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Proteção contra o demônio


Por Dom Julio Endi Akamine, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Titular de Tagamuta e Vigário Episcopal da Região Lapa

Dom Julio Endi Akamine
UM JOVEM ME PERGUNTOU uma vez se o demônio pode se manifestar em objetos, ou em maldições lançadas contra uma pessoa. Compartilho com os leitores minhas reflexões a partir dessa pergunta.

A rebelião de Satanás contra Deus não se deu somente em um passado distante e durante a vida terrena de Jesus. A história da salvação não chegou ainda ao seu termo, e o juízo final sobre os demônios deve ainda ocorrer. Até o retorno de Cristo, o mundo é ainda teatro do conflito entre o Reino de Deus e o de Satanás. Por isso, às potências demoníacas permanece a possibilidade de uma atividade (atenção: uma atividade limitada e permitida) na tentação e sedução dos homens.

É preciso sempre lembrar que a vitória de Cristo é vitalmente muito mais eficaz e poderosa na defesa e proteção da Igreja. Na rebelião contra Deus, o influxo de Satanás sobre o homem nunca se iguala ao de Deus: somente Deus pode agir no íntimo da pessoa, a partir do seu interior. Por ser criatura, Satanás pode influenciar o homem somente por meio da instrução, da persuasão e da excitação, a partir de fora, das paixões e dos afetos do homem.

Apesar de o cinema retratar os demônios como seres de aparência
assustadora, Satanás leva muito mais almas à perdição por meio
da sutileza, da beleza e das delícias da carne

Há também casos da ação demoníaca por possessão. Em senso estrito, possessão é a tomada de posse do corpo por parte de Satanás. Desconhecemos a extensão total dos poderes do demônio sobre o universo criado, no qual se inclui a humanidade. Sabemos que, tanto na Bíblia quanto na História, há casos em que o diabo penetra no corpo de uma pessoa e controla as suas atividades físicas (palavra, movimentos e ações). Mas o diabo não pode controlar a alma; a sua liberdade permanece inalterada e nem todos os demônios do inferno juntos têm o poder ou a permissão de forçá-la. Em princípio, não devemos menosprezar a influência do demônio e julgá-la insignificante; nem devemos julgar que todos os transtornos de personalidade (histeria, doença psíquica, distúrbios mentais, desvios) sejam possessão demoníaca. O remédio sacramental contra a possessão é o exorcismo.

Além da sedução, sugestão, instrução (tentações a partir de fora) e da possessão, o demônio, enquanto criatura que pertence ao Cosmo, pode também se servir de elementos criados. Em sua rebelião contra Deus, o demônio pode atuar nos males físicos (para entender a distinção entre males físicos e morais, vide Catecismo da Igreja Católica, 309-314) em modos e em graus diferentes. Mas, também nesse caso, é muito difícil ver com clareza se um evento no Cosmo (por exemplo um cataclismo, uma catástrofe climática, uma pandemia) pode ser explicado como fenômeno natural ou deva ser atribuído a poderes demoníacos. De fato, atualmente o homem, graças ao progresso das ciências naturais, está em melhores condições para compreender e interpretar eventos naturais do que as gerações passadas. De qualquer forma, devemos ter claro que Satanás e seus anjos decaídos, em virtude da sua criaturalidade, estão inseridos no conjunto do Cosmo e têm a capacidade de exercer uma influência deletéria (a atividade demoníaca não é construtiva e sim destrutiva do mundo e da humanidade) também sobre as criaturas infra-humanas. Essa possível influência sempre se dá na medida da permissão divina e no âmbito do Governo providente de Deus. Contra esse influxo de Satanás sobre os elementos criados, o remédio protetor é o Sacramental da Consagração.

Satanás pode agir também por meio de maldições. Esse caso está incluído naqueles em que os demônios agem através de poderes desconhecidos e que não são explicáveis pelas ciências naturais (sortilégio, bruxaria, feitiçaria, magia, adivinhação, satanismo, comunicação com 'entidades desencarnadas', etc.). Essas práticas, mesmo que não provoquem dano direto, causam geralmente confusão, dúvida, inquietude, medo. Aqui é preciso discernimento prudente entre o campo das forças demoníacas e os das forças naturais. Por isso, não devemos descartar que uma pessoa dotada de forças demoníacas possa provocar um mal. Mas a verificação de tal possibilidade só deve ser admitida quando todas as explicações naturais forem insuficientes. Contra tal influxo de Satanás através do recurso às forças ocultas, o remédio protetor é a benção.

Diante da atuação demoníaca, a Igreja recebeu meios genuínos de defesa, nos quais se aplica o Poder vitorioso de Cristo. São os Sacramentais da Consagração, da Benção e do Exorcismo. Mas muito mais eficaz e importante é a defesa de uma vida santa, fundada na Fé, na Graça e na Comunhão com Cristo. Para que Satanás fuja do cristão não há providência melhor e mais eficaz do que a adesão firme e consciente a Cristo por meio dos Sacramentos, da oração, da vigília e de uma vida santa.

___ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, Jornal “O São Paulo” nº 3053, ano 60, p. 5.

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