A instalação da Base de Parnamirim trouxe avanços e mudanças tanto para as tropas americanas quanto para Natal. A maior contribuição da presença americana se efetivou nos costumes e serviços. A formalidade predominante até então, deu lugar aos shorts, camisetas, chicletes e óculos escuros.Também foram inseridos ao cotidiano do natalense os ritmos do foxtrot e do swing, que embalaram as noites dos jovens da época. Pena que nesse embalo, deixamos nossa cultura de lado. Para muitos era cafona (brega) gostar das nossas manifestações culturais. Participar delas nem pensar! Pelo menos era assim que pensava a maioria das minhas amigas, mesmo no período do pós-guerra. Lembro do esforço do Prefeito Djalma Maranhão para resgatar nossas tradições, que ficaram tão distantes dos jovens da cidade quanto os americanos que se foram.
Base de Parnamirim
Durante todo período da Segunda Guerra Parnamirim Field era muito movimentada. Estima-se que pelo menos 100 pousos e decolagem ocorressem diariamente, com relatos de até 300 em dias de pico, resultando numa média de 3 minutos a cada decolagem. Um dado curioso é que a dificuldade de navegação entre o Brasil e a África e a deficiência tecnológica à época, exigia a decolagem apenas à noite, pois a navegação seguia as estrelas, a exemplo dos primeiros navegadores.
Desfile das tropas militares
O entrosamento das jovens natalenses com os americanos, resultou em alguns casamentos. A historiadora Flávia Pedreira faz o seguinte relato: "Consultando-se os cartórios da cidade, pode-se ver que a quantidade de casamentos entre estrangeiros e brasileiras nesse período foi bastante expressiva;entre os anos de 1942 e 1946, houve um acréscimo nos registros de nomes em línguas estrangeiras eprincipalmente em inglês, como por exemplo: David Eugene Reynolds e Josefa Miranda Reynolds, Darci Hoffmann e Eva Baraúna Moura Hoffmann, Frank Willian Knabb e Thais Vieira Knabb, entre outros".
Apesar do clima de suposta cordialidade entre brasileiros e estrangeiros que a imprensa tentava passar, nem tudo eram flores nessa convivência. Atos de violência e tensão entre os nativos e gringos eram frequentes nos bares e cabarés da Ribeira e Cidade Alta. À respeito a Professora Flávia Pedreira escreve: "Nem tudo era um mar de rosas. Se por um lado, o relacionamento entre os americanos e moças natalenses fluía dentro de grande harmonia, ocorria o oposto com a população masculina. As disputas pelas damas comumente terminavam em brigas que só paravam com a chegada das polícias brasileira e americana". Vale registrar que nem só pelas "moças de família" os desentendimentos aconteciam.
Na zona do baixo meretrício, localizada no bairro da Ribeira, não era diferente; No Wonder Bar o mais famoso ponto de encontro local, as querelas advindas pelas preferências das prostitutas levavam a brigas e confusões. O antigo Wanderbar ou Wonder Bar era de propriedade do Dr.Lettieri, Vice-Cônsul da Itália. No andar térreo funcionava uma casa de secos e molhados,e a entrada do bar. No primeiro andar ficava o salão de festas do bar com direito a bandas de músicas americanas, muitas bebidas e muitas "meninas". No último andar ficavam os quartos onde as meninas atendiam seus clientes.
MARIA BOA - A PRIMEIRA DAMA DA NOITE
Não dá para falar na passagem dos americanos em Natal, e esquecer um personagem que fez parte ativa da cidade naquela época: Maria Boa - primeira grande dama da noite da cidade.
Natal, década de 40. A cidade fervilhava de militares americanos e brasileiros. Aviões, Hidroaviões, Catalinas e Jeeps patrulhavam a vida dos natalenses. Nessa ocasião, Instalava-se na cidade a paraibana de Campina Grande, Maria de Oliveira Bastos ( 24/06/1920 - 22/07/1997). Começava assim a história da mais conhecida casa de tolerância da cidade e do Nordeste brasileiro.
O cabaré foi passagem importante na vida sexual dos homens natalenses. Jovens, militares e figurões da cidade costumavam frequentar a casa. Muitas mães e esposas, tiveram que amargar, em silêncio, a presença de Maria Boa, em uma época de evidente repressão sexual. A fama do Night club ultrapassava as fronteiras do Rio Grande do Norte. Maria fazia questão de manter seu negócio longe dos olhos indiscretos. A boa qualidade era prioridade na boate. Encantando a todos que frequentavam sua casa, inclusive dos americanos, era muito elogiada pelo seu comportamento fino, gentil e educado. Chegou a receber uma homenagem feita pelos americanos - um dos piloto dos famosos B-25 pintou seu nome em uma das aeronaves.
Cachaça produzida hoje, no RN, leva o nome de Maria Boa
CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1999.
Flávia de Sá Pedreira. Chiclete eu misturo com banana: Carnaval e cotidiano de guerra em Natal (1920-1945), Natal: Editora da UFRN, 2005