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O desânimo, essa terrível arma do inimigo - conclusão



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POR QUE é que o desânimo produz tão fortes e tão funestas impressões numa al­ma cristã? Porque a alma está bem convencida da sua fraqueza, que tantas vezes experimenta: sente vivamente a dificuldade que tem em se vencer, e só o consegue raramente. Todo ocupada dessas ideias tristes e desalentadoras, - de que tem pouca coragem, de que não faz nada para agradar a Deus, - ela considera como coisa inútil recorrer ao Senhor, achando que, por se encontrar nesse triste estado, não será escutada. É um estranho efeito do orgulho do homem, que não confessa mas gostaria de dever a si mesmo todo o bem que faz e a felicidade a que aspira, indo contra a Palavra do Espírito Santo: "O que tendes que não tenhais recebido?" (I Cor 4,7).

Essa alma, pois, não reflete, nem parece contar senão com as suas obras e com as suas próprias forças; de sorte que o seu desânimo diminui, cessa, volta ou aumenta, conforme ela age bem ou mal. Ela não pensa que só e exclusivamente da misericórdia de Deus é que deve esperar socorro, e não dos seus próprios méritos; não pensa que, quando ela faz o bem, é pela Graça de Deus, Graça que ela não pode merecer; e que,em qualquer estado, essa misericórdia lhe está aberta para obter essa Graça.

Quando fazemos sentir a essas almas desanimadas que, a exemplo dos santos, devem pôr toda a sua confiança em Deus, sem hesitar elas respondem não ser surpreendente que os santos tivessem confiança em Deus, visto serem santos, e servirem a Deus com fidelidade; mas que elas não têm as mesmas razões ou as mesmas qualidades que os santos para ter essa confiança perfeita. Não percebem que esse raciocínio é contra os princípios fundamentais da Religião.

A Esperança é uma virtude teologal; o motivo dela só em Deus pode achar-se: essas almas perdidas fazem dela uma virtude meramente humana, cujo motivo se acha no homem e nos seus costumes. Não! Os Santos nunca esperaram em Deus por serem por eles mesmos virtuosos e fiéis a Deus; ao contrário, eles foram fiéis a Deus por haverem esperado n’Ele, antes de tudo. Do contrário, o pecador jamais poderia formular um ato de Esperança: e, no entanto, já que somos todos pecadores, é esse ato de esperança que o dispõe a voltar a Deus.

Note bem que São Paulo Apóstolo não diz: "obtive misericórdia porque fui fiel"; mas diz: "Obtive misericórdia a fim de ser fiel" (1 Cor 7, 15). É uma diferença essencial entre ser e não ser cristão! A misericórdia de Deus precede sempre o bem que fazemos: é ela que nos dá as graças para que possamos vencer os vícios e praticar as virtudes.

Os santos nunca contaram com as suas obras para apoiarem a sua confiança em Deus: estavam por demais compenetrados desta lição que Jesus Cristo nos dá: "Quando tiverdes feito tudo o que vos é mandado, dizei: Somos servos inúteis." (Lc 17, 10). Dura é essa Palavra? Bem, quanto mais santos eles eram, tanto mais humildes eram. Sua humildade não lhes deixava enxergar senão a perfeição a que ainda não haviam chegado. Bem distanciados dos sentimentos do fariseu do Evangelho, que se via como superior ao seu próximo, eles não achavam nada em si que pudesse assegurar a sua confiança, mas procuravam e achavam em Deus seus fundamentos inabaláveis.

Tais são os motivos que sustentaram e sustentam os santos; tais devem ser os que vos animarão, leitores, e que reanimarão vossa confiança abatida. É importante que sejais instruídos sobre este ponto, para que não caiais novamente na armadilha que o demônio vos tem tantas vezes lançado.  Que assim seja, em Nome do Santo Salvador, o Cristo, Jesus. Amém! Graças a Deus!


Por teus méritos, Jesus, não pelos meus,
ilumina e fortalece o meu espírito!


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Referência e fonte bibliográfica:
MICHEL, J. Padre. Tratado do Desânimo nas Vias de Piedade. Rio de Janeiro: Vozes, 1952

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