Mário Silva Martins
Introdução
A parábola da ovelha perdida, relatada também com breves variantes por São Mateus (18, 12-14) forma um conjunto com as parábolas da dracma perdida e do filho pródigo.
A ocasião das três foi a mesma, a saber, as murmurações dos fariseus e escribas por causa da bondade que Nosso Senhor tinha para com os publicanos e pecadores: “Este recebe os pecadores e come com eles” (S. Lucas 15, 2).
As três parábolas mostram uma mesma intenção: ressaltar a imensidade da misericórdia divina. Com isso fica mais do que justificada a conduta de Cristo.
Nas duas primeiras mostra-se a alegria que Deus tem quando um pecador se converte. Na última, mostra-se a psicologia do afastamento de Deus e da conversão do pecador.
A primeira destaca o zelo que surge em Nosso Senhor quando alguém se afasta dele pelo pecado, e a consequente busca daquele que se desgarrou. A segunda, os trabalhos em que Deus se empenha para encontra-lo. Na terceira, a recepção paternal do arrependimento.
Santo Ambrósio relaciona estas três parábolas deste modo:
“Não é sem motivo que São Lucas propôs três parábolas seguidas: a ovelha que se tinha extraviado e que foi encontrada, a dracma perdida e que fora encontrada, o filho morto e que recobrou a vida, para que este tríplice remédio te comprometa a cuidar das tuas feridas; porque uma corda de três fios não é fácil de romper (Ecle. 4, 12). Quem são este pai, este pastor, esta mulher? Não são, por acaso, Deus Pai, Cristo, a Igreja? Cristo te leva em seu corpo, tendo tomado sobre ele teus pecados; a Igreja te busca, o Pai te recebe. Como pastor, te traz de novo; como mãe, te busca; como pai, te veste. Primeiro a misericórdia, depois o auxílio, em terceiro lugar a reconciliação. Cada detalhe se ajusta a cada um: o Redentor vem em ajuda, a Igreja auxilia, o Pai se reconcilia [com o pecador]. É a mesma misericórdia da obra divina, mas a graça varia conforme nossos méritos. A ovelha cansada é reintegrada pelo pastor, a dracma perdida é encontrada, o filho encontra o caminho até seu pai, e retorna plenamente arrependido de um erro que condena” (S. Ambrósio, Exposição sobre o evangelho segundo São Lucas, l. VII, 207-208).
Visto que estas três parábolas são relatadas no Evangelho uma após a outra, sem separação, nos parece importante ver com maior profundidade o motivo que levou Nosso Senhor a pronunciá-las.
Começaremos, então, a meditar sobre esta parábola de Cristo, a da ovelha perdida, considerada como uma das mais belas. Exposta em poucos versículos, veremos que ela contém uma riqueza e uma beleza que só podem ter vindo da Sabedoria de Deus, o Verbo feito carne.
Esta parábola tão breve é tão rica em ensinamentos que nós dividiremos nosso artigo em várias partes.
As murmurações dos fariseus
“Ora, aproximavam-se dele os publicanos e os pecadores para o ouvirem. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe os pecadores, e come com eles” (S. Lucas 15, 1-2).
Este modo de falar, “aproximavam-se dele”, parece indicar um hábito, um fato que se produzia frequentemente. De fato, diversas passagens dos Santos Evangelhos nos mostram Jesus cercado de pecadores, que eram atraídos por Ele. Mas ao mesmo tempo esta expressão designa uma situação atual, pontual.
No momento mesmo do qual fala São Lucas um grande número de publicanos e de pecadores se apertavam em volta de Nosso Senhor.
Por pecadores devemos compreender aqui os pecadores públicos, todos aqueles que infringem abertamente a lei judaica. Os publicanos, coletores de impostos, são mencionados em primeiro lugar, como sendo os mais criminosos de todos os pecadores. Eles eram detestados pelo povo. Os gregos tinham até mesmo um provérbio que por si mesmo exprime a falta de estima que os publicanos tinham diante do povo: “O diabo, se passasse a ser pobre, se faria publicano”.
Mas não era qualquer motivo que os levava até Nosso Senhor. Eles iam até Ele “(…) para o ouvirem.”
