Por Tihamer Toth*
Régulo em Cartago
CARTAGO IA MANDAR uma embaixada a Roma para pedir a paz. Um prisioneiro de guerra romano, chamado Régulo, foi encarregado de chefiá-la, mas teve de jurar, antes de partir, que, se a sua missão viesse a fracassar, ele voltaria ao cativeiro. Qual haverá sido a emoção dele, ao achar-se de novo em Roma, sua cidade amada! Lá poderia ficar para sempre, se a paz fosse obtida.
Todavia, o que fez ele?
Com toda a sua eloquência incitou o senado a continuar a guerra e, quando lhe pediram que ficasse em Roma, uma vez que um juramento feito por coação não podia obrigar, respondeu:
“Querem então, loucamente, que eu falte à honra? Bem sei que as torturas e a morte me aguardam à minha volta. Mas tudo isso não é nada em comparação com a vergonha acarretada por uma ação desleal, e com as feridas que a alma recebe do pecado. É verdade que ficarei prisioneiro dos cartagineses, mas ao menos conservarei, em toda a sua pureza, meu caráter de romano. Jurei voltar, e cumprirei meu dever até o fim. Confiem o resto aos deuses.”
E voltou a Cartago, onde morreu entre horrorosos tormentos.
Isso era o caráter romano! Ora, e o que é, então o caráter cristão?
Nem todos podem ser ricos, nem sábios, nem homens célebres. Mas há uma coisa que se pode exigir de todos: um caráter irrepreensível. Conquistar reinos terrestres é obra de homens excepcionais, e a coroa real, feita para bem poucas cabeças. Mas conquistar o reino dos tesouros espirituais e colocar na cabeça a coroa de um caráter viril, eis uma tarefa sublime e sagrada, que deve nos preocupar a todos sem exceção. Todos, disse eu. Entretanto, muitos deixam de cumpri-la. Porém você, meu filho, não a desdenhará, estou certo.
Entretanto, um caráter irrepreensível não é sorte grande que se pode ganhar sem nenhum mérito pessoal. Não é também nome ilustre que se traz consigo ao nascer, ou que se adquire sem trabalho. Um caráter irrepreensível é resultado de luta muitas vezes dura, da guerra viril que a nós mesmos nos fazemos, e às nossas inclinações egoístas, e que pede muitas conquistas, abnegação e disciplina. Esse combate, cada um de nós deve travá-lo dentro de si mesmo e sair dele vitorioso.
O resultado magnífico que obterá nessa luta será um caráter impecável. Hoje em dia, o sentido profundo dessa expressão escapa-lhe ainda, talvez. Mas, no dia em que a obra principal da sua vida for desvendada ante a face de Deus, e sua alma, que tiver formado com tanto trabalho, aparecer em toda a sua incomparável grandeza, exclamará, deslumbrado, como Haydn na representação de sua obra A Criação: “Meu Deus, fui eu mesmo que fiz isto?”.
Segundo o termo clássico de Santo Agostinho, “homines sunt voluntates”, isto é, o valor do homem é determinado pela sua vontade. Cada vez melhor se reconhece que hoje a escola moderna se ocupa quase exclusivamente da inteligência dos jovens, em detrimento do seu caráter e da sua vontade, que ela ignora desenvolver. Daí, o fato tão triste de se acharem entre os adultos muito mais mentes cultivadas do que ombros de aço, muito mais saber do que caráter. Não obstante, a base, o sustentáculo moral da sociedade é a pureza moral, não a ciência; o homem, não a fortuna; o caráter, não a covardia.
Este livro tem um único fim: exortar os jovens a formarem impecável seu caráter, induzi-los a raciocinar desta maneira: “Uma responsabilidade enorme pesa sobre mim, porque séria tarefa me aguarda e devo empregar minha vida a cumpri-la. Os germes do meu futuro repousam em minha alma: cumpre que eu a aqueça, cultive e desenvolva, para que ela se transforme em flor primorosa digna de exalar seu perfume diante do trono de Deus, por toda a eternidade. E só posso consegui-lo cumprindo meu dever em todas as circunstâncias e vivendo uma vida ideal”.
