos em suas reuniões, que no mínimo a partir do séc. III passou a ser conhecida pelo termo "Missa", que procede do latim “mitere”, e significa "enviar". Missa é o particípio que adquire sentido de substantivo: "missão”.
E como ficam os cultos daqueles alegados "cristãos" que atacam a santa Missa, e que não passam de simples reuniões para a leitura da Bíblia, – com a sua inevitável interpretação particular, que as próprias Escrituras condenam (2Pd 1,20), – canto de louvores e orações espontâneas? Como visto, estes sim, são totalmente carecentes de embasamento histórico e bíblico!
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Fontes e referência bibliográfica:
• STONE, Darwell. A History of the Doctrine of the Holy Eucharist, Oregon: Aeterna Press, vol.s 1/2, 2014.
• CECHINATO, Luiz. A Missa Parte por Parte, São Paulo: Vozes, 1991.
• PRADO, Alexandre de Castro. Considerações Sobre A Missa No Séc. II segundo S. Justino, São Paulo: USP, 2011.