Era, então, um excelente motivo que levava estes infelizes até Cristo, e Ele os recebia com bondade, lhes falado do Reino dos Céus e os convertia por discursos cheios de luz e de calor.
“E os fariseus e os escribas murmuravam (…)”
Estes pretensos santos, estes orgulhosos “separados” (vimos na explicação de uma outra parábola que era esse o significado do termo “fariseu”), não podiam suportar a conduta de Nosso Senhor e murmuravam abertamente: “Este recebe os pecadores, e come com eles”.
Notem, primeiramente, o desdém que mostram por Cristo: “Este (…)”.
Receber os pecadores já era uma grande falta aos olhos dos fariseus. Mas comer com eles, associar-se com eles do modo mais íntimo – se consideramos a mentalidade oriental – era o cúmulo da imoralidade.
Esta repreensão dos fariseus e dos escribas a Nosso Senhor só lhe dá mais glória e nos faz amá-lo mais. Era quando Nosso Senhor estava com os pecadores que Ele estava na sua melhor situação.
Fazendo alusão a estes versículos introdutórios, nos ensina São Pedro Crisólogo:
“Não menos invejosos do que soberbos [os fariseus e escribas] viam como malícia a bondade de Nosso Senhor… ‘Acolhe os pecadores e come com eles’. Assim vê o invejoso, assim sente o soberbo, deste modo raciocina o avaro, desta forma entende o malicioso. ‘Acolhe os pecadores’. Não dizem: Recebe. O que perdia aquele que os acolhia? Perdoa as culpas, converte a ira em alegria, muda a dor em graça, cada um encontra o que havia perdido. ‘Acolhe os pecadores’. Deus acolhe os pecadores, mas não para deixa-los continuar sendo pecadores; o pecador não contamina Deus ao aproximar-se dele, Deus santifica o pecador quando este se aproxima. Compreende, fariseu, Cristo não acolhe os pecados quando acolhe os pecadores, porque Deus não cobiça o delito, mas cobiça o homem. Por isso o fariseu não devia fixar-se no modo como iam os pecadores, mas em como voltavam. Certamente viram Paulo, que eles haviam enviado como perseguidor, voltar como pregador” (Sermão 168).
Os fariseus julgavam que Cristo ficava com os pecadores por conveniência própria, porque se sentia bem com eles, como se fosse um pecador entre outros.
A verdade é que não havia em Cristo conivência alguma com o pecado. Nosso Senhor só era movido pela misericórdia e pela compaixão. Recebia, sim, os pecadores, mas para transformá-los.
As duas primeiras parábolas desta tríade, a da ovelha que se extravia e a da dracma perdida, estão unidas de modo especial. A contextura literária de ambas é muito semelhante. Seria quase possível dizer que se trata de uma parábola desdobrada.
Nas duas primeiras nós vemos a Deus buscando as almas culpadas, agindo para salvá-las. A terceira descreve, por outro lado, principalmente a atividade pessoal do pecador, seus esforços para buscar e encontrar seu Deus depois de ter se separado dele. Formam, assim, um todo harmonioso, mostrando que o arrependimento necessita de dois elementos: a graça de Deus e a correspondência do pecador a ela.
Elas possuem também outras características gerais cheias de interesse.
Os números citados nessas três parábolas estão organizados de modo decrescente: uma ovelha entre cem, uma dracma entre dez, um filho entre dois. Mas o que eles querem indicar é na verdade um valor crescente. Perder uma ovelha entre cem é um mal menor do que perder uma dracma entre dez. Mas estas duas perdas reunidas estão longe de valer a perda de um filho amado.
A culpabilidade parece seguir também um caminho crescente.
Existe o pecado por ignorância, figurado pela ovelha que escapa do redil. Mas há um pecado mais grave, representado pela dracma perdida. A dracma, sendo uma moeda cunhada, representa a alma humana marcada pela imagem divina e que sabe que pertence a Deus. Mas o pecado do filho pródigo representa o pecado voluntário, inexcusável.
Finalmente, a misericórdia de Deus se manifesta também de modo crescente, atingindo sua maior intensidade na do filho pródigo.
Finalmente, a misericórdia de Deus se manifesta também de modo crescente, atingindo sua maior intensidade na do filho pródigo.