Quer este livro dar aos jovens um caráter de aço, neste tempo em que o mundo inteiro vai completamente transtornado e parece como que andar de pernas para o ar; nesta época em que a maior e talvez a única doença da humanidade (responsável por todos os seus erros e vícios) é o perecimento assustador da vontade; nestes dias de desânimo quase geral, em que se diz, complacentemente, que é sabedoria conformar-se com as circunstâncias, e ver a salvação pública na negação dos princípios da política realista e na procura dos interesses pessoais; hoje, que a sensibilidade, sempre à espreita de uma ofensa, se chama dignidade própria, e a inveja pretende ser o senso de justiça; hoje, que se evita qualquer trabalho um pouco mais difícil, sob pretexto de que é impossível; que cada um procura a vida fácil e seus gozos. Sim, este livro quer formar jovens de caráter inatacável, de princípios justos e sólidos; jovens cuja vontade não recua ante os problemas; cavaleiros devotados a todo e qualquer dever; moços rijos como o aço, retos como a verdade, luminosos como um raio de sol, límpidos como o fio de água das montanhas; moços puros de corpo e alma.
Seria muito bom se só houvesse estudantes de caráter inteiriço; e que não se encontrasse mais nenhum de alma vil e sentimentos mesquinhos, desses que não se interessam por nenhum problema espiritual, que só pensam em iludir o professor, subtrair-se às lições difíceis, ir ver a nova estrela do cinema e arranjar um convite para a festa na casa da Dona X. Mas, ai! Há tantos desta espécie! E os jovens de caráter firme são, em comparação, tão poucos! Pois bem! Este livro quer demonstrar que quem tem razão é essa minoria que trabalha e se fatiga no caminho do caráter, enquanto os outros são tão despreocupados e irreverentes. E este livro, ao mesmo tempo, quer incentivá-lo a que se inscreva entre os primeiros, pois só a vida deles é que é digna dos homens. Afirmo, com Schiller, que é a vontade que faz o homem pequeno ou grande. E concordo com o barão Joseph Eotvos, o grande pensador húngaro, que diz: “O valor real do homem não depende da sua inteligência, porém da força de sua vontade. Os grandes talentos intelectuais só servem para enfraquecer aquele a quem falta firmeza; um grande espírito, cujo caráter não está à mesma altura, é a mais desgraçada e não raro a mais desprezível das criaturas”.
Na primavera, o camponês se detém junto ao seu campo e passeia o olhar preocupado ao longo dos sulcos silenciosos.
“O que me dará este ano, minha terra?”, parece ele dizer. Porém o campo lhe responde com outra pergunta: “Diga você primeiro o que me dará”. E assim pergunta o moço à vida: “O que é que me reserva, ó vida? O que é que me espera no correr dos anos?”. Porém a vida, como o campo, lhe responde a pergunta: “Isso depende do que me der! Receberá o que merecer por seu trabalho. Colherá o que semear”.
Quero tornar conhecido o grande meio de êxito neste grande trabalho: a educação de si próprio. Porém, tome cuidado, meu filho, e não se deixe iludir! Posso apenas desvendar-lhe os inimigos dissimulados, preveni-lo contra os perigos, designar as armas, mas não posse combater em seu lugar! Se quiser adquirir caráter, é preciso que faça você mesmo esse trabalho espiritual, que só você pode realizar.
A experiência lhe mostrará que o caminho do caráter não é fácil. Faz-se necessário uma vontade bem forte para combater os pequenos defeitos e nunca pecar, uma vontade que não conhece nem demora nem trégua. Mas não importa! “Sim, não importa! Quero, quero!”, deve dizer. – E que quer então? – Quero dominar meus sentidos e meus sentimentos. Quero pôr em ordem o caos dos meus pensamentos. Quero refletir antes de falar. Quero considerar as coisas antes de agir. Quero aproveitar as experiências do passado, quero pensar no futuro, quero, portanto, fazer o melhor emprego possível do presente. Quero trabalhar com gosto, sofrer sem me queixar, viver de maneira irrepreensível e, finalmente, morrer em paz, na esperança da minha felicidade eterna!
Pode-se imaginar mais elevado programa de vida? Existirá objetivo mais digno de ser realizado do que uma vida sem mancha?
O que é o caráter?
E o que queremos dizer quando falamos de alguém: “Ali está um (bom) caráter”? A palavra "caráter" designa a vontade humana fixada no bem; e um jovem é um (bom) caráter se tem nobres princípios e se em nada os sacrifica, ainda quando tal constância lhe impõe renúncias. Aquele que, ao contrário, muda de princípios conforme as circunstâncias, a sociedade ou os amigos, que abandona um modo de agir até aqui reconhecido como bom, sob o pretexto que não lhe causem o menor desagrado, esse é volúvel e pouco seguro, tem caráter fraco, ou, pior ainda, falta-lhe inteiramente caráter.
