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Cristianismo e felicidade






O PROBLEMA CENTRAL da existência humana é ser feliz. Não é difícil compreender que o grande “segredo” para se atingir uma vida verdadeiramente feliz começa pelo conhecimento de que essa felicidade não pode depender de qualquer coisa externa ao próprio ser; não deve ser criada por circunstâncias, e sim brotar da profundeza interna da própria pessoa. É assim porque a pseudo-felicidade, criada por circunstâncias externas, também está sujeita, claro, a ser destruída pelas mesmas circunstâncias; é precária, incerta, fugaz. Por isso mesmo não é a verdadeira, duradoura e plena felicidade.

Alguém, por exemplo, que goste muito de praia, sol e mar, vai se sentir feliz quando estiver numa bela praia admirando a enormidade do oceano e sentindo o calor do sol em sua pele; mas, se logo vem uma frente fria, e a chuva persistente, essa "felicidade" acaba. Ora, assim percebe-se que aquele bem estar que essa pessoa experimentava em curtir a praia não era verdadeira felicidade, mas apenas uma sensação agradável totalmente efêmera e circunstancial.

Para o cristianismo, a única possibilidade de ser verdadeiramente feliz está em Deus, porque só Deus é eterno, imutável, permanente, além de ser a própria fonte da Vida e o Doador de toda realização humana possível.

Para estar em Deus é preciso ser santo (conf. Lv 11, 44; 19, 2; 20, 7; IPd 1,16).

Existem dois modos principais de ser santo: pode o ser humano ser sacrificialmente santo e pode ser jubilosamente santo.

É preciso reconhecer que somente este segundo tipo de santidade resolve, definitivamente, o problema central da felicidade humana, porque, enquanto ser santo ainda for difícil, como uma busca sofrida ou como aceitar tomar um remédio muito amargo; enquanto ser santo for um ato exclusivamente sacrificial, então estará o ser humano a caminho da felicidade, mas não será plenamente feliz.

Enquanto o ser humano na Terra não fizer a Vontade de Deus assim como o fazem os seres humanos nos Céus (os santos), isto é, espontânea e jubilosamente, não estará garantida a sua felicidade. Ele empurrará o arado que preparará a terra de sua alma para o florescimento de uma vida nova e realmente feliz (Lc 9,62), mas olhará ou se sentirá constantemente tentado a olhar para trás, para a sua antiga vida e costumes. Sentirá saudades de sua vida antiga, dos antigos pecados "de estimação" que precisou deixar para trás quando resolveu se converter.

Já o cumprimento feliz e pleno da Vontade de Deus é impossível ao homem que não tenha vivido a experiência íntima e direta de Deus. E essa experiência de Deus coincide com a experiência do verdadeiro “eu” do próprio homem. Se é verdade que é nesse eu central que “o Espírito de Deus habita o homem”, no dizer de São Paulo, ou está “o Reino de Deus dentro do homem” (Lc 17, 21), então a experiência do nosso eu é necessária à experiência do próprio Deus.

Santa Teresa de Jesus advertiu-nos, em sua obra clássica "O Castelo da Alma" da importância de o ser humano conhecer-se a si mesmo, no que ficou conhecido como "socratismo teresiano". Nos segundo capítulo de suas "Primeiras Moradas" (§8-9), ela diz:


“Oh, e como é absolutamente necessário o conhecimento de si mesmo! Vejam se me entendem. Por mais que a alma tenha se elevado (refiro-me inclusive àquela que o Senhor já acolheu na morada onde Ele está), não lhe cumpre fazer outra coisa senão buscar conhecer-se a si mesma. Nem poderia deixar de fazê-lo, se quisesse, porque a humildade sempre fabrica o seu mel, como a abelha na colmeia. Sem isso, está tudo perdido. Tal como a abelha, que não deixa de sair para colher o néctar das flores, assim é a alma, no que se refere ao conhecimento de si mesma.O conhecimento de si mesmo é tão importante que não queria que vocês se descuidassem dele, por mais adiantadas [fala às suas irmãs de hábito] que estejam no caminho dos Céus. (...) Procurem empenhar-se ao máximo no conhecimento de si mesmas.”1
Aquele que chega a essa experiência vital, quase que como uma espécie de efeito colateral chega ao conhecimento da Verdade – que liberta –. Finalmente livre e independente de todos os fatores externos, somente tal pessoa é, sólida e irrevogavelmente, feliz. Sem essa experiência, o ser humano será infeliz mesmo em meio a todos os prazeres e confortos que este mundo é ou será um dia capaz de oferecer. Ao contrário, com essa experiência e consciência, a felicidade se mantém, mesmo em meio às maiores provações e aparentes sofrimentos deste mundo.