Introdução
A parábola da ovelha perdida, relatada também com breves variantes por São Mateus (18, 12-14) forma um conjunto com as parábolas da dracma perdida e do filho pródigo.
A ocasião das três foi a mesma, a saber, as murmurações dos fariseus e escribas por causa da bondade que Nosso Senhor tinha para com os publicanos e pecadores: “Este recebe os pecadores e come com eles” (S. Lucas 15, 2).
As três parábolas mostram uma mesma intenção: ressaltar a imensidade da misericórdia divina. Com isso fica mais do que justificada a conduta de Cristo.
Nas duas primeiras mostra-se a alegria que Deus tem quando um pecador se converte. Na última, mostra-se a psicologia do afastamento de Deus e da conversão do pecador.
A primeira destaca o zelo que surge em Nosso Senhor quando alguém se afasta dele pelo pecado, e a consequente busca daquele que se desgarrou. A segunda, os trabalhos em que Deus se empenha para encontra-lo. Na terceira, a recepção paternal do arrependimento.
Santo Ambrósio relaciona estas três parábolas deste modo:
“Não é sem motivo que São Lucas propôs três parábolas seguidas: a ovelha que se tinha extraviado e que foi encontrada, a dracma perdida e que fora encontrada, o filho morto e que recobrou a vida, para que este tríplice remédio te comprometa a cuidar das tuas feridas; porque uma corda de três fios não é fácil de romper (Ecle. 4, 12). Quem são este pai, este pastor, esta mulher? Não são, por acaso, Deus Pai, Cristo, a Igreja? Cristo te leva em seu corpo, tendo tomado sobre ele teus pecados; a Igreja te busca, o Pai te recebe. Como pastor, te traz de novo; como mãe, te busca; como pai, te veste. Primeiro a misericórdia, depois o auxílio, em terceiro lugar a reconciliação. Cada detalhe se ajusta a cada um: o Redentor vem em ajuda, a Igreja auxilia, o Pai se reconcilia [com o pecador]. É a mesma misericórdia da obra divina, mas a graça varia conforme nossos méritos. A ovelha cansada é reintegrada pelo pastor, a dracma perdida é encontrada, o filho encontra o caminho até seu pai, e retorna plenamente arrependido de um erro que condena” (S. Ambrósio, Exposição sobre o evangelho segundo São Lucas, l. VII, 207-208).
Visto que estas três parábolas são relatadas no Evangelho uma após a outra, sem separação, nos parece importante ver com maior profundidade o motivo que levou Nosso Senhor a pronunciá-las.
Começaremos, então, a meditar sobre esta parábola de Cristo, a da ovelha perdida, considerada como uma das mais belas. Exposta em poucos versículos, veremos que ela contém uma riqueza e uma beleza que só podem ter vindo da Sabedoria de Deus, o Verbo feito carne.
Esta parábola tão breve é tão rica em ensinamentos que nós dividiremos nosso artigo em várias partes.
As murmurações dos fariseus
“Ora, aproximavam-se dele os publicanos e os pecadores para o ouvirem. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe os pecadores, e come com eles” (S. Lucas 15, 1-2).
Este modo de falar, “aproximavam-se dele”, parece indicar um hábito, um fato que se produzia frequentemente. De fato, diversas passagens dos Santos Evangelhos nos mostram Jesus cercado de pecadores, que eram atraídos por Ele. Mas ao mesmo tempo esta expressão designa uma situação atual, pontual.
No momento mesmo do qual fala São Lucas um grande número de publicanos e de pecadores se apertavam em volta de Nosso Senhor.
Por pecadores devemos compreender aqui os pecadores públicos, todos aqueles que infringem abertamente a lei judaica. Os publicanos, coletores de impostos, são mencionados em primeiro lugar, como sendo os mais criminosos de todos os pecadores. Eles eram detestados pelo povo. Os gregos tinham até mesmo um provérbio que por si mesmo exprime a falta de estima que os publicanos tinham diante do povo: “O diabo, se passasse a ser pobre, se faria publicano”.
Mas não era qualquer motivo que os levava até Nosso Senhor. Eles iam até Ele “(…) para o ouvirem.”
