Há 66 anos o mundo respirava aliviado com o fim da Segunda Guerra Mundial. Os natalenses tinham muito o que comemorar, já que mesmo não participando de batalhas, foi o estado brasileiro que mais viveu
sob a atmosfera do conflito que assolou o planeta entre os anos de 1939
e 1945.A Base Americana aqui instalada, trouxe mudanças significativas
para a população da pequena Capital Nordestina.Natal nunca mais seria a
mesma, e teria de conviver com as modificações econômicas e culturais
que a presença dos aliados impôs à cidade.Tenho lembranças do meu
pai,reclamando dos "estragos" que os "yanques" fizeram na sua passagem
pela cidade;ele se referia ao caos econômico estabelecido - "tempos
ruins" que ele como comerciante sentiu na pele. Mas há legados positivos
desse período,e talvez o mais importantes deles tenha sido a mudança de
paradigma do povo potiguar, que passou a ser um povo mais antenado com
os acontecimentos mundiais, mais abertos às mudanças.
Natal - O Trampolim da Vitória
servindo de Trampolim para a África
Durante a Segunda Guerra Mundial o Brasil assumia grande importância estratégica para a defesa do Continente.Por sua proximidade com a África, o Nordeste brasileiro se constituía um alvo provável de uma eventual invasão da América do Sul, e ao mesmo tempo,representava um local ideal para a partida de aeronaves que se dirigissem para a África e União Soviética.A cidade de Natal apresentava grande interesse militar, podendo servir de base de apoio à travessia de aviões do Atlântico Sul, e no caso de uma eventual tentativa de invasão do continente, num ponto estratégico para um possível ataque ao Canal de Panamá.E assim, quatro dias após a declaração de guerra norte-americana ao Eixo, a cidade recebe os primeiros aviões da US Navy, que se instalam na Rampa. A cidade escreve seu nome no cenário mundial, colocando-se em meio ao maior conflito da história ocidental,e passou a ser conhecida internacionalmente pelo nome de "Trampolim da Vitória".
O MEMORÁVEL ENCONTRO
DE GETÚLIO E ROOSEVELT EM NATAL
Ambos de chapéu panamá- Janeiro de 1943
A entrada brasileira na II Guerra Mundial, depois do ataque de submarinos alemães a navios brasileiros, aproximou Getúlio e Roosevelt, que visitou o país em janeiro de 1943.Na reunião conhecida como a Conferência de Natal, surgiram os acordos que deram origem à Força Expedicionária Brasileira (FEB), que participou do conflito na Europa. Roosevelt também ajudou a construir a Companhia Siderúrgica Nacional em troca de instalação de bases militares no Nordeste.A necessidade americana de obter borracha, cujo fornecimento pela Ásia estava interrompido, também uniu os países-houve forte imigração nordestina para a Amazônia-"os soldados da borracha" para a extração do látex.
PARNAMIRIM FIELDS- A BASE AMERICANA
Nesse mesmo ano,os Estados Unidos constroem aqui a maior base militar fora de seu território - Parnamirim Field - e mais de 10.000 soldados americanos passam a viver na então pequena e pacata capital potiguar. Altos, louros e de olhos azuis, eles vêm com seus dólares, chicletes,coca-cola, música, festas (muitas festas) e mexem profundamente com o cotidiano local, com consequências sociais, econômicas e culturais para a cidade.
Foto -Fundação Rampa
AMERICANOS E POTIGUARES
A CRISE ECONÔMICA
O desembarque dos soldados e oficiais norte-americanos deu-se de forma gradual e em clima de certa tranqüilidade, mas sua permanência na cidade até o final do conflito mundial representou uma série de problemas.
É inegável que a construção das bases aérea de Natal e Parnamirim Field tenha proporcionado um crescimento econômico nunca antes visto no estado, gerando cerca de 6 mil empregos e atraindo trabalhadores da capital, interior e outros estados, além das empreiteiras, todas nacionais e trabalhando em três turnos, 24 horas por dia. O lado negativo do avanço, com excesso de dinheiro circulando e o inchaço populacional, foi um alto índice inflacionário pois a cidade, com 40 mil habitantes, não estava preparada para receber tanta gente, sem condições de ampliar a produção de comida, aumento dos alugueis e das casas de prostituição. Uma das soluções encontradas pelos americanos, foi a criação de um aviário ou criação de galinhas com horta, no local onde hoje existe a Cidade da Criança, como relatou John Harisson.
O cotidiano de guerra tornara-se difícil.Entre o glamour de uma cultura hollywoodiana e o medo de bombardeios de aviões nazistas, a população convivia com black-outs, sirenes (sinais de alarmes)racionamentos, carestia, falta de moradias e de provisões.A gravidade da situação era assunto das manchetes jornalísticas: “Há falta de carne e subiu o preço do leite”; “Está grassando em Natal uma epidemia de Ações de Despejo”; “Aonde vai parar o custo da vida em Natal?” A população sentia na pele todos os problemas, mas todos colaboravam com o exército americano e seguiam à risca as instruções.
A alta injeção do dólar na economia
inflacionou o mercado local
A presença dos americanos em Natal é polêmica. Para alguns pesquisadores, "Natal avançou com os americanos" como afirma Minervino Wanderley. Para ele "os americanos não trouxeram nada de negativo para Natal naquele período. Muito ao contrário.A única coisa que poderia ter acontecido de ruim é que a cidade corria o risco de ser bombardeada, mas não foi. Eu digo que a estada dos americanos aqui foi ótima. A cidade avançou, tínhamos características de país desenvolvido".
A CONSTRUÇÃO DA "PISTA"
A Pista construída pelos americanos
no trecho onde hoje é a Avenida hermes da Fonseca Em meio a crise de combustível foi construída a primeira estrada de asfalto em Natal: Parnamirim Road, um empreendimento norte-americano, mais conhecido pela população local simplesmente por “a pista”. A seu respeito, Câmara Cascudo afirmou em 1947: “articulando Parnamirim a Natal, surgiu uma estrada asfaltada, 20 quilômetros. Pagaram seis milhões de cruzeiros e durou seis semanas sua construção. É Parnamirim Road”, enfatizando o evidente progresso trazido da América à vida de sua província. (Cascudo, 1999, p. 423-424).
CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1999.
Flávia de Sá Pedreira. Chiclete eu misturo com banana: Carnaval e cotidiano de guerra em Natal (1920-1945), Natal: Editora da UFRN, 2005