Isto basta já para mostrar em que consiste a educação do caráter. Primeiro, cumpra-se procurar nobres princípios; em seguida, por um exercício contínuo, urge que se acostume a agir segundo esses princípios, em todas as circunstâncias. A vida moral de um homem sem princípios é tão agitada quanto uma pequena cana surpreendida pela tempestade. Ela faz hoje de um modo e amanhã de outro. A primeira necessidade é, pois, formar em nós princípios firmes, e a segunda é adquirir a força de que precisamos para seguir, sem tropeços, o caminho que tivermos reconhecido como direito.
Repito: a sua primeira tarefa é formar em si princípios justos. Ora, qual é o princípio justo no tocante aos estudos, por exemplo? “Devo estudar com aplicação constante, pois Deus quer que eu cultive os talentos que ele me deu”. Qual é o princípio justo a respeito dos colegas? “Devo fazer a eles o que eu quereria que eles fizessem a mim”. E assim por diante. Cumpre que tenha princípios justos em todas as coisas.
A segunda tarefa é muito mais difícil: seguir esses exatos princípios, isto é, exercitar-se no caminho do caráter.
Um belo caráter não se recebe de presente: nós o fazemos por um labor sólido e contínuo, trabalhando nisso durante longos anos, dezenas de anos muitas vezes. A influência do círculo de relações, as inclinações boas ou más recebidas de herança, podem produzir certa impressão no nosso caráter, mas, afinal de contas, o nosso caráter é obra pessoal nossa, é resultado do nosso trabalho de educação de nós mesmos. Por isso, é uma dupla educação a que recebemos: a primeira nos é dada por nossos pais e pela escola; a segunda, a mais importante, nos vem dos nossos próprios esforços.
Sabe o que é a educação? É a influência da nossa vontade que nos leva pelo bom caminho, em qualquer situação, sem hesitar, com alegria.
Sabe o que é o caráter? É agir em conformidade com os princípios fundamentais; é o esforço empenhado de nossa alma na realização da nobre concepção que fazemos da vida.
Já pode concluir que, nessa educação de si, o difícil não é a formação do justo princípio vital, porém o esforço que se deve fazer dia a dia para se conformar com ele. “Isto é o meu princípio, e não o abandonarei; ser-lhe-ei fiel, custe o que custar”. E é preciso dizer que isso exige, não raro, muitos sacrifícios; e aí está a razão por que se encontram tão poucos caracteres no mundo.
“Permanecer sempre fiel a seus princípios”, “nunca se divorciar da verdade”. Quem é que não se entusiasmaria por estes belos pensamentos? Ah! Se não fosse tão difícil converter esses pensamentos em ações! Se esses belos intentos não se desvanecessem em nós tão facilmente, sob o influxo contrário da sociedade, dos amigos, da moda, do nosso próprio “eu” que não gosta de ser continuamente molestado! Ouça o que, a respeito, diz o poeta:
“Por que agir com desalinho,
Ser como o pião a girar?
Se encontraste o bom caminho,
procura perseverar.”
(Reinick)
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* Este artigo é o conteúdo do primeiro capítulo de um precioso e pouco conhecido livro de Tihamer Toth, intitulado 'O Jovem de Caráter'. Toth foi um digno bispo católico e professor, nascido na bela e valorosa Hungria, no ano 1889. Estudou na Universidade de Pázmány, Budapeste, e foi ordenado sacerdote em 1912. Suas obras tratam de temas como convivência, vocação profissional, esportes, estudos, amizade, leituras e muito mais, sempre sob a ótica dos valores cristãos, mesmo que nem sempre partam de uma abordagem necessariamente doutrinária. O autor também era conhecido pelo seu bom humor. Especializou-se em escrever para a juventude. Seu propósito de atrair jovens para Cristo nasceu na época em que foi capelão do exército austro-húngaro na Primeira Guerra Mundial, quando conheceu a miséria moral em que já se encontrava a juventude do seu tempo. Tornou-se um conhecido educador, nomeado, em 1924, professor de Pedagogia na Universidade de Pázmány. Em 1916, iniciou um programa de rádio que se tornou famoso no país. Em 1931, foi escolhido para diretor do seminário de Budapeste. Foi sagrado bispo em 1938, mas faleceu pouco depois, em 1939. Em 1943, iniciou-se o processo para a sua beatificação. As obras de Toth podem ser aproveitadas por jovens de todos os tempos, pois tratam de valores e princípios eternos. Ele procura lidar com os anseios mais profundos do ser humano. Por essa razão, podemos afirmar que seus escritos não são indicados exclusivamente para jovens, mas também para pais, pedagogos e todas as pessoas
desejosas de, a qualquer época da vida, crescer no amor a Deus.
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* TOTH, Tihamer, O jovem de caráter, São Paulo: Molokai, 2016, pp.15-16.
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