Era, então, um excelente motivo que levava estes infelizes até Cristo, e Ele os recebia com bondade, lhes falado do Reino dos Céus e os convertia por discursos cheios de luz e de calor.
“E os fariseus e os escribas murmuravam (…)”
Estes pretensos santos, estes orgulhosos “separados” (vimos na explicação de uma outra parábola que era esse o significado do termo “fariseu”), não podiam suportar a conduta de Nosso Senhor e murmuravam abertamente: “Este recebe os pecadores, e come com eles”.
Notem, primeiramente, o desdém que mostram por Cristo: “Este (…)”.
Receber os pecadores já era uma grande falta aos olhos dos fariseus. Mas comer com eles, associar-se com eles do modo mais íntimo – se consideramos a mentalidade oriental – era o cúmulo da imoralidade.
Esta repreensão dos fariseus e dos escribas a Nosso Senhor só lhe dá mais glória e nos faz amá-lo mais. Era quando Nosso Senhor estava com os pecadores que Ele estava na sua melhor situação.
Fazendo alusão a estes versículos introdutórios, nos ensina São Pedro Crisólogo:
“Não menos invejosos do que soberbos [os fariseus e escribas] viam como malícia a bondade de Nosso Senhor… ‘Acolhe os pecadores e come com eles’. Assim vê o invejoso, assim sente o soberbo, deste modo raciocina o avaro, desta forma entende o malicioso. ‘Acolhe os pecadores’. Não dizem: Recebe. O que perdia aquele que os acolhia? Perdoa as culpas, converte a ira em alegria, muda a dor em graça, cada um encontra o que havia perdido. ‘Acolhe os pecadores’. Deus acolhe os pecadores, mas não para deixa-los continuar sendo pecadores; o pecador não contamina Deus ao aproximar-se dele, Deus santifica o pecador quando este se aproxima. Compreende, fariseu, Cristo não acolhe os pecados quando acolhe os pecadores, porque Deus não cobiça o delito, mas cobiça o homem. Por isso o fariseu não devia fixar-se no modo como iam os pecadores, mas em como voltavam. Certamente viram Paulo, que eles haviam enviado como perseguidor, voltar como pregador” (Sermão 168).
Os fariseus julgavam que Cristo ficava com os pecadores por conveniência própria, porque se sentia bem com eles, como se fosse um pecador entre outros.
A verdade é que não havia em Cristo conivência alguma com o pecado. Nosso Senhor só era movido pela misericórdia e pela compaixão. Recebia, sim, os pecadores, mas para transformá-los.
As duas primeiras parábolas desta tríade, a da ovelha que se extravia e a da dracma perdida, estão unidas de modo especial. A contextura literária de ambas é muito semelhante. Seria quase possível dizer que se trata de uma parábola desdobrada.
Nas duas primeiras nós vemos a Deus buscando as almas culpadas, agindo para salvá-las. A terceira descreve, por outro lado, principalmente a atividade pessoal do pecador, seus esforços para buscar e encontrar seu Deus depois de ter se separado dele. Formam, assim, um todo harmonioso, mostrando que o arrependimento necessita de dois elementos: a graça de Deus e a correspondência do pecador a ela.
Elas possuem também outras características gerais cheias de interesse.
Os números citados nessas três parábolas estão organizados de modo decrescente: uma ovelha entre cem, uma dracma entre dez, um filho entre dois. Mas o que eles querem indicar é na verdade um valor crescente. Perder uma ovelha entre cem é um mal menor do que perder uma dracma entre dez. Mas estas duas perdas reunidas estão longe de valer a perda de um filho amado.
A culpabilidade parece seguir também um caminho crescente.
Existe o pecado por ignorância, figurado pela ovelha que escapa do redil. Mas há um pecado mais grave, representado pela dracma perdida. A dracma, sendo uma moeda cunhada, representa a alma humana marcada pela imagem divina e que sabe que pertence a Deus. Mas o pecado do filho pródigo representa o pecado voluntário, inexcusável.
Finalmente, a misericórdia de Deus se manifesta também de modo crescente, atingindo sua maior intensidade na do filho pródigo.
Finalmente, a misericórdia de Deus se manifesta também de modo crescente, atingindo sua maior intensidade na do filho pródigo.