Felicidade ou infelicidade são estados do que poderíamos chamar de nosso “eu central”, isto é, na terminologia bíblica, do nosso espírito. Felicidade ou infelicidade são coisas que os seres humanos são, e não algo que possuam. Ninguém “tem” felicidade ou tristeza. Uma pessoa é feliz ou infeliz. Ser feliz não está absolutamente relacionado ao ter, mas sim ao ser.

A perfeita harmonia do espírito, do “eu” humano, com a Realidade divina: eis a plena felicidade. Isto é moldar-se à Vontade de Deus, que –, quer tenhamos consciência disto quer não –, é sempre o melhor para nós mesmos. O misticismo judaico diz que cada ser humano é, em última análise, aquilo que deseja. O desejo é a força que move e define os seres humanos: somos feitos dos nossos desejos.

Pare e pense um pouco sobre estas duas questões: 1) Qual o seu maior desejo? 2) De que maneiras você poderia definir o seu viver neste mundo?

As duas respostas estão intimamente relacionadas? Pois bem. Esse experimento simples demonstra que a verdadeira e perene felicidade só pode ser possível a partir do momento em que você alinhar a sua vontade com a Vontade Perfeita da Suprema Consciência Universal que é Deus. Este é o meio cristão de ser feliz. É o único meio. Outros tipos de felicidade podem existir, mas não representam a felicidade plena, pois são naturalmente efêmeros, temporários, incertos. Quem deposita a sua felicidade em posses ou pessoas, não pode se considerar realmente feliz, mas alguém que vive momentos de alegria. Por felicidade não entendemos alguma sensação passageira, mas um estado de realização integral, que se reflete concretamente na vida do indivíduo.




Concluímos, a partir daí, que o segredo da felicidade é o Amor, se é que cremos e sabemos que Deus é Amor. Foi isso o que todos os santos afirmaram, e esta é uma maneira de resumir e simplificar a resposta. Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face (nossa 'Santa Terezinha') parece ter chegado a estas conclusões, quando disse:


“Ó Farol Luminoso do Amor, eu sei como chegar a Ti; encontrei o segredo de me apropriar da Tua Chama! (...) Compreendi que o Amor engloba todas as vocações, que o Amor é tudo! (...) Como estou longe de ser conduzida pela via do temor, sei sempre encontrar o meio de ser feliz e aproveitar de minhas misérias...”

(História de uma Alma, n.s 255 e 256)
Se aceitamos que a condição mínima de Jesus para quem deseja segui-lo é renunciar a si mesmo e dedicar-se somente a segui-lo, sem reservas, e se compreendemos e assumimos que Deus é Amor, de fato, entendemos que o caminho para a felicidade é também o caminho do Amor, o único que leva a Deus. Sim, o ser humano nasceu para ser feliz, embora o mundo não entenda nada de felicidade, na medida que a confunda com riquezas e posses. Deus é a Fonte da felicidade. Por isso, dizemos também que o segredo da felicidade está em “deixar” Deus ser Deus em nossas vidas, não somente aceitando, mas modelando-nos e alinhando-nos, dia a dia, passo a passo, à sua santa Vontade. Assim seja para cada um de nós.

____

1. Santa Teresa prega o constante e perpétuo aperfeiçoamento do ser humano no conhecimento de si mesmo como meio de busca da profundíssima humildade que é fundamental ao cristão: 'A meu ver', diz ela, 'jamais nos conheceremos realmente sem antes conhecer a Deus: contemplando a sua Grandeza, enxergamos a nossa baixeza; mirando a sua Pureza, reconhecemos a nossa impureza; refletindo sobre a sua Humildade, entendemos como estamos longe de ser humildes'.


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