VAMOS refletir a Sagrada Escritura, como a Igreja nos propõe para este segundo domingo do Tempo Comum do ano A: Evangelho segundo S. João, 1, 29-34.
A leitura do Evangelho inicia-se com a frase solene dita pelo grande S. João Batista, com a qual já estamos, todos nós, católicos, bastante habituados: “Eis o Cordeiro de Deus! Eis Aquele que tira o pecado do mundo!”.
Essa frase ocorre na Santa Missa não somente no momento em que o sacerdote eleva a Hóstia Consagrada e a profere, mas também no canto-súplica que insiste por duas vezes: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”, e, numa terceira vez, completa-se com "Dai-nos a Paz".
Talvez, porém, exatamente por conhecermos tão bem esta frase, pelo uso cotidiano que fazemos dela em nossas Celebrações, é que devamos fazer uma pausa para refletir, verdadeiramente, no seu significado mais profundo. Em primeiro lugar, o que significa o título “Cordeiro de Deus (Agnus Dei)”?
O titulo Cordeiro de Deus alude claramente ao cordeiro pascal, isto é, identifica o Sacrifício de Cristo ao do cordeiro que era imolado todos os anos pelos judeus para recordar a libertação do povo de Deus no Egito.
O próprio Evangelho segundo S. João é todo voltado a esta temática do Cordeiro: Jesus, no cap. 19, é condenado a morte no mesmo momento em que, no Templo, os sacerdotes imolavam os cordeiros em preparação ao sacrifício pascal (cf. vs. 14). Uma outra alusão a Jesus como Cordeiro Imolado vemos também quando os soldados querem quebrar suas pernas, quando Ele morre na cruz, mas acabam por não fazê-lo. – Assim como os ossos do cordeiro pascal não podiam ser quebrados (Jo 19,36), também os do Messias. É evidente a referência a Jesus como o Cordeiro Pascal definitivo, que veio para libertar não apenas um povo da escravidão temporal, mas sim toda a humanidade da escravidão do pecado e da morte.
O famoso teólogo luterano Joachim Jeremias (1900-1979), internacionalmente reconhecido como investigador da historicidade dos eventos descritos nos Evangelhos, escreveu um artigo para o Dicionário Bíblico-Teológico Kittel (Gerhard) sobre o assunto. Parece ter sido ele um dos primeiros a apontar que a palavra cordeiro, no aramaico, possui uma gama de significados mais ampla do que parece à primeira vista. O vocábulo Talyá pode significar, além de cordeiro, servo e, até mesmo, menino. Isso pode nos revelar que, na cena histórica em que S. João aponta para Jesus, ele talvez estivesse jogando com as palavras: “Eis o Cordeiro de Deus”, na boca de S. João, poderia significar ao mesmo tempo: “Eis o Servo de Deus”, ou: "Eis o Menino de Deus", no sentido de Filho.
E isso nos conduz imediatamente ao quarto e último “Cântico do Servo Sofredor” do Profeta Isaías, que já foi descrito como "Evangelho segundo Isaías" (Is 52), em que o Servo Sofredor é também comparado ao Cordeiro que, mudo, é levado ao matadouro, e pelas chagas do qual somos curados, pois carregou sobre si os nossos pecados. A palavra “carregou” também traz um significado interessante, porque nos lembra da Cruz. E não podemos deixar de mencionar o Livro do Apocalipse, que chama a Jesus de Cordeiro nada menos que vinte e oito vezes em vinte e dois capítulos. Vemos quanta riqueza se encontra na leitura do Evangelho deste domingo, apenas em sua expressão inicial: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o Pecado do Mundo".
A história da humanidade mostra que o pecado cavou um abismo entre o Criador e a criatura. A humanidade, por si só, não poderia e não pode superar esse abismo. Para realizar o que era impossível aos homens, Deus prometeu um Redentor. Jesus revelou que essa Promessa, renovada através dos séculos, não se restringia apenas a Israel, mas destinava-se à humanidade inteira. S. Paulo afirma na segunda leitura que todos são “chamados a ser santos” (1Cor 1,2). Isso só é possível porque o “Cordeiro de Deus”, ou seja, o Consagrado por excelência, “tira o pecado do mundo”. Jesus associa, assimila e integra cada ser humano à sua própria Vida como Oferta agradável ao Pai. O Deus Santo e Santificador aceita, em Jesus, a consagração da vida de cada pessoa. Dessa forma, supera a ruptura abissal entre Criador e criatura.
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Referências:
Site Padre Paulo Ricardo, artigo "Eis o cordeiro de Deus", homilia do 2º Domingo do Tempo Comum, disponível em
http://padrepauloricardo.org/episodios/eis-o-cordeiro-